O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay
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O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay

Em 18 de março de 2019, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, oficializava um grupo de trabalho composto por 17 deputados para analisar o texto do Pacote Anticrime do ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro. Sua arrogância e sua petulância, típicas de um completo ignorante na área criminal, causaram forte tensão no relacionamento com o presidente da Câmara. O Ministro, acostumado a coordenar e mandar nos procuradores da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba, acreditou que poderia mandar no deputado Rodrigo Maia. Depois de uma mensagem atrevida de whatsapp, enviada pelo Ministro ao presidente da Câmara, Moro descobriu que, no mundo democrático e civilizado, o respeito e o diálogo são a base da convivência.

Rodrigo Maia deu logo a resposta certa e determinou um estudo aprofundado do Pacote. Para isso, escolheu um grupo heterogêneo de deputados, de várias correntes políticas, mas todos com larga experiência na Câmara e com espírito público.

Os deputados chegaram à conclusão de que, se conseguissem se reunir fora das dependências da Câmara e com a participação de alguns advogados criminais, o trabalho fluiria melhor. Foi assim que, por um pedido de parte do grupo, minha casa foi escolhida para sediar uma espécie de "aparelho clandestino", no qual, pelo menos uma vez por semana, nós nos reuníamos para destrinchar o Projeto apresentado pelo autoritário Ministro da Justiça.

Foram meses de frutíferas reuniões, regadas a bons vinhos e abastecidas com uma bela carne. O grupo que se reunia ainda mantém um relacionamento no whatsapp sob o nome "bloco do Kakay", que substituiu o "aparelho do kakay". O resultado foi uma ampla derrota do Pacote do Moro e uma proposta de importantes avanços que seriam consolidados pela Câmara.

Entre as propostas, estava o maior avanço do processo penal brasileiro: a figura do juiz de garantias. A ideia era ter um magistrado que serviria para certificar a imparcialidade do juiz que profere a sentença, que seria outro juiz que não o que profere decisões na fase do inquérito.

Sérgio Moro, claro, um juiz parcial na essência, foi contra. Após longa e densa discussão no Congresso, com intenso debate e várias audiências públicas, o Projeto foi aprovado com expressiva votação. O então Ministro ainda tentou vetar o Projeto, mas a criação do juiz de garantias foi sancionada em dezembro de 2019. Porém, num ato atentatório à independência dos Poderes e de extremo desprezo à vontade popular representada pelo parlamento, em janeiro de 2020, o Ministro Fux, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, liminarmente e por uma decisão monocrática, a implementação da figura do juiz de garantias.

Essa decisão não foi submetida ainda ao plenário da Corte e, depois de quase três anos, continua calando a voz soberana do Congresso Nacional, que se queda inerte. 

Agora, no dia 1º de janeiro, tomará posse um Presidente da República que já deu clara demonstração, ao longo da sua vida pública, de reverência aos Poderes constituídos. O Presidente sainte, que se especializou em tentar desestabilizar as instituições, com claro viés golpista, não deixará para a história nenhum gesto de respeito ao Judiciário, ao Legislativo e, sequer, ao próprio Executivo. Um afrontador barato das normas constitucionais.

A visita, antes mesmo da posse, do Presidente eleito e agora diplomado aos chefes e membros dos Poderes é um sinal claro de deferência e de esperança para uma convivência harmônica. Cada Poder assume suas responsabilidades com acatamento à Constituição da República.

Não seria a hora de todas as autoridades se posicionarem claramente a favor dessa convivência democrática? Inclusive, se for o caso, com mudanças legais e regimentais que garantam a consagração da autonomia dos poderes. É possível uma medida de um Ministro do Supremo, em uma liminar, cassar uma decisão colegiada do Congresso Nacional por três anos sem que seja submetida ao Plenário da Corte Suprema?

Ao Supremo Tribunal, é dado o direito de "errar" por último, mas desde que o "erro" seja fruto de uma deliberação colegiada do Plenário da Corte. E tão grave quanto a ousadia da decisão do Ministro que cassou a voz do povo que elegeu os congressistas, é a passividade cúmplice dos deputados e senadores que não se dão ao respeito.

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