O almoço corria leve, já por 4 horas, as pessoas prestando atenção nas histórias e o riso correndo solto com uma certa leveza que não se via há algum tempo. Quando constatei que a falta do WhatsApp era o motivo dessa descontração, uma pequena dúvida me assaltou: o que estamos fazendo das nossas relações? Por que parece estranho, quase excepcional, 5 amigos se permitirem esquecer um pouco o dia a dia e ficar apenas com o afetuoso laço das palavras, do olhar e do silêncio? Sem ninguém ter que interromper o outro para checar e verificar como o mundo ainda sobrevive.
A constatação de que a vida continuava sem sustos me deu a certeza de que a gente deve se permitir mais. Na primeira hora do almoço, ainda foram feitas algumas paradas, quase mecânicas, para verificar se o mundo continuava funcionando.
Como não tínhamos nenhuma informação, só nos restou acreditar na antiga máxima: “sem notícia, boa notícia”. Com a apreensão que é companheira dessas horas, comentou-se por 15 minutos que era muito estranho uma pane de WhatsApp durar tanto tempo. Como se tudo fosse alguma conspiração. Acostumados a receber informações a cada segundo, e a opinar sobre tudo, a ausência de mensagem parecia incomodar mais do que qualquer conteúdo macabro, tão comum nas mensagens nesta época de barbárie pela qual passamos.
De repente, um telefone tocou e as pessoas olharam surpreendidas. Deveria ser algo grave, afinal, ninguém liga mais. Hoje em dia a comunicação é somente, ou prioritariamente, feita de mensagens de WhatsApp. Mas era apenas alguém confirmando que também estava ilhado e sentindo-se inseguro. Uma espécie de apelo para comprovar que não era só aquela pessoa que estava se sentindo à margem. Uma insegurança inexplicável que só vinha confirmar a nossa dependência por essa teia que nos prendeu e que nos domina.
Terminado o almoço, veio a comprovação de que a vida é meio estranha sem o maldito WhatsApp: ninguém sabia como chamar um carro, um Uber, ou confirmar alguma outra reunião. Foi engraçado ver uma desorientação em torno de coisas tão banais. A realidade é que nos capturaram e, como qualquer dependência química, era necessário fazer uma limpeza até nos sentirmos em condições de seguir normalmente sem a droga que nos sustenta. Uma síndrome de abstinência que nos faz sentir um sufocamento pelo ar rarefeito da falta de notícias. E olhe que a grande maioria dessas tais notícias é absolutamente dispensável e supérflua!
É claro que foram muitos os efeitos práticos desse isolamento, ainda que momentâneo. Uma rede de alimentos informou que, naquele dia, as vendas caíram 40% por causa da pane. Sem contar as matérias que dão conta da queda abrupta de venda em vários setores. A dependência dessas plataformas amordaçou boa parte do mundo.
Quando aquele barulho inconfundível de mensagens entrando no WhatsApp dominou o ambiente, pude notar, nos vários grupos, que a ânsia de se comunicar iria quase congestionar o retorno das redes sociais. Era uma tentativa de saída para a abstinência.
Criteriosamente, fiz uma análise geral daquilo que realmente interessava nas mais de mil notificações represadas, um cuidado que normalmente nem tenho. A constatação foi que a maioria quase absoluta das mensagens ficariam bem se continuassem sem ser lidas. E olhe que eu, há meses, bloqueei os bolsonaristas e saí dos grupos com fascistas. Ainda assim, pude constatar o óbvio: a pobreza desse instrumento tão útil, mas tão limitador. A repetição, a mesmice, a banalidade e as fake news, esse submundo ao qual nos acostumamos.
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Claro que também sobressaíram alguns grupos com grande intensidade poética e ética. Enfim, esse tal WhatsApp é mesmo um retrato do nosso dia, com suas mediocridades e também com suas levezas. E ainda realçou minha antiga certeza de que nada substitui uma boa conversa, um olhar afetuoso, um sorriso solto e um toque carinhoso.
Um tempo sem se preocupar com o tempo, nos permitindo e nos deixando só com as nossas fantasias e ilusões. Esse mundo de sonhos é, talvez, o que nos faz falta e a gente nem tem tempo de perceber isso.
Lembrei-me do velho Manoel de Barros, no livro Menino do Mato:
“Minha professora me emprestou um livro de Todorov. Todorov escreveu que a linguagem poética pertence à pré-história.
Pensei que a conversa que ouvira, um dia, das rãs com as pedras e das pedras com as águas.
Havia de ser linguagem pré-histórica e até quase poética.
Faltasse talvez apenas a harmonia das palavras.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay