Por Daniel R.Schnaider*

Dedicado à minha avó Rachel, mãe Fanny, irmã Michal, esposa Sari e filha Sophia - quanta sorte tenho em tê-las como parte da minha história.
Maria acordou cedo, como sempre fazia antes do sol nascer, para garantir água suficiente do poço comunitário antes que a fila se formasse. Apesar de ter aprendido sozinha a costurar roupas que vendia na vizinhança, seu esforço passava despercebido—algo comum naquela região, onde sobreviver já era uma vitória silenciosa. Do outro lado da cidade, Beatriz organizava calmamente sua mesa, relendo a apresentação que faria naquela tarde, sabendo que uma promoção seria celebrada por amigos e família como uma conquista digna de orgulho. Ambas batalhavam diariamente, mas era como se apenas uma delas tivesse uma audiência capaz de reconhecer plenamente sua luta e suas vitórias.
Maria voltou para casa carregando a água, pensando em como venderia suas costuras no mercado informal antes que a fiscalização chegasse, confiscando seus produtos mais uma vez. Sua habilidade com a máquina de costura era admirada por vizinhas, mas permanecia invisível fora da comunidade, desperdiçada pelo isolamento econômico. Enquanto isso, Beatriz, após a apresentação bem-sucedida, recebeu cumprimentos calorosos dos colegas e a esperada proposta de aumento salarial do seu chefe. Ao final do dia, uma foto publicada nas redes sociais celebrava seu feito com centenas de curtidas. À noite, Maria observava seus filhos dormindo no colchão gasto, sentindo que suas próprias vitórias não traziam alimentos ou medicamentos o suficiente para a família. Ao mesmo tempo, Beatriz jantava com os amigos em um restaurante confortável, sentindo que, finalmente, sua luta estava sendo reconhecida e celebrada.
O desenvolvimento econômico é fundamental para ampliar a liberdade das mulheres, pois reduz barreiras estruturais e amplia o reconhecimento social e econômico de suas conquistas. Segundo o Banco Mundial, países com maior crescimento econômico tendem a registrar melhorias substanciais na autonomia feminina, observando-se um aumento da participação feminina no mercado de trabalho formal e em posições de liderança. Estudos apontam que, em países de renda média e alta, as mulheres tendem a ter suas realizações profissionais mais reconhecidas socialmente, do que em comparação a regiões de extrema pobreza. Ademais, a vencedora do Prêmio Nobel de Economia Esther Duflo demonstrou empiricamente que programas de alívio à pobreza têm efeitos diretos e mensuráveis no empoderamento das mulheres, reforçando o elo indissociável entre crescimento econômico e liberdade feminina.
No entanto, em contraste ao argumento de Esther Duflo, considero que ações paliativas são insuficientes, pois não oferecem soluções estruturais capazes de eliminar efetivamente a pobreza, mesmo após uma ou duas gerações. Embora pareça ousado um cidadão comum questionar as conclusões de uma laureada com o Nobel, é justamente o alívio temporário da pobreza que frequentemente remove a urgência política necessária para erradicá-la em definitivo, criando uma escravidão oculta com aqueles partidos que supostamente concederam o benefício. Governos e sociedades tendem a se acomodar diante dessas medidas paliativas, assumindo que a simples transferência de um percentual fixo do PIB já seria suficiente para resolver o problema, prejudicando debates mais profundos e limitando a busca por soluções permanentes.
Para Maria, e milhões de mulheres como ela, cada dia é uma batalha exaustiva contra ameaças e violências explícitas. Sua realidade é marcada por uma luta constante para proteger seus filhos em um ambiente onde o crime e as drogas rondam perigosamente próximos, enquanto o planejamento familiar sequer é uma opção diante da ausência absoluta de recursos e informação.
O aborto clandestino, um risco constante que já levou a vida de amigas próximas, é uma sombra que paira sobre sua comunidade. Além disso, Maria frequentemente enfrenta sozinha a carga de dois ou três empregos precários, sem qualquer apoio de um marido frequentemente ausente ou perdido em vícios que aprofundam ainda mais o abismo familiar.
Sua rotina inclui suportar diariamente o assédio sexual dentro de ônibus lotados e até mesmo nas ruas, onde sua vulnerabilidade parece ser convite para abusos impunes. Silenciada por um sistema que não a escuta nem a protege, sua existência é quase invisível diante de uma sociedade que se acostumou a virar o rosto para mulheres cuja luta diária já deixou há muito de ser apenas pela dignidade—agora, trata-se simplesmente de sobrevivência.
Na PRIME Society, uma federação sem fins lucrativos, dedicamos quinze anos de estudos para identificar caminhos capazes de erradicar definitivamente a pobreza, gerando transformações profundas e concretas na vida de mulheres como Maria. Nossa proposta central está na criação de pequenas cidades privadas através de concessões e parcerias público-privadas, capazes de atrair investimentos substanciais destinados à construção e manutenção de infraestrutura de alto padrão. Com isso, garantiríamos acesso universal a serviços essenciais, como hospitais modernos, escolas de qualidade, transporte seguro e eficiente, além de segurança pública confiável. Dessa forma, acreditamos ser possível romper o ciclo vicioso de pobreza, transformando estruturalmente a realidade de milhões de pessoas que atualmente vivem à margem da sociedade.
Infelizmente, a realidade brasileira é tal que não estou convencido de que as leis e políticas atuais sejam suficientes para motivar investimentos significativos do setor privado nacional e internacional no país.
Juros persistentemente elevados, insegurança jurídica crônica, posicionamentos diplomáticos frequentemente antiamericanos, além de uma dívida pública elevada, formam barreiras relevantes.
Soma-se a isso um sistema tributário complexo e burocrático e leis trabalhistas rígidas, frequentemente apresentadas à população como medidas sociais essenciais, mas que, na prática, têm afastado justamente os responsáveis por decidir o destino de mais de 1,3 trilhões de dólares em investimentos diretos internacionais que circulam globalmente a cada ano. Leis como a Maria da Penha tornam-se irrelevantes em uma sociedade onde regiões inteiras são dominadas pelo crime organizado e estão fora da jurisdição e controle do Estado.
Contudo, juntos temos a capacidade de mobilizar nossas comunidades e pressionar prefeituras, governos estaduais e o governo federal, por meio dos deputados e senadores que nos representam, para a criação da lei das ZEGAs – Zonas Experimentais de Governança Autônoma. O objetivo dessas zonas é oferecer incentivos sólidos e garantias jurídicas claras para atrair investidores dispostos a aportar recursos significativos, fomentando desenvolvimento sustentável, inovação e prosperidade econômica real em Cidades 5.0. Essa iniciativa poderia tornar o Brasil novamente atraente para investimentos, acelerando a transformação social e econômica necessária para mudar, definitivamente, a realidade de milhões de brasileiras como Maria.
Nossa jornada não será curta nem fácil. Ela exigirá a mesma coragem e determinação de mulheres como Maria, que enfrentam desafios diários em busca de sobrevivência e dignidade, e de mulheres como Beatriz, que, apesar de estarem em uma posição privilegiada, também lutam por reconhecimento e avanços em um sistema que ainda impõe obstáculos. Ambas representam realidades distintas, mas são impulsionadas pela mesma busca por mudança social, que exige um esforço coletivo contínuo de todos.
Para construirmos pontes sólidas entre esses mundos e tornarmos a transformação possível, no dia 28 de maio, em São Paulo, realizaremos o evento "Cidade 5.0 - Quando a Erradicação da Pobreza é um bom Negócio". O encontro tem como objetivo ampliar o conhecimento da sociedade sobre as ZEGAs (Zonas Experimentais de Governança Autônoma), GaaS (Governança como Serviço), Cidades 5.0 e outras soluções inovadoras para desbloquear o potencial econômico do Brasil. Executivos, líderes empresariais e governamentais estarão reunidos para discutir e impulsionar essa transformação.
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