Começou a corrida para saber quem vai herdar o espólio, macabro e lúgubre, do fascista Bolsonaro. Vale tudo. Como a herança vem de uma política de mentiras, de ataques a todo e qualquer direito humanista, de apologia ao machismo, ao racismo, à tortura, ao ódio e à violência, o jogo vai ser sujo. É uma verdadeira guerra de teratologias. O público-alvo não são apenas as viúvas do ex-presidente. Talvez, e principalmente, seja o brasileiro que se permitiu, nos quatro anos de um governo de ultradireita, assumir uma postura que privilegia a barbárie contra a civilização.
O governador do estado mais rico da federação saiu na frente. Com os olhos voltados para o eleitor reacionário e conservador, apoiou a chacina do Guarujá, elogiou a postura dos policiais que assassinaram 16 pessoas e vestiu, com tranquilidade, a máscara que boa parte dos eleitores quer ver. Tudo planejado e de olho no próximo escrutínio. Um estudo feito pelo DataFórum, em 2.084 publicações de Instagram e Facebook sobre a chacina empreendida pela Polícia Militar de São Paulo, constatou que as postagens renderam 4,6 milhões de manifestações e 403,3 mil comentários, sendo mais da metade de apoio ao massacre. Ou seja, o candidato bolsonarista buscou agradar ao seu público.
E foi além. Na mesma semana, divulgou, com pompas e gala, o projeto que aposta no obscurantismo: o fim do livro impresso na rede pública de educação. Claro que o Ministério Público tem que apurar os criminosos interesses financeiros por trás dessa ação esdrúxula, mas o objetivo político é evidente. Sem acesso à leitura e à educação, os eleitores não saberão distinguir o que é ou não uma chacina. E a política de apoiar o uso da violência na segurança pública tem inegável apelo em grande parte da população. Sem limites éticos ou humanitários, São Paulo deu o tom da selvageria.
O governador das minhas Minas Gerais reagiu à altura. Ao constatar que São Paulo saía na frente na escatológica corrida de horrores, resolveu propor a discriminação do povo do Norte e Nordeste. A divisão do país. Assumiu a “supremacia” do povo do Sul e separou o Brasil de maneira criminosa e acintosa. Desde a derrota do Bolsonaro nas urnas no último pleito, parte dos fascistas imputa aos nordestinos a responsabilidade pelo êxito da Democracia. A agressividade tomou um rumo tão violento que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.569.850- RN, equiparou a discriminação contra o nordestino ao crime de racismo previsto no artigo 20 da lei 7.716- 89.
Em recente conversa com um forte líder bolsonarista, recebi a informação de que o plano para as próximas eleições, com a inelegibilidade do chefe do bando, é apoiar para Presidente o governador de São Paulo, tendo como vice o mineiro. Nos quatro anos de governo Bolsonaro, fomos obrigados a conviver com a maneira rudimentar, vulgar e agressiva de um presidente tosco e que investiu em um estilo populista asqueroso. Achávamos que nada poderia se igualar ao modo escatológico do personagem encarnado pelo Bolsonaro.
Vejo, com apreensão, que estão montando uma dupla à altura das bizarrices bolsonaristas. Com um viés supostamente mais civilizado, teremos que enfrentar, novamente, o atraso e as forças que insistem em sair do esgoto da história. É preciso muita reza e torcida para que o velho Lula esteja com saúde e disposição para o embate em 2026, a fim de mostrar que, no fundo, somos todos nordestinos, pretos, pardos e índios e vamos dar outra tunda nesses que se julgam donos do Brasil.
Lembrando-nos do grande Manuel Bandeira:
“A vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos
são pedaços vivos
Do nosso próprio ser.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay