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Há muitas maneiras de entender essa frase do ensaísta, filósofo, crítico literário e sociólogo judeu alemão, mas ela me veio à cabeça ao deparar-me com a enorme queda da reprovação do Presidente no combate ao Covid-19. Durante a crise sanitária, que levou à morte 690 mil brasileiros, havia uma esmagadora certeza: Bolsonaro era o responsável direto pelo desastre que se abateu sobre o país, com a condução criminosa e cruel no enfrentamento da pandemia. Dados científicos reputam a responsabilidade pessoal do Presidente e de seus assessores diretos por, pelo menos, um terço dos óbitos pelo vírus.

A investigação conduzida pela Comissão Parlamentar de Inquérito, que encheu o país de esperança e depois levou a todos ao fundo do poço do desapontamento - pela falta de efetividade das decisões contidas no relatório final -, cuidou de apontar, com provas e evidências, a mão do Presidente no desastre vergonhoso na condução das políticas públicas no combate à crise.

Não apenas o culto à morte, o desprezo à vida, a falta absoluta de empatia e o desaforo de encenar uma pessoa com falta de ar – em meio à falta de oxigênio em Manaus -, mas as decisões de não comprar as vacinas, de não apoiar a ciência, de promover campanhas cruéis de desinformação, enfim, de todas as ações capazes de fazer o enquadramento legal do mandatário maior do país pelos milhares de óbitos.

Ao ver, nas pesquisas, a queda violenta da reprovação desses assassinos no combate à pandemia, voltei a sentir nas ruas, como andarilhos sem encontrar lugar para um repouso digno, os milhares de insepultos que já mereciam estar em paz.  Foi como se nós, os sobreviventes, tivéssemos esquecido da obrigação moral, não dita e nem escrita, de fazer justiça aos que não precisavam ter morrido. Sem contar os milhares de sequelados, os órfãos que não conhecerão os pais e os pais que tiveram que enterrar seus filhos em caixões fechados sem sequer cumprir o ritual sagrado de despedida.

Foi como se uma nuvem tóxica e densa voltasse a tirar o ar, novamente rarefeito, e uma venda viesse obnubilar nossos olhos, lançando-nos em um labirinto com precipício no fim da linha. Uma angústia tornou a apertar o peito. A vergonha pelo fato de o Brasil não honrar seus mortos se espalhou entre os que ainda teimam em manter uma réstia de esperança na humanidade.

É hora de nos indignarmos. Para o brasileiro, que luta pela sobrevivência em um país famélico e com um desemprego galopante, fazer justiça aos que se foram passa a não ser prioridade.

Como o governo só cuida da reeleição, o que mobiliza hoje é a nova roupagem que o centrão vestiu o Presidente. Há uma fé cega de que o silêncio do Bolsonaro será tão ensurdecedor que impedirá que ouçamos as lamúrias dos milhões que choram seus mortos ou o vento leve que acompanha os corpos que nos rondam sem o direito ao descanso final.

A nossa cegueira vai coroar a estratégia de mostrar que o que vivemos não foi o caos, não foi a vitória da barbárie e não foi o triunfo do obscurantismo. Tudo o que mais nos uniu vai ser desintegrado no ar. E um bom bocado de fake news, de auxílios financeiros, de orçamentos secretos e de acordos espúrios serão suficientes para fazer crer que nossos mortos não merecem mesmo justiça. Afinal, até os textos bíblicos fazem uma doce confusão quando se referem à morte. Os mortos estão dormindo ou estão conscientes?

Os vivos, ao que tudo indica, estão em um sono profundo e já não se posicionam. Não podemos deixar que essa seja a era da desesperança, na qual o culto à tortura, covarde e atroz, tenha mais espaços do que os gestos de resistência. Voltemos ao enfrentamento diário dos bárbaros e à reverência diuturna dos valores que fazem cada um de nós ser um agente de transformação do mundo.

Como nos ensinou Saramago, “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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