
*Por William Douglas, professor de Direito Constitucional e cristão
Introdução
A paz no Oriente Médio continua sendo uma das maiores aspirações e, ao mesmo tempo, um dos mais complexos desafios da humanidade contemporânea. Há que se resolver a questão dos reféns, da reconstrução de Gaza e como obter uma paz duradoura. Isso só poderá ocorrer se cada lado perceber os próprios erros, corrigi-los e somarem a isso a adoção de gestos concretos de boa vontade. Sem disposição para concessões recíprocas não há paz possível.
No presente artigo, relacionamos os pontos que consideramos nevrálgicos e, em artigo subsequente, proporemos ideias do que chamamos de "A solução do 1%".
Um passo inovador é convidar os países árabes a, obedecendo ao Alcorão e com vistas aos benefícios coletivos, assumirem o protagonismo da solução da questão palestina. Em paralelo, convidar o governo de Israel a se comprometer a, tão logo libertados os reféns, voltar a discutir a solução dos dois Estados.
Este artigo não tem por objetivo condenar qualquer dos lados, mas propor um recomeço, a partir de algumas ideias disruptivas, mas pragmáticas, que oferecerão a cada um dos interessados não uma solução perfeita, mas algo com vantagens concretas e imediatas. A partir daí, será possível iniciar a reconstrução não só de vidas e prédios, mas da confiança recíproca e de coexistência pacífica.
A proposta tem dupla fundamentação. A primeira, secular e óbvia, é o conjunto de vantagens sociais, econômicas, comerciais, políticas e estratégicas decorrentes da paz. O segundo fundamento considera que, sendo a religião uma das causas do problema, ela pode e deve ser também parte da solução.
O fundamento religioso não pretende que qualquer dos lados se submeta à religião do outro, mas que pratique a fé que já possui. A fé é um catalisador de atitudes positivas que ainda não foi devidamente aproveitado, e as três religiões envolvidas — islamismo, judaísmo e cristianismo — compartilham valores que podem mudar a realidade.
O Alcorão ordena: “Ó vós que credes, entrai todos na paz” (Surata 2:208) e determina que os muçulmanos sejam generosos com seus irmãos. A Torá menciona mais de uma centena de vezes a palavra Shalom e traz a ordem de, antes de se atacar uma cidade, propor a paz (Deuteronômio 20:10). Jesus Cristo, um judeu que o Alcorão trata como mensageiro de Allah, diz: “Felizes os que promovem a paz” (Mateus 5:9). O fracasso em buscar a paz, portanto, é não apenas um erro político, mas também espiritual.
Com base nesses princípios — riqueza e prosperidade de um lado, e fé e devoção de outro —, este artigo faz análise crítica direcionada aos atores centrais: o governo de Israel, as lideranças palestinas, os países árabes, o Presidente Donald Trump e a comunidade internacional. Também menciona o Brasil como pretendente a uma atuação relevante.
O conflito israelo-palestino é notoriamente complexo, marcado por assimetrias de poder, traumas históricos, assentamentos, refugiados e disputas narrativas profundas. É inviável tratar, em um único artigo, de forma exaustiva todas as suas dimensões. Ainda assim, é possível apontar linhas mestras e propor ajustes de premissas que, com boa vontade recíproca, ajudem a transformar parte do caos em caminhos viáveis de reconstrução do diálogo.
Precisamos de correções de rumo recíprocas, ideias novas e boa vontade mútua.
1. Os erros do governo de Israel
1.1. Nova condição apresentada.
Em recente declaração, o primeiro-ministro de Israel criou uma nova condição para a paz. Até recentemente, o que se exigia era a devolução dos reféns, a retirada do Hamas do poder e o exílio dos seus líderes. Agora, acrescentou-se ser atendido o novo plano de Trump para Gaza, algo impraticável na forma em que foi veiculado, já que uma diáspora involuntária, uma nova Nakba, com remoção forçada de dois milhões de palestinos será um desastre humanitário e diplomático.
1.2. Desconsideração com seus aliados.
A conduta geral do governo de Israel transmite a sensação de que está sendo subestimada a importância dos países aliados e das pessoas filo-semitas. Parece haver a crença de que Israel pode se virar sozinho, desconsiderando seus aliados e as lições da História, já que, desde sempre, os filo-semitas — governos e pessoas — têm sido relevantes na defesa do povo judeu. Em política internacional, não basta ter razão ou vencer batalhas militares, é preciso apoio diplomático.
1.3. Judeus da diáspora.
O governo de Israel tem responsabilidade não só com a população de Israel, mas também com os judeus da diáspora, os quais vivem sem Iron Dome e longe do alcance dos F-35. Há um crescente antissemitismo agravado pela forma de condução do conflito. Esses judeus são essenciais à Hasbará: são embaixadores culturais, políticos e econômicos que dialogam com o mundo e que, naturalmente, conquistam aliados, os quais ajudam a defender Israel nas ruas, universidades e parlamentos.
1.4. Recusa aos 2 Estados.
Tem sido recorrente o governo de Israel dizer que não discutirá os dois Estados para não premiar o terrorismo. Argumentar que isso é falso, pois a negativa vem de antes do 7/10. E é incoerente, pois o Hamas não quer dois Estados. Esta solução será péssima para o Irã e seus proxies. Ela não atende aos interesses deles, mas sim aos da comunidade internacional.
Ao recusar os dois Estados, Israel adere ao desejo do Irã e abre mão de deixar apenas para ele o ônus moral e diplomático de rejeitar uma solução que a maioria do planeta deseja.
A criação do Estado Palestino ajudará a Hasbará, fortalecerá aliados e abrirá as portas para maior diálogo com os países árabes moderados. Quem compreende o sonho do sionismo deveria entender o sonho palestino. E, convenhamos, a ausência de um Estado Palestino nunca impediu ataques a Israel. Por outro lado, isso viabiliza um acordo com a Arábia Saudita, que será um pesadelo para quem faz propaganda do antissemismo, além de trunfo e triunfo moral e diplomático.
1.5. Comunicação, diplomacia e Hasbará.
O fracasso da criação de um Estado Palestino também se deve a árabes e palestinos, que insistem na política dos “três Nãos” e no slogan “do rio ao mar”. No entanto, o ônus fica apenas para Israel, que parece ter desistido de se comunicar. Se Israel fizer uma proposta razoável, o mundo verá que o obstáculo à paz são os antissemitas. A justa crença na própria razão, ou na força militar, não pode impedir que se busque um acordo razoável para ambos os lados.
A força moral é mais poderosa do que muitos pensam e não pode ser desprezada. Clausewitz disse que "a guerra é a continuação da política por outros meios", mas agora é preciso fazer da política a continuação da guerra por outros meios. A longo prazo, não basta uma vitória militar. Obviamente, a busca pela paz não pode ter ingenuidade, sendo correta a exigência de mecanismos de segurança robustos e que impeçam a militarização do novo Estado Palestino.
Em resumo, Israel precisa:
- Declarar que, com a devolução dos reféns, aceitará negociar um Estado Palestino desmilitarizado;
- Reforçar a confiança e o diálogo com países árabes moderados, como a Arábia Saudita, que condiciona acordos à criação desse Estado;
- Cuidar dos judeus da diáspora e reforçar a Hasbará, atuando em parceria com seus aliados e em busca de novos apoiadores (em especial, os indecisos).
2. Os erros dos palestinos
Os palestinos merecem ter seu Estado, terra, segurança e oportunidades de crescimento, mas isso tem sido adiado por decisões equivocadas. A dor e sofrimento explicam alguns erros, mas os que são abaixo listados precisam ser corrigidos.
2.1. Culpar terceiros
Os palestinos costumam culpar Israel, os EUA e o Ocidente por suas frustrações, mas deixam de analisar sua própria contribuição para a inexistência de um Estado Palestino.
2.2. Liderança e posturas radicais
Deixar o comando de seu destino na mão de radicais que não querem a paz, mas a extinção de Israel, é algo que não funciona há décadas. Em paralelo, apenas aceitam serem atendidos em 100% de suas demandas, ignorando as razões do outro lado. Isso resulta em não ter solução alguma.
2.3. Recusa aos dois Estados
Já ocorreram várias propostas concretas para um Estado Palestino, sempre recusadas. E a cada rodada adiam o sonho e perdem mais território. É preciso que reconheçam que judeus e palestinos ocupam historicamente aquele território e que a proposta de um único Estado, com eliminação de Israel, não é viável. Só para dar três exemplos: tivemos isso em 1937, na Comissão Peel; em 1947, na ONU e em 2000, em Camp David. Nesta última, os palestinos teriam 94% da Cisjordânia e compensação em terras de Israel pelos 6% restantes, algo muito melhor do que a situação atual (Acordos de Oslo).
2.4. Incapacidade de aprender com o adversário
Ainda que vejam Israel como inimigo, seria útil observar como os judeus conseguiram ter seu Estado. Eles aceitam vitórias parciais e, com isso, vêm obtendo progressos, passo a passo. Feito é melhor que perfeito.
2.5. Não entender o adversário antes de negociar com ele
Após retirar do comando quem não quer negociar, mas matar, é preciso entender:
(a) o povo judeu também sofreu algo semelhante à Nakba. 850 mil judeus foram, na prática, expulsos dos 22 países árabes. Muitos chegaram a Israel com pouco ou nada, mas foram integrados e reconstruíram suas vidas porque tinham um lugar para ir. Aceitar os dois Estados é criar um lugar para começar a mudar a vida dos palestinos e transformar refugiados em cidadãos plenos.
(b) ninguém confia em quem insiste e premia o terrorismo (Pay for Slay);
(c) desde a dominação britânica até hoje, a experiência mais próxima de um Estado Palestino foi a autonomia que Gaza gozou a partir de 2005. Era um governo autônomo, sem a presença de um único soldado de Israel (ao contrário do que ocorre na Cisjordânia). Todavia, os recursos externos foram utilizados para abrir contas no Qatar e para túneis e mísseis. Nem tudo é culpa de Israel;
(d) a mensagem transmitida pelo ataque do 7/10, comemorada por tantos palestinos, foi contraproducente. É preciso mudar o discurso.
