A força que tem o poder público na vida da gente, das pessoas, moradores das cidades ou turistas, é brutal. Escrevi sobre o bloqueio a que foi submetida Paris quando da abertura das Olimpíadas. Por uma questão do medo generalizado, a cidade foi brutalmente bloqueada. Medo de atentado. Medo da violência política. Medo. Estive em Berlim antes da queda do muro; as cancelas lembravam a divisão. Brutal. Desumana, até.
Aqui, a divisão era entre Rive Gauche e Rive Droite. O Sena era o divisor de tudo. Como vou nadar no Sena, senti-me tolhido. Mas assim que acabou a abertura, Paris voltou a sorrir. Na verdade, não havia deixado o sorriso, mas a preocupação com atentado estava no ar. É muito triste viver em um tempo no qual o medo senta ao nosso lado na cadeira reservada ao prazer e à alegria. Mesmo um de nós, donos dos espaços oníricos, somos submetidos ao stress da violência. O mundo de sonhos está à nossa frente, com a realidade posta, a gente quase participa dos jogos, posa de atleta, de artista e de herói olímpico, mas a realidade é, como sempre, outra história.
É lindo ver Paris se abrir e se postar à disposição do que sempre foi e é: o imaginário de todos nós sobre ela, Paris. Uma cidade que embala nossos sonhos, mas não só no embalar óbvio da áurea olímpica parisiense. É um sonhar da Paris dos livros, das poesias, dos romances e dos casos ouvidos. Uma Paris que entranha em nós e que nos consome. Ao correr pela manhã no Sena, ao tomar um vinho no Café de Flore, ao jantar na Lippi, ao existir, principal ato dos que se pretendem parisiense, tudo é mágico. Existir. E ser feliz.
Por isso, é preciso resistir. A obviedade não pode tomar conta de Paris. Numa olimpíada, é sempre permanente a exposição entre os contrastes. Certa tensão intrínseca. A beleza da medalha, simples e indizível, com a exposição brega e constrangedora dos que arrotam poder olímpico. Os jogos têm esse poder mágico: mostrar ao mundo inteiro quem é quem. Lindo. Quase puro.
Resta a nós a alegria de estar aqui por perto e, de certa maneira, nos sentirmos também heróis olímpicos. Saber ser feliz com a glória do outro é um sinal de maturidade. Afinal, ser feliz é tudo que se quer!
Como diz o poeta maior Mia Couto: “Uma coisa aprendi na vida. Quem tem medo da infelicidade nunca chega a ser feliz”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay