A nuvem de poluição que se instalou sobre Pequim e outras cidades do norte da China desde o dia 31 de dezembro só deve se dissipar a partir de sábado, segundo as autoridades. Até lá, estamos sob alerta máximo.
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Ou seja, ainda não consegui ver o céu, ou o sol, sem esse filtro nefasto, sabidamente tóxico. Eu e os outros 22 milhões de habitantes daqui da capital e outras centenas de milhões de pessoas destas outras cidades que estão sendo afetadas.
É a minha primeira experiência com poluição desta intensidade. Muitas pessoas que já moraram, ou vivem até hoje na China, me dizem que é o que há de pior. Até dezembro, usei máscaras várias vezes – sempre ando com uma na bolsa.
Os índices estavam altos, mas nada que se compare com o que vi nos últimos dias. Depois desta onda séria, que levou o Centro Meteorológico Nacional a acionar duas vezes em menos de um mês o sinal de alerta vermelho, descobri sobre o que estavam falando.
Os índices têm estado acima de 300 AQI, quase trinta vezes o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera razoável. A nuvem vem, de repente, como uma massa compacta. Vi o céu mudar em 15 minutos no sábado passado. É muito impressionante. Chega com o vento, assim como as tempestades de areia, que vêm do deserto vez ou outra.
Efeitos no corpo
Anteontem, acordei no meio da noite com a boca seca. Olhei rapidamente o celular, e o indicador havia saltado para 612 AQI.
Percebi que nem mesmo os três purificadores de ar que havia posto no quarto naqueles últimos dias (tenho oito em casa) estavam dando conta do recado. Estava meio gripada na virada do ano. Mas a poluição não me deixa ficar boa: atacou a garganta e fez ensaiar uma bronquite.
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Eu e tantas outras pessoas tivemos de mudar a rotina. Comprei outra máscara. Nova no mercado. Supostamente mais incrementada. Vai saber. Tem três filtros e um dispositivo eletrônico (que eu recarrego na tomada, como outros apetrechos) que sopra um ar fresco e, tomara, limpo, enquanto você usa.
Outras máscaras podem ser desconfortáveis. Impedem a respiração e esquentam o rosto. Ontem, eu vi na rua pessoas com algumas que eu nem sabia que existiam. Uma delas tinha um tubo largo, como aqueles de aspirador de pó, ligando uma pequena caixa pendente no braço à estrutura sobre a boca e nariz.
Os jornais têm publicado muitas reportagens sobre o assunto e conselhos de como se proteger. Os chineses dizem que, nesta época do ano, é bom só tomar líquidos quentes. Eles têm o hábito de tomar água quente. Sabe que não é má ideia? Já incorporei.
O próprio governo tem falado mais no assunto e anunciado medidas. Aliás, tem tomado muitas medidas. Os indicadores das micropartículas mais danosas para o ser humano, o PM2.5, parecem que já foram mais altos há três ou quatro anos. Parece até que caíram 9,9% em relação ao ano anterior. Mas não quer dizer que tenham se tornado suportáveis.
Você sai na rua, vê aquela névoa e sente um cheiro de queimado no ar. É desagradável, arde os olhos. O curioso é que morar na China nos faz pensar em coisas sobre as quais não damos valor no dia a dia.
A gente se pega conversando sobre o ar que respira o tempo todo. Consulto três apps sobre a poluição antes de sair de casa. Muitas vezes até me esqueço de olhar a previsão do tempo, um hábito antigo. Como sair, a que horas vai estar melhor e como você pretende se proteger.
Troco dicas de máscaras. Olho o "ovo", um gadget que se tornou fundamental na minha vida, pois mede a poluição dentro de casa. Já levei para a academia de ginástica para ver como estava. A verdade é que só tenho saído para o essencial. Fico trancada em casa, com os filtros ligados no turbo.
Desânimo
A vida na cidade é confortável e extremamente interessante. Pequim tem tudo. Mas a poluição desanima. Não estou falando dos recém-chegados, como eu, que desembarquei em Pequim no final de março de 2016.
Quem vive aqui há anos, ou uma vida inteira, fala em sair. Tenho um conhecido, chinês, que se mudou para o sul. Vive mandando fotos do céu azul da sua cidade.
A poluição virou o assunto nas redes sociais. Ontem, a gerente de um hotel que conheço, chinesa também, avisava aos amigos para se protegessem, e que usar máscara não era vergonha alguma. Aconselhou, a quem pudesse, deixar a cidade. Talvez para sempre.
Uma pena.