Conheça a "mulher das estrelas" que descobriu supernova e colabora com a NASA

No Dia Internacional da Mulher, o iG traz uma entrevista com a astrônoma brasileira Duilia de Mello; com mais de 30 anos de uma carreira bem sucedida no mundo da ciência, ela quer inspirar uma nova geração de mulheres e acabar com os preconceitos

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Graduada em Astronomia pela UFRJ, Duília divide seu tempo entre as aulas de Física, a vice-reitoria da Universidade Católica de Washington e colaborações com a NASA



"A mulher na ciência ainda enfrenta esse preconceito por ser minoria e ele desmotiva a menina a seguir carreira. Existe uma evasão muito grande, de mulheres que começam e saem da carreira. E quando há minoria, há problemas, é mais difícil sair daquele status quo, de mudar o cenário. Mas tem uma palavra de otimismo porque eu sinto que está melhorando, a tendência é melhorar. Se tomarmos mais conta do negócio e prestarmos mais atenção, a tendência é ser mais rápida essa mudança".

O relato acima é da astrônoma brasileira Duilia de Mello , umas das vozes mais respeitadas no mundo da ciência e reconhecida pelas diversas conquistas acadêmicas ao longo da carreira. Em mais de 30 anos, ela foi responsável por descobrir a supernova SN 1997D, que é uma explosão luminosa que ocorre nos últimos estágios evolutivos de uma estrela, além de já ter contribuído em projetos desenvolvidos pela NASA, a agência espacial norte-americana, em especial em seu campo de atuação na Astrofísica Extragaláctica, que utiliza telescópios como o Hubble para fotografar as profundezas do universo.

Desde a formação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, passando pelo mestrado, doutorado e pós-doutorados,  Duilia sempre foi uma das únicas mulheres em seus campos de estudo. Por este motivo, um de seus objetivos hoje, após se tornar vice-reitora da Universidade Católica de Washington (EUA) e a primeira mulher a ser professora titular no departamento de Física da instituição, é tentar facilitar o caminho das novas gerações e ser exemplo para mostrar que, sim, é possível ser mulher e ter uma carreira cientíca. Para isso, basta ter o talento.

“É necessário ter muita resiliência. Eu também acho importante mostrar para as meninas e mulheres que as cientistas existem, porque acredito que você não é aquilo que você não vê: se você não vê a mulher fazendo, vai achar que aquilo não é para você. Então, é importante mostrar para as meninas, deixar que elas escolham e desmistificar essa história de que ciência é para gênio. Não é. A ciência é para todos, basta dedicação, estudo. Tem que ter talento. Se o seu for para a ciência, não desanime, sendo você mulher ou não”, afirmou Duilia, em entrevista exclusiva ao portal iG.

Para a professora, a celebração do Dia da Mulher é importante exatamente neste contexto: aproximar mulheres que já estão no mercado de trabalho, que tem uma carreira bem sucedida, das meninas e jovens, para que elas saibam que têm seu valor e que podem fazer muito bem tudo aquilo que se propuserem a desempenhar. "A carreira científica é palpável e a gente precisa mostrar isso para a mulher, mostrar para a menina que, sim, é possível que ela tenha uma carreira dentro da ciência”, afirma.

Falha da educação e dos cientistas

Foto: Reprodução/redes sociais
Formada pela UFRJ, Duilia fez toda a carreira fora do Brasil

Além do obstáculo do preconceito , a própria estrutura educacional também acaba se tornando um problema para que o número de mulheres na ciência aumente. Sem o devido incentivo, muitas acabam desistindo antes mesmo de começarem suas caminhadas científicas.

“É preciso identificar desde cedo esse interesse nas meninas que tê esse talento e as escolas têm um papel muito importante nisso para motivá-las, não desmotivá-las com história de que 'isso não é coisa de menina'. Não tem isso. Se ela quiser ser física porque gosta de estudar como funciona a força da gravidade, que se ensine ali, que se utilize a curiosidade dela para motivá-la a seguir a carreira científica ”, afirma.

Duilia ressalta ainda que o pouco envolvimento de cientistas e pesquisadores também acaba se tornando um problema: ao se manterem dentro dos laboratórios, escritórios e universidades, sem falar com o público, o "olhar científico" das pessoas deixa de ser apurado e cria-se um vácuo que, segundo ela, também é responsável pelo surgimento de grupos como os terraplanistas ou anti-vacinas, chamados por ela de " negacionistas da ciência ".

“A escola não está fazendo o papel de dar senso crítico para as pessoas, é uma educação superficial, em que a pessoa não aprende a interpretar os conceitos. Então, quem não tem a estrutura educacional que deveria ter tido pode ser facilmente enganado. É a educação falhando e a ciência falhando no sentido de comunicar melhor a ciência . Todo mundo deveria saber o mínimo das coisas para não questionar pontos como a Terra ser ou não plana, pousamos ou não na Lua, vacina faz bem ou não. Esse senso crítico está faltando e vai ser importante manter conversas com o setor educacional para que a próxima geração não passe pelo que estamos passando agora”, diz.

Porém, nem tudo são notícias negativas. Segundo Duilia , o cenário melhorou muito desde sua formação, com mais mulheres envolvidas no mundo das ciências e até mesmo alcançando cargo de liderança, e só tende a ficar cada vez mais diversificado e igualitário.

"Durante esses anos eu já vi mudança, um maior número de mulheres, principalmente na astronomia . Em observatórios, evento, existem mais jovens do que na minha época. Muitas já começam a ter cargos de liderança, são chefes de laboratório e de departamento. A NASA , por exemplo, é muito preocupada com isso e é necessário ter essa preocupação. Não podemos deixar que as coisas se ajeitem. Sempre que existem minorias, temos que nos preocupar com isso para transformar e fazer uma sociedade mais justa”, finaliza a professora.