Uma semana após a controversa prisão preventiva dos quatro brigadistas voluntários de Alter do Chão, no Pará, revogada no último dia 28, representantes de diferentes ONGs e movimentos da sociedade civil se reuniram nesta terça-feira (3) de forma inédita para denunciar o que avaliam ser uma escalada autoritária do governo Jair Bolsonaro contra movimentos sociais no Brasil.
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Participaram da conferência eletrônica grupos como o Projeto Saúde e Alegria, que teve um dos integrantes presos na área de conservação paraense, o WWF-Brasil, citado no inquérito policial da Polícia Civil do Pará questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) e que teve o delegado-chefe destituído pelo governo paraense, e entidades de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos.
A investigação de Alter do Chão está sob jurisdição estadual e as detenções foram elogiadas pelo presidente e por ministros como o do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Educação, Abraham Weintraub, além de parlamentares governistas.
Procurado, o Palácio do Planalto afirmou que não irá se manifestar.
Diferentes participantes mencionaram o discurso por telefone do então candidato Jair Bolsonaro uma semana antes do segundo turno, em um comício na Avenida Paulista, em São Paulo, prometendo "combater o ativismo" no Brasil. O presidente já responsabilizou diretamente as ONGs por incêndios na Amazônia sem apresentar provas dos supostos atos criminosos.
Na avaliação dessas organizações, o discurso ao longo da campanha eleitoral se transformou em "ações concretas".
"Vimos tuítes do Presidente da República e de muitos dos seus ministros apoiando e legitimando medidas autoritárias. E sabemos que ela ultrapassa muitas vezes o limite da chancela e passa para o incentivo", critica Camila Marques, coordenadora do Centro de Referência Legal, ligado à Artigo 19, ONG que defende o direito à liberdade de imprensa e do acesso à informação.
Para Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, o governo federal escolheu o setor ambiental como um laboratório para medidas autoritárias.
"O meio ambiente tem sido utilizado nesse governo como um piloto para testar e forçar os limites de um programa autoritário. Tem sido um tema que nunca falamos tanto no primeiro ano de um governo, infelizmente pelas piores razões. Nesse exato momento, o que vimos em Santarém é literalmente um teste aos limites democráticos", avalia Rittl, pontuando que o governo se reuniu ao longo do ano com pessoas que cometem crimes ambientais. "Isso reforça a sensação de impunidade".
Sociedade civil
O diretor-executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic, concorda: "o que estamos vendo nos últimos dez dias não é um evento pontual ou isolado. Faz parte de uma trajetória que vem sendo anunciada desde a campanha eleitoral, foi celebrada no discurso da vitória do primeiro turno, e de lá para cá vem se tornando uma mensagem frequente não só do ponto de vista retórico, mas também com ações concretas. Chegou a hora de nós, como sociedade, dizermos que não queremos seguir por esse caminho".
Uma das medidas que ilustram a preocupação das ONGs, para Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional, é a proposta de expansão do excludente de ilicitude para as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em protestos, sugerida por Bolsonaro.
"É uma ferramenta extremamente violenta, inadequada e, diga-se de passagem, inconstitucional de limitar nossos direitos de manifestação. Além disso, a vulnerabilidade de ativistas requer das autoridades o cumprimento do seu dever e obrigação de investigar e coibir ataques rapidamente. Não sabemos até agora quem mandou matar Marielle Franco, ou o guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara, e essa demora amplia ainda mais essa vulnerabilidade", critica.
Repercussão internacional
Indagado sobre a repercussão internacional das prisões no Pará e do que consideram narrativa hostil ao trabalho das ONGs, pelo próprio presidente Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles , em diferentes ocasiões, Voivodic confirmou estar em interlocução com organismos e governos no exterior, sem detalhá-los.
"Temos conversado com diversas embaixadas e governos muito preocupados com os ataques à sociedade civil, demonstrando não só a solidariedade mas o apoio, mostrando como através da diplomacia podem reverter essa situação. Acho que é o que estamos vendo nas negociações internacionais, principalmente quando requerem o cumprimento de acordos como o de Paris. Há uma atenção muito grande para o que está acontecendo no Brasil e isso vai reverter no mercado, acordos internacionais e de livre comércio", afirmou.
Rittl lembra que a cobrança já está sendo exercida em acordos multilaterais e deverá se dar ao longo das discussões da COP-25, em Madri: "nesse exato momento, Ricardo Salles está chefiando a delegação brasileira na COP-25, que seria realizada aqui no Brasil. Ele está levando uma mensagem de que tudo vai bem no país. Foi cobrar dinheiro da comunidade internacional por aquilo que o Brasil não faz, que é proteger florestas, e que existe governança ambiental. O que está acontecendo já foi exposto em Madri, nos corredores da COP".
Diálogo à mesa
Caetano Scannavino, coordenador da ONG Saúde e Alegria, disse esperar que "a verdade sobre a inocência dos brigadistas voluntários apareça" — após a revogação da prisão preventiva, eles seguem investigados formalmente pela Polícia Civil — e fez um apelo para que "o presidente Bolsonaro atenue o discurso".
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"Clamo ajuda para nos garantir a segurança. A minha, da minha família, desses brigadistas, seus familiares e todos os envolvidos nesse caso. Não está sendo fácil. Não podemos mais ver derramamento de sangue na Amazônia", desabafa Scannavino.
O coordenador da Saúde e Alegria defende que o diálogo de ideias divergentes seja retomado: "precisamos acabar com esse ambiente de destruição. Você pode desconstruir uma ideia enquanto objeto, o que não pode é destruir o debate. Isso nós já perdemos há muito tempo".