07 de outubro não foi apenas mais um atentado terrorista. Para os judeus, esse dia foi diferente de qualquer evento desde o fim do holocauso na Segunda Guerra Mundial. Ainda, muito além disso, o significado e a dor para cada um de nós, da comunidade ou não, segue particular e individual.
Para quem viu as imagens e assistiu as notícias, a vida jamais será a mesma. Alcançamos o fim da ingenuidade frente ao pior que há no ser humano. Em outros casos, a devastação de um território que poderia ser a Singapura do Oriente Médio. Para onde se olha, se vê apenas tragédia. As razões não têm tanto peso, uma vez que conhecemos a tristeza de se chegar a estas condições. Mas o que podemos aprender para que isso não se repita em nenhum outro lugar ou tempo?
Minha conexão com este evento tem raízes profundas, algumas próximas, outras mais distantes como a relação ainda que superficial com meu colega de equipe com quem trabalhei por 7 anos, assassinado ao tentar salvar a filha e neta. Da minha sobrinha que por um milagre não foi levada refém e estuprada aos 20 anos. Do meu sobrinho que muito provavelmente estivesse curtindo sua juventude na rave, mas foi convencido por meu irmão a se mudar para os EUA, além dos 90 dias da disfuncionalidade por choque de sua amiga que tomou um banho de sangue ao presenciar um assassinato enquanto se fingia de morta por 12 horas para sobreviver. De minha irmã que preparou centenas de sanduíches para soldados e por fim, do meu cunhado que teve que avisar as famílias que o pior de tudo aconteceu.
Por razões que vão além do meu entendimento, o meu maior sentimento após aquele maldito dia foi de arrependimento. A arrogância e individualismo, de minha humilde perspectiva, no exército de Israel me fez decidir não seguir carreira militar, quando poderia ter ficado e lutado para mudar o sistema, exatamente porque discordava dele e acreditava que poderia ser melhorado.
Aos 21 anos, ofereci desenvolver para um importante hospital ao norte de Israel, que atendia soldados em conflito com o Líbano, um sistema para arrecadação de doações sem custo; apenas pelo senso de missão. Mesmo depois do contrato assinado, os funcionários do TI (tecnologia da informação) se organizaram para boicotar a iniciativa. Não lutei, me afastei.
Mais tarde, criei com um sócio a eDonate para facilitar a transferência de doações para ONGs que atendem padrões mínimos de integridade, ética e governança, dando total transparência a todas as ações. Em reunião com um representante do governo, fomos avisados de que nossas vidas corriam perigo, e se estávamos dispostos a seguir adiante (algumas ONGs são usadas para fazer o bem, mas muitas outras são usadas para desvios de recursos). Recuamos!
Cheguei a conclusão de que a única forma de ajudar a sociedade é através do empreendedorismo. Gerar trabalho, pagar impostos e por fim, resolver algum problema importante para a comunidade. Estava errado. O pensamento de que trabalhar em prol da sociedade apenas acontece em grande escala, o que é suficiente e nos libera de outras responsabilidades sociais foi um equívoco. A preocupação que empresários têm de se envolverem em algo maior, por medo de retaliação política contra suas empresas, é algo que precisamos colocar em pauta.
Ontem, ajudei um menino de 7 anos, em situação de rua que estava com dor de garganta. Amanhã, vou conversar com alunos de um colégio sobre carreira. O bem se faz em passos pequenos, que no acumulado fazem grande diferença, e não o inverso. Ser empresário ou alto executivo não nos dá uma carta branca para nos liberar de praticar a compaixão. A realidade além das fronteiras da empresa é simplesmente insustentável e irá voltar para ameaçar nosso próprio negócio.
Em 1995, quando Yitzhak Rabin, o então primeiro-ministro de Israel foi assassinado por um judeu ultranacionalista durante uma manifestação pela paz e o fim da violência em Tel Aviv, eu estava lá. Benjamin Netanyahu, então líder da oposição, e usando narrativas de ‘traidor’ contra seu adversário político incitou e legitimou o crime que estava por vir.
Tentei convencer os apoiadores de Netanyahu do perigo de um populista, sem sucesso, me esgotei e desisti. O preço que sofremos hoje é a consequência de milhares de pessoas que, como eu, tiveram outras prioridades ao lutar pelo certo. Imaginava que eventualmente seus apoiadores entenderiam o erro que cometeram, mas ao fazer isso, negligenciamos as novas gerações e o problema cresceu exponencialmente. Agora, o preço para tentar corrigir é maior do que era a uma geração.
Fazemos isso novamente quando não promovemos valores liberais, combate à corrupção, estudo de história, incentivo à leitura entre tantos outros contextos. Pensamos que podemos ser bons cidadãos cuidando de nossas próprias vidas, cumprindo leis e pagando tributos que por sua vez serão usados para fazer o bem dos outros, nos livrando assim de qualquer obrigação moral de estar ativamente envolvido em atividades beneficentes - este foi o meu erro e é o de muitos outros.
O caminho sem dúvida será de sacrifícios, e sofrimento, mas a alternativa também, apenas em um ponto do tempo mais distante e com maior severidade. O mal penetra em todas as camadas da sociedade, e ao acordarmos, muitas vezes será tarde demais.
Porém, se milhões de pessoas começarem a se tornar responsáveis por pequenos gestos beneficentes, sejam mensais, semanais ou diários - o acumulado ao longo do tempo fará uma diferença enorme. Conseguimos fazer isso com a espetacular ascensão do oeste. Porém, redes sociais e celulares que deveriam ser nossos aliados, se tornaram ferramentas de bullies digitais e de países antidemocráticos.
Eu não sei se teria a perseverança, a força, e o conhecimento, para como parte do sistema de defesa ou governamental, evitar um novo 07 de outubro de acontecer, provavelmente não - mas me parece que vale morrer tentando, por mim, por todos aqueles que amo, ou por um mundo melhor.
Talvez, de alguma forma, possamos ajudá-los alcançar a liberdade, a reinserção na sociedade; talvez juntos possamos evitar que em algum lugar, em algum momento, algo semelhante possa voltar a acontecer.