A juíza Juliana Grillo El-jaick, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, aceitou a denúncia do Ministério Público contra a soldado Rhaillayne Oliveira de Mello pelo homicídio duplamente qualificado da irmã, a comerciante Rhayna Oliveira de Mello, na manhã de 2 de julho. De acordo com a promotora Silvia Regina Aquino do Amaral, a policial militar agiu por motivo fútil e traiu a confiança da jovem ao sacar a arma e efetuar disparos no momento em que as duas brigavam em condições de igualdade. Ela foi presa em flagrante pelo marido, o também PM Leonardo de Paiva Barbosa.
Na denúncia, a qual O GLOBO teve acesso, Rhaillayne, com vontade livre e consciente, assumindo o risco de matar, atirou contra Rhayna, causando-lhe as lesões que foram a causa eficiente de sua morte. “O