
A nova corrida espacial é universitária, e o Brasil está no pódio. Seis equipes brasileiras marcaram presença na edição de 2025 da International Rocket Engineering Competition (IREC), a maior competição universitária de foguetes do mundo.
O evento aconteceu pela primeira vez na cidade de Midland, nos Estados Unidos, e reuniu mais de 2 mil estudantes de mais de 185 equipes de universidades do mundo todo.
A competição, organizada anualmente pela Experimental Sounding Rocket Association (ESRA), é atualmente o maior torneio de foguetes de sondagem experimental do mundo.
A proposta da disputa é desafiar estudantes universitários a projetar, construir e lançar foguetes experimentais respeitando categorias técnicas rigorosas e padrões de engenharia aeroespacial.

As equipes que participam da competição são divididas em categorias técnicas. Os critérios incluem:
- A altitude que o foguete deve atingir, chamada de apogeu-alvo (10 mil, 30 mil ou 45 mil pés).
- O tipo de propulsão utilizada, que pode ser sólida, híbrida ou líquida.
- A origem dos componentes, que podem ser comerciais (COTS, sigla em inglês para Commercial Off-The-Shelf) ou totalmente desenvolvidos pelos próprios estudantes (SRAD, de Student Researched and Developed).
- O número de estágios do foguete, ou seja, se ele é de estágio único ou múltiplo.
E, nesta edição, o Brasil brilhou como nunca. Ao todo, 6 equipes de universidades brasileiras participaram da competição. No ano passado, por exemplo, apenas duas tiveram condições de fazê-lo: a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Este ano, a equipe UFABC Rocket Design, da Universidade Federal do ABC, fez história ao vencer a disputada categoria 10K Solid SRAD (Pesquisado e Desenvolvido por Estudantes).

Nessa categoria, os foguetes precisam atingir 10 mil pés de altitude (cerca de 3 km), utilizando um motor de propelente sólido desenvolvido integralmente pelos alunos. Um feito inédito para o Brasil, já que, até então, o melhor resultado nacional nessa categoria havia sido um 2º lugar, conquistado em 2024, pela equipe Projeto Júpiter, da Universidade de São Paulo.
A vitória também teve um peso simbólico para o time. Após um hiato desde 2019, o retorno à competição marcou um novo ciclo.
“Nossa última vez na competição foi em 2019. Então, nossa participação esse ano foi para marcar um recomeço de fato para a equipe" , relata Lucas Fabrino, coordenador de marketing e membro de estruturas da UFABC Rocket Design, ao iG.
A confiança no desempenho era alta: “Nossa expectativa analisando nosso desempenho era ficar no top 3. Mas quando chegou no 3° lugar, nosso nome não apareceu, e a reação da maioria foi achar que estava tudo perdido” .
O momento de virada veio com o anúncio do segundo lugar.
“Quando anunciaram o 2° lugar, as expectativas voltaram, pois anunciaram um dos favoritos para ganhar, logo o 1° lugar estava em aberto” .
E, então, veio a surpresa: “Foi então, que chegou o momento do 1° lugar. Ficamos todos tensos esperando o anúncio até que apareceu no telão: ‘the winner is Team 302, Federal University of ABC’. Nesse momento fomos à loucura, ninguém acreditava" . O reconhecimento coroou dois anos de esforço contínuo, muitas vezes sem os mesmos recursos das equipes rivais. “Nosso orçamento é ridiculamente menor que a grande maioria das equipes que competimos contra. Mas mesmo assim, fizemos história!”, completa.

Universidade Federal de Santa Catarina: pioneiros no hemisfério sul
A equipe Kosmos, da UFSC, também teve um desempenho notável, conquistando o 3° lugar no pódio na categoria de 30 mil pés SRAD (Pesquisado e Desenvolvido por Estudantes). Os foguetes, nesse caso, precisavam alcançar cerca de 9 km de altitude. O time se tornou a primeira equipe do hemisfério sul a competir nessa categoria.
Após quase dois anos de trabalho contínuo, a equipe enfrentou um caminho marcado por desafios técnicos até conseguir lançar seu foguete na edição 2025 da IREC, nos Estados Unidos.
“Desenvolvemos um projeto complexo, com orçamento limitado e infraestrutura modesta, superando uma série de desafios até chegar à competição" , afirma José Roberto dos Santos, capitão da equipe.
O reconhecimento da organização, com duas premiações inéditas, é visto como a coroação de um esforço coletivo.
"Não fizemos apenas por fazer, fizemos por amar o projeto. E a Kosmos é impulsionada por esse sentimento".
Um dos maiores desafios foi o desenvolvimento do motor, prejudicado pelas limitações de insumos no Brasil.
"Tivemos que projetar um motor maior e mais robusto, já que o propelente disponível era menos eficiente que o usado por equipes estrangeiras" , explica José.
No primeiro teste, uma explosão quase pôs fim ao projeto, "Naquele momento, muitos pensaram que era o fim. Sentamos no chão e choramos ".
Mas a equipe reagiu: arrecadou fundos, conquistou novos parceiros e aprimorou o projeto com apoio de especialistas.
"O voo, foi o momento onde não apenas a equipe parou, mas a universidade inteira parou para assistir e acompanhar: professores colocaram a transmissão antes de aplicar provas, laboratórios pararam o trabalho para acompanhar o lançamento, diversos alunos se juntaram conosco para acompanhar na sala de cinemas" , lembra, emocionado.

E não para por aí, a Kosmos também levou para casa o Team Sportsmanship Award, que reconhece o espírito de colaboração e ajuda entre as equipes.
“Acredito que este prêmio seja o que melhor define o espírito atual da Kosmos, passamos por tanta coisa juntos para finalizar este projeto e, no fim, todos estavam juntos para ver este foguete voar, todos trabalharam incansavelmente por isso, e isso é o Espírito de Equipe, é a paixão pela qual a Kosmos se orgulha de ter” , completa.

No ano anterior, a equipe Projeto Jupiter, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), ficou em segundo lugar na mesma categoria.
Apesar de limitações logísticas e restrições legais para importar determinados combustíveis, os estudantes da USP conseguiram fabricar o propelente nos Estados Unidos, poucos dias antes da competição. O foguete, batizado de Pacífico, atingiu 2.944 metros de altitude.
GFRJ - UERJ: destaque em espírito de equipe
A equipe GFRJ, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), também foi premiada, mas de outra forma. Eles conquistaram o Nancy Squires Team Spirit Award, que reconhece times com forte senso de união, entusiasmo e apoio à comunidade da competição.

“Essa conquista foi muito especial pra gente, porque mostra que estamos alinhados com uma das principais missões do grupo: o entusiasmo pelo setor aeroespacial. Trabalhamos com algo que realmente nos apaixona - e isso faz toda a diferença” , contou a equipe ao iG.
Além das premiadas, outras três equipes brasileiras participaram da competição e lançaram seus foguetes:Projeto Jupiter (Universidade de São Paulo): enfrentou problemas na recuperação do foguete e perda de dados, mas foi a primeira equipe a lançar nesta edição. O time inovou ao incluir um sistema de “air break” em seu foguete na categoria 10 mil pés. O processo funciona como um freio aerodinâmico que permite ajustar com precisão o apogeu do voo.
“Se é pra chegar a 10 mil pés, queremos ficar o mais próximo possível disso” , explica Samuel Nascimento, integrante da equipe. Segundo o time, esse foi o primeiro uso documentado desse sistema por um time brasileiro em voo real.
Supernova (Universidade Federal de Juiz de Fora): voltou à competição pelo segundo ano consecutivo. A equipe foi uma das 25 selecionadas entre mais de 150 para a Podium Session, espaço dedicado às maiores inovações da competição. Eles apresentaram o Machwave , um software desenvolvido em Python para simulação de motores de foguete com alto grau de confiabilidade estatística.
A equipe Supernova, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), destacou a importância da participação na IREC como uma oportunidade de aprendizado e troca internacional.
“O evento proporcionou uma grande troca de conhecimentos entre grupos do mundo inteiro. Voltamos ao Brasil com novas ideias, propostas de melhorias e a certeza de que sempre é possível evoluir e alçar voos ainda mais altos” , contou a representante da equipe, Lívia Sampaio.
CEOS (IME): A equipe CEOS, do Instituto Militar de Engenharia, competiu na categoria de 10 mil pés com motor comercial. O foguete Condor, totalmente construído por alunos, foi elogiado na inspeção técnica pela qualidade artesanal das peças. O projeto marca a evolução do grupo, que ficou em 6º lugar na Latin America Space Challenge 2023.
O motor de açúcar que venceu o preconceito técnico
Além do desafio técnico e logístico que envolve a construção e o transporte dos foguetes, as equipes brasileiras ainda precisam lidar com restrições legais e limitações de acesso a determinados materiais. Por isso, os times optaram por desenvolver motores do tipo conhecido como “sugar motor” - um motor caseiro de propelente sólido feito com nitrato de potássio e sorbitol (um tipo de açúcar alcoólico).
Essa combinação química, quando aquecida e moldada, forma um material capaz de gerar a força necessária para impulsionar o foguete. A escolha pelo “sugar motor” se deve principalmente ao baixo custo e à facilidade de acesso aos insumos no Brasil, já que outros tipos de propelentes mais potentes, como o APCP (propelente composto de perclorato de amônio), têm uso restrito por leis militares e são difíceis de manipular e transportar.
Historicamente, esse tipo de motor costumava ser mal visto na competição por conta da alta taxa de falhas, os chamados CATOs ( Catastrophe At Take Off ).
Mas, como relatou um dos integrantes brasileiros: “Houve muitos CATOs nessa competição. Curiosamente, envolvendo motores comerciais, enquanto os motores SRAD performaram bem. [...] Esse tipo de motor era meio ‘mal visto’ pelos jurados da competição porque tem muito histórico de CATO, mas parece que as coisas estão mudando” , completa.
Da construção ao embarque: os obstáculos para competir nos EUA
Para as equipes brasileiras, os maiores obstáculos estão na logística e no financiamento. Transportar um foguete construído no Brasil até os Estados Unidos, reunir uma equipe mínima para operá-lo no evento e cumprir todos os requisitos técnicos exigidos pela organização demandam planejamento e recursos.
“Como muitos estudantes não têm apoio institucional completo, é comum que recorram a campanhas de arrecadação, rifas e patrocinadores para viabilizar a viagem” , afirma Samuel Nascimento, integrante da equipe Projeto Jupiter, da USP.
Segundo ele, nas categorias SRAD, em que todos os componentes - do motor à estrutura - são desenvolvidos pelos próprios alunos, o desafio é ainda maior: é preciso realizar testes rigorosos, muitas vezes em locais com infraestrutura limitada, o que exige resiliência por parte das equipes.
De duas equipes presentes em 2024, o Brasil passou para seis em 2025, e com resultados expressivos. Mesmo com pouca estrutura e escasso apoio financeiro, os estudantes brasileiros se mobilizam para poderem estar presentes nesse tipo de competição.
"A gente não tem muito apoio. Fazemos o impossível para conseguir essas marcas. Esse ano foi um ano dourado para os brasileiros" , afirma Samuel Nacimento um dos integrantes do Projeto Jupiter, da USP.
Brasil ainda colhe os frutos da Lei Geral do Espaço
As vitórias brasileiras na IREC 2025 ganham ainda mais significado diante de um cenário regulatório mais maduro. Em 2024, o Congresso Nacional aprovou a Lei Geral do Espaço, um marco legal para as atividades espaciais no país. O cenário abre portas para a construção e lançamento de foguetes, e também para a participação da iniciativa privada no setor.
Enquanto o Brasil começa a estruturar sua presença no cenário espacial com bases legais, são as universidades públicas que lideram o caminho, mostrando o potencial técnico e científico brasileiro.