2.6. Odiar o sionismo
Ao invés de odiar os sionistas, seria mais estratégico concordar com eles e buscar isonomia através de uma espécie de “sionismo palestino”. Um sionista compreende o desejo de uma pátria e, logo, tem que ser a favor da pátria palestina. Enquanto os palestinos quiserem tudo, do rio ao mar, ou até mesmo eliminar os judeus, não terão nem isso nem o que os judeus pragmaticamente já conquistaram: um lugar para chamar de seu.
2.7. Dar nome ao sonho
“Do rio ao mar” é uma proposta que agrada só a um lado e que, por ser excludente da existência alheia, não encontra ressonância senão para quem já quer o Estado Palestino. Um judeu que sonha com um Estado para chamar de seu é um sionista. E um palestino? Qual o nome do seu sonho? O primeiro passo para concretizar um sonho é dar um nome a ele.
Em resumo, os palestinos precisam:
- Retirar do comando as lideranças radicais e a exigência de atendimento integral de suas pautas, aceitando pragmaticamente vitórias parciais;
- Reconhecer a presença histórica de ambos os povos na região e que a proposta de eliminar Israel e os judeus não é realista nem aceitável;
- Cobrar apoio efetivo dos países árabes moderados, afastar-se do terrorismo e dar um nome para o sonho palestino, aproveitando integralmente a força dessa ideia, o que já funcionou com o sionismo.
3. Os erros dos países árabes
Os árabes também são responsáveis pelo problema, não sendo correta sua conduta de deixar que apenas israelenses e palestinos o resolvam. Quando a ONU criou os dois Estados, os países árabes optaram pela guerra. Depois, praticaram a política dos três Nãos: “Não à paz com Israel, Não ao reconhecimento de Israel e Não às negociações com Israel”.
Ao longo das décadas, muitos países árabes apoiaram guerras e discursos de ódio, fecharam suas fronteiras a refugiados e usaram a “causa palestina” como instrumento político. Tudo isso sem oferecer soluções concretas e sem tratar os palestinos com a fraternidade devida. Se a questão é tão importante, qual a razão de não ajudar de forma mais consistente? Onde está a solidariedade árabe e muçulmana? Onde está a generosidade proposta pela fé islâmica?
Felizmente, ao longo dos anos, ocorreram acordos de paz com Egito, Jordânia e, mais recentemente, os Acordos de Abraão, com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão.
É muito fácil esperar que Israel, ou a ONU, ou os EUA, ou a Europa resolvam esse problema. É muito fácil apontar falhas. Agora, é preciso mais do que discursos e a rejeição a Israel. Deve ser oferecida a real chance de construção nacional para os palestinos.
Quando me refiro aos países árabes, excluo aqueles que prometem explicitamente destruir Israel e que promovem o terrorismo. Essa postura precisa ser contraposta pelos países árabes moderados, com ações e propostas consistentes e objetivas. A paz só virá quando os querem a paz retomarem o protagonismo regional com responsabilidade e coragem.
4. O Plano Trump
O Presidente Donald Trump vem fazendo esforços pela paz, entre os quais a proposta “Peace to Prosperity”, de 2020, que propunha um Estado Palestino com capital em Jerusalém Oriental. A nova proposta, todavia, se limita à realocação populacional de Gaza, sem atender nenhuma demanda árabe ou palestina.
Por mais que se entenda o trauma de Israel com o binômio autonomia de Gaza e 7/10, o plano atual serve apenas como obstáculo à paz, e é rejeitado pelos palestinos e pela comunidade internacional. Para ser viável, deve incluir pelo menos parte dos interesses palestinos. Trump, sendo bem-sucedido empresário e autor de livro sobre negociação (The Art of the Deal, Random House, 1987), certamente sabe que um acordo precisa ser atraente para os dois lados. Ambos precisam ceder e ganhar alguma coisa.
5. Os erros da comunidade internacional
A comunidade internacional também tem fracassado. Muitos assumiram posições parciais, não dando atenção suficiente ao drama dos reféns e relativizando o direito à autodefesa, em especial quando o Hamas promete realizar novos 7/10. Essa seletividade é prejudicial e compromete a credibilidade para negociar uma solução definitiva. A comunidade internacional deve ser mediadora firme e honesta — não veículo de sequestro ideológico ou de interesses econômicos de ocasião.
6. Os erros do governo brasileiro
O governo brasileiro tem agido até aqui com duplo padrão, parcialidade e seletividade que violam a Constituição Federal (arts. 4º e 19, III) e que descredibilizam o país como interlocutor confiável. É necessário que o governo do Brasil condene de forma clara o terrorismo e quem o financia, que receba o novo Embaixador de Israel (agrément) e que combata o crescimento do antissemitismo dentro do país. Essa mudança de postura abrirá as portas para uma real contribuição para a paz.
Conclusão
Este texto é complementado pelo artigo “A Solução do 1%”, que será publicado a seguir. Permanecemos com a expectativa de que as partes envolvidas corrijam seus erros e indiquem estarem dispostas a fazer concessões relevantes, desde que mútuas.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG