Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Agro é pop, agro é tech. Parte do agro é fogo!

“Não havia lágrima. Não houve despedida. Apenas calor no rosto, um frio nas mãos, uma vontade de morrer também se fosse preciso.” J. G. de Araújo Jorge

Queimadas em SP levam o estado ao topo do ranking de incêndios desta semana
Foto: Arte: Paulo Márcio
Queimadas em SP levam o estado ao topo do ranking de incêndios desta semana


fumaça que dominou o céu de boa parte do  Brasil não impediu, apenas, que víssemos o horizonte. Foi muito além. Deixou no ar uma nuvem de perplexidade que fez com que não conseguíssemos distinguir e entender o porquê dessa ação orquestrada e criminosa. Foi como se tivessem sido erguidos muros que turvassem nossa visão e, ainda mais agoniante, juntamente com uma fuligem que, de alguma forma, nos tirasse o ar. Sem ar, sem enxergar e sem conseguir entender o motivo dessa trama sinistra.

Cresci na roça e me acostumei a ver incêndios em fazendas. Certa vez, menino de 8 anos, resolvi, irresponsavelmente, tentar ajudar a apagar um incêndio em um pasto. Nunca vou me esquecer da força e do poder do fogo. As chamas subiam perigosamente e o barulho do braquiária sendo queimado era algo que hipnotizava. Entre o medo e certo incontrolável e inexplicável prazer, fui tragado para o meio do incêndio e me vi cercado. Fui salvo pela ação corajosa e destemida do capataz da fazenda, que me enrolou em um saco de linhagem umedecido e furou a barreira do fogo comigo nos braços. Ainda dá para sentir o cheiro do capim queimado e o calor assustador e lembrar do fascínio perigoso das chamas.


Tantos anos depois, não é possível romancear os episódios criminosos que desestabilizam o país. Fora os apregoados bilionários prejuízos à economia, é necessário nos atentarmos para a gravidade e para a consequência de incêndios dessa dimensão e capilaridade. Os estragos vão muito além do que se pode aferir com a simples constatação dos prejuízos imediatos.

Para além desse levantamento e de medidas reparadoras, é imprescindível investigar a quem interessa essa ação criminosa. É importante ressaltar a pronta ação do  Presidente Lula e de boa parte dos seus ministros e assessores. Um comitê de crise se empenhou para minimizar os danos. No meio do caos, foi sentida a ausência do ministro da  Agricultura e houve quem, talvez injustamente, dissesse que o agro é pop, o agro é fogo.

Há dados que não podemos ignorar. Segundo o INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, dos  645 municípios do estado de São Paulo, 200 registraram queimadas entre os dias 22, quinta-feira, e 24, sábado. E impressiona constatar que foram 2.621 focos nesses três dias contra 1.666 em todo o ano de 2023.  Da mesma maneira, foi assustador o que ocorreu em Mato Grosso, onde houve um aumento de 236%. Se formos verificar as referências em todo o país, comparando de 19 a 25 de agosto de 2023 com agora, os focos mais que dobraram, saindo de 9.428 para 19.767.   É impossível não nos remetermos ao “Dia do Fogo”, no fatídico 10 de agosto de 2019, quando uma ação coordenada de fazendeiros, garimpeiros e grileiros ateou fogo em vários pontos da Amazônia.

E devemos ter um olhar cuidadoso para as hipóteses criminais. Além do óbvio, que é a queima das matas e florestas, os incêndios levaram a bloqueios de estradas - só em Ribeirão Preto foram 17 estradas na região. Houve cancelamentos de voos e retiradas de moradores de muitas localidades. Sem contar a grave disseminação de poluentes nas densas névoas de fumaça. A lei prevê, expressamente, o crime de provocar incêndio em mata ou floresta, com penas de reclusão de dois a quatro anos. E há também previsão de punir ações que resultem em poluição e outros delitos ambientais.

Ou seja, causar poluição em níveis que resultem, ou possam resultar, em danos à saúde humana, ou que provoquem a morte de animais ou a destruição significativa da flora, pode dar condenação de reclusão de um a quatro anos. Da mesma maneira, pode resultar em pena de um a cinco anos se o crime tornar a área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana, provocar retirada, ainda que momentânea, das pessoas que habitam a área, causar danos à saúde da população, interromper o abastecimento de água e outras consequências. Quer dizer, as previsões legais existem. Resta apontar os responsáveis.

Não podemos desprezar, nessa investigação, o mote dos bolsonaristas para convocar para a manifestação contra o Supremo Tribunal em 7 de setembro. O cartaz é muito explícito: “Vai pegar fogo”. E essa expressão foi usada em vários vídeos e memes. Será que nada será apurado novamente?

É bom lembrar que, em 22 de abril de 2020, o então ministro do Meio Ambiente,  Ricardo Salles, em reunião ministerial com a presença do então Presidente Bolsonaro, covardemente, propôs aproveitar que a imprensa estava preocupada com a pandemia e que o governo deveria “passar a boiada” e fazer uma “baciada” de mudanças nas regras relacionadas à proteção ambiental e à área da agricultura, “simplificando o papel regulatório” sem precisar passar pelo Congresso. Com o apoio explícito do Bolsonaro e o suporte luxuoso do agro, que é pop. Passaram a boiada e agora tocam fogo no país.

Remeto-me a T.S. Eliot, no poema Os Homens Ocos:

“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay