A data de 24 de fevereiro de 2022 entra para a história como um marco importante no repertório de conflitos bélicos nas últimas décadas em terras da Eurásia.
Importante ter em conta que esta guerra repercute sobre um emaranhado de outros embates que vêm ocorrendo na região desde o século nove, quando os países eslavos transferindo de geração em geração o sentimento de disputa territorial chegaram a se enfrentar em conflitos armados, levando os fatos a transformar a geografia e a política várias vezes.
Vale ressaltar a existência de raízes culturais e de um senso de pertencimento à terra que os unem, mas também contribuíram para a rivalidade territorial gerando uma disputa secular de proporções agigantadas.
As raízes culturais, a proximidade linguística e a posição geográfica do Leste da Europa são fatores genuinamente fortes na compreensão do vínculo existente entre as nações da região.
A verdade é que as implicações históricas e a natureza conflitiva dos povos eslavos são tantas que se torna quase impossível atribuir a origem desse conflito atual a um só fator.
Kiev já chegou a ser a capital da Rússia na época em que as províncias eslavas estavam agrupadas.
Daí vem a razão para o apelo de Putin de um movimento de integração da região tal qual como no caso da Crimeia. Ele apela para a ação militar para retomar a unicidade da área como sendo apenas um povo. Para os ucranianos a situação conflituosa no país data de vários anos. Os movimentos separatistas russos se intensificaram nos últimos anos após a conquista da Crimeia.
Daí porque as problemáticas de ordem geopolítica, econômica e cultural, que ocasionaram a guerra, não foram apenas fatores isolados de motivação recente. Há de se considerar que diversos eventos históricos se somam ao sentimento russo de recomposição e expansão na região.
Mas a guerra surpreende o mundo que, apesar de reconhecer a existência de um conflito na região ao nível político, não esperava um posicionamento militar tão repentino. Os territórios reconhecidos por Moscou foram além das áreas controladas por separatistas pró-Rússia.
Esta guerra desencadeou fortes pressões sobre a segurança internacional e regional na Eurásia, que revive dilemas regionais de segurança, tensões geopolíticas expansionistas e reanima novas formas de conflito na Europa.
A insegurança causada na região pela disposição que a Ucrânia já demonstrava em relação a sua adesão à OTAN e a União Europeia serviu de catalisador ao conflito.
E tarefa difícil diagnosticar se foi a OTAN quem primeiro lançou os sinais e a predisposição ao dilema de segurança naqueles territórios do Leste da Europa, ou se a inversão da posição histórica dessa organização teve um impacto decisivo nas percepções de ameaça pela Rússia.
Este conflito é um evento dos mais importantes na atualidade no que tange à repetição cíclica da guerra interestatal, num resultado histórico para o futuro muito além do papel que personalidades como Putin possam imputar a dinâmica do conflito.
Na verdade, a hipótese de que a guerra entre Estados seja uma instituição em declínio parece ser uma verdade parcial.
A Rússia e a China se opõem às tentativas de forças externas de minar a segurança e a estabilidade em suas regiões adjacentes comuns.
Uma guerra preventiva procurando debelar uma ameaça antes mesmo da efetiva deflagração de um ataque ou uma guerra preemptiva se projetam para a Rússia e a China como cenários militares possíveis no que consideram seu entorno estratégico.
De fato essa aliança russo-chinesa usa uma gramática geopolítica própria dos tempos da guerra fria quase nos termos da geopolítica clássica.
A verdade é que a elite política russa amarrou o apoio da China, ou no mínimo a sua neutralidade, ante o ataque iminente a Ucrânia.
Em conclusão, se pode dizer que este conflito consolida um padrão de guerra que aparece recorrentemente nas várias disputas militares eurasianas, que vão desde a Bósnia Herzegovina até este derradeiro desastre que assola a Europa e o mundo desde 24 de fevereiro de 2022.
A constatação sobre a multidimensionalidade dos impactos da guerra sobre a segurança regional e internacional também não deve perder de vista o fato de que esse conflito é a mais forte manifestação de um novo mundo multipolar.
A unipolaridade no tabuleiro militar global foi substituída por este novo tempo de uma multipolaridade militar crescente.