"Humanos entram em combustão no espaço". "A Terra é plana, e não redonda". "O homem nunca pisou na Lua, é invenção da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa)". Você já deve ter lido ou ouvido alguma das afirmações acima, afinal, há muitas teorias sobre esses assuntos na internet e elas se propagam de forma rápida. Desse modo, será que conseguimos identificar mitos sobre o universo em meio a tantas informações e descobertas científicas com eficácia?
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Segundo pesquisadores que se apresentaram no 1º Fórum de Pós-Graduação Einstein: Pesquisa para a Vida, realizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, as fake news e os mitos sobre o universo no meio online se tornaram cada vez mais comuns e têm impactado negativamente o trabalho prestado pela comunidade cientifica à população.
Dados publicados pela Agência Brasil revelaram que a rapidez com que as notícias se espalham pelas redes é positiva e potencializa um maior alcance de indivíduos, no entanto, também atrapalha, se considerada a alta propagação de teses não embasadas, que tendem a confundir indivíduos que não costumam fazer pesquisas mais aprofundadas sobre temáticas de interesse.
Pensando nisso, e em como facilitar a busca do leitor em relação a curiosidades sobre o campo da ciência, a reportagem do iG conversou com Thiago Signorini Gonçalves, doutor e professor de Astrofísica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e destrinchou oito mitos sobre astronomia que viralizaram nas redes nos últimos anos. Confira!
Mito 1: O homem não pisou na Lua
Sim, o homem foi à Lua. A ideia de que isso seja mentira teria iniciado por desconfianças acerca dos dados divulgados pelo governo dos Estados Unidos e por agências cientificas, como as provas coletadas durante a missão Apollo 11, em julho de 1969.
Segundo algumas " teorias da conspiração ", a missão ao satélite natural da Terra não só é uma farsa como teria sido filmada pelo cineasta Stanley Kubrick em um deserto norte-americano, quando teriam sido forjadas pegadas bem desenhadas na terra para que as pessoas pensassem que astronautas estiveram na Lua.
Entretanto, o astrofísico garante que há muitas provas que confirmam a 'visita' humana em solo lunar décadas atrás, como é o caso de imagens atuais das regiões da Lua onde as missões aterrissaram que revelam os mesmos detalhes que as fotografias tiradas por astronautas.
Além disso, há espelhos colocados em solo lunar pelos astronautas do programa Apollo, que são utilizados até hoje para medir a distância entre a Terra e a Lua por meio de lasers emitidos daqui. Por fim, existem rochas lunares que foram examinadas por cientistas de vários países, incluindo a União Soviética antes do fim da Guerra Fria.
Mito 2: A Terra é plana
Há uma quantidade significativa de pessoas que acreditam que o planeta Terra não é redondo, e sim plano. Os chamados 'terraplanistas' sustentam suas teorias por meio de motivações políticas e sociológicas e 'têm certeza' de que a ideia de que o planeta é um globo "não passa de um 'plano conspiratório' criado por líderes mundiais e sociedades secretas".
Apesar de estar em maior evidência atualmente, a afirmação que a Terra é achatada existe há séculos. Astrônomos de grandes civilizações antigas, como a Grécia e a Índia, defendiam o padrão, que passou a ser questionado depois de estudos do filósofo Pitágoras, no século 6 a.C.
Para os ‘terraplanistas’, o mapa correto é o da Projeção Azimutal, que mostra o Polo Norte ocupando o centro. Segundo esses teóricos autônomos, o emblema da Organização das Nações Unidas (ONU) seria uma evidência ‘incontestável’ sobre o conhecimento de autoridades sobre o “real formato terrestre”.
Contudo, há uma série de argumentos que derrubam a teoria sustentada por eles. "A teoria da Terra Plana é muito simples de ser contestada. Eratóstenes, um estudioso grego do século III a.C., foi capaz de medir o tamanho da Terra há mais de dois mil anos, ao observar o tamanho da sombra de uma vareta em diferentes regiões do globo; e ao fazer cálculos geométricos simples. Diversas outras observações básicas demonstram o mesmo resultado”, aponta Signorini.
Mito 3: O planeta Nibiru existe
O polêmico planeta Nibiru... De tempos em tempos, previsões sobre o fim do mundo surgem trazendo "notícias" do apelidado “Planeta da Morte”, já que muitos numerólogos acreditam que ele será o responsável por esmagar a Terra e exterminar a espécie humana.
Mencionado pela primeira vez em 1976 no livro “O Décimo Segundo Planeta”, de Zecharia Sitchin, Nibiru também é reconhecido por teóricos da conspiração como a “casa de alienígenas do passado”, chamados Annunaki, os criadores da raça humana.
Outro fator que ajudou o falso ‘planeta’ a tomar proporção foi o depoimento de uma mulher chamada Nancy Lieder, que diz ter recebido mensagens extraterrestres sobre o apocalipse que teriam ligação com o Nibiru.
Sobre todas as teorias relacionadas ao tema, o professor alerta: nenhuma delas tem qualquer fundamento científico. Além disso, trazem algumas problemáticas para a ciência, sendo uma delas a confusão entre planetas inventados e planetas adicionais. “A possível descoberta de planetas adicionais no Sistema Solar, a partir de análises do movimento dos outros corpos no sistema, é algo científico, mas hoje em dia está sendo usado a favor de conspiradores que deturpam informações para propagar suas teorias”, ressalta.
Mito 4: Asteroide Apophis vai destruir a Terra
Não tem jeito, é secular o medo de que asteroides atinjam o planeta. Muitas pessoas creem que rochas espaciais de tamanhos variados são "verdadeiras armas destrutivas para a vida terrestre", por isso até mesmo datam o ano de passagem desses corpos como sendo aquele que será o último da existência humana.
O asteroide Apophis, que ficou conhecido por ter potencial de causar um impacto maior do que qualquer bomba atômica existente, é um clássico exemplo disso. Chamado de 99942, ele foi descoberto em 2004 pela Nasa, e, de início, gerou uma mobilização online por causa de estimativas que previam uma chance de 2,7% de se chocar com a Terra.
A informação, contudo, foi corrigida, depois de cientistas realizarem cálculos da órbita e outras observações, chegando à conclusão de que seria quase nula a possibilidade de colisão com a Terra.
Atualmente, estima-se que Apophis chegue a pouco mais de 30 mil quilômetros de distância do ‘Planeta Azul’ no ano de 2029, e a dezenas de milhões de quilômetros em 2036. “Se ainda se fala em colisão, é por puro alarmismo e não por ciência”, frisa Thiago.
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Mito 5: Duas luas aparecem no céu em agosto
Em agosto de 2003, uma mensagem chegou a diferentes endereços de e-mail afirmando que Marte estaria tão perto da Terra que seria possível observá-lo de nosso planeta como se fosse a Lua. O falso evento astronômico tratado na mensagem foi nomeado de "as duas luas de agosto" e viralizou na internet.
A explicação para o surgimento desse mito está relacionada às órbitas de ambos os planetas, já que, por causa disso, a cada dois anos e dois meses, Marte se aproxima do planeta Terra. Porém, engana-se quem pensa que o 'gigante vermelho' se transforma "em uma Lua" por conta disso.
O astrofísico alega que sim, é verdade que quando Terra e Marte estão mais próximos, Marte pode parecer um pouco mais brilhante no céu. Mas é só um pouco. Mas, vale lembrar que o tamanho dos corpos não sofre alteração realmente.
“A Lua ainda é maior que Marte no céu devido à sua proximidade, mesmo durante as oposições. Nunca veremos Marte do mesmo tamanho que a Lua”, expõe Signorini.
Vale mencionar que, nessa terça-feira (31), a Nasa informou que Marte estará a 57,6 milhões de quilômetros da Terra e ficará visível por toda a noite a olho nu. Com o ocorrido, o planeta atingirá o ponto mais próximo da Terra em 15 anos, já que, em 2003, a distância foi de 56 milhões de quilômetros entre ambos os planetas.
Os cientistas da agência americana afirmaram que, na prática, Marte vai parecer uma estrela brilhante vermelha, assim como na noite do eclipse ‘ Lua de Sangue ’, que ocorreu na última sexta-feira (27). A Nasa ainda estima que outra aproximação de Marte e Terra aconteça em 6 de outubro de 2020.
Mito 6: Humanos podem explodir ou ter o sangue evaporado no espaço
Vai dizer que você nunca assistiu a um filme no qual o astronauta acaba exposto "aos riscos do universo" e começa a inchar até explodir como um ‘arroto’ de buraco negro após devorar algumas estrelas? Pois bem, apesar de não haver dúvidas de que humanos não conseguem sobreviver vagando pelo espaço, as cenas trágicas de produções hollywoodianas podem confundir e causar uma ideia deturpada sobre como seria a morte em ambiente extraterrestre.
A fim de tirar dúvidas de espectadores de ficção científica, estudos foram feitos para mostrar o que ocorreria ao ser humano caso fosse exposto a condições rigorosas no espaço. Segundo a Nasa, pessoas suportam cerca de meio minuto de exposição ao vácuo sem sofrer danos permanentes. Mas, depois desse curto período, é provável que venham a óbito.
O motivo? Não tem nada a ver com combustão espontânea, congelamento ou pela evaporação de sangue, e sim pela falta de oxigênio circulando no traje espacial.
Os especialistas ainda afirmam que um fim trágico com certeza se concretizaria se alguém resolvesse segurar a respiração no espaço sem a roupa adequada, por exemplo, já que o ar no corpo do indivíduo se expandiria a ponto de provocar a ruptura dos pulmões.
“Acredito que grande parte desses mitos venham do cinema, Hollywood gosta de exagerar a ciência para efeito dramático. O que acontece, na verdade, é que uma pessoa provavelmente morreria sufocada rapidamente, se não fosse resgatada a tempo”, explica o astrofísico.
Mito 7: Mercúrio é o planeta mais quente do Sistema Solar
Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol. Por isso, há confusão quanto a sua temperatura, que muitos alegam ser extremamente escaldante. Entretanto, estudos provam que, ao contrário do que se imagina, o menor planeta do Sistema Solar não é tão quente assim!
De acordo com Thiago, para afirmar que um planeta "é o mais quente", seria necessário considerar a superfície e a atmosfera do mesmo, e não sua proximidade em relação ao Sol.
Com isso, Mercúrio não pode ser o planeta de maior temperatura. O posto seria, na verdade, passado a Vênus, que ‘rompe’ a regra da escala de proximidade e mantém temperaturas bastante altas devido a uma grossa camada de nuvens.
“Vênus definitivamente quebra essa regra porque tem uma grossa camada de nuvens que, por meio do efeito estufa, mantém o planeta a incríveis 460 °C. E a gente ainda tem coragem de reclamar do verão carioca”, brinca o especialista.
Mito 8: A experiência no espaço é 100% livre de gravidade
A afirmação de que a experiência espacial é completamente livre de gravidade é e não é um mito. Para o professor, uma interpretação equivocada vem do termo usado para esse caso.
Astronautas na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), por exemplo, experimentam uma gravidade um pouco mais fraca do que a sentida na Terra, pois a gravidade cai com o quadrado da distância. Mas, ainda assim, se a ISS estivesse parada, o seu peso seria aproximadamente 90% do original.
Signorini explica que a impressão de gravidade zero vem do fato de que a estação espacial esteja essencialmente em queda livre. Ela não se choca com a Terra porque também se move rapidamente e horizontalmente, o que faz com que a queda livre se transforme em uma órbita circular ao redor da Terra.
“Você pode ter essa experiência em uma montanha russa quando está despencando e sente aquele frio na barriga”, destaca. Nesse caso, é possível sentir que a gravidade não deixou de existir, mas você está em queda livre e o seu corpo não está sendo sustentado pelo chão ou pelo carrinho do brinquedo, assim como o seu estômago, que não está sendo sustentado pelo resto do corpo, já que todos estão caindo juntos. Entendeu?
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Para aqueles que ainda defendem mitos sobre o universo como o de que a gravidade existe no espaço e também para quem diz ao contrário, é possível recriar a experiência de microgravidade em um avião em queda livre por 20 a 30 segundos. A Nasa, por exemplo, é adepta do experimento e o utiliza para o treinamento de astronautas que serão enviados em missões futuras. De resto, é tentar não compartilhar falsas informações. Ponto para a ciência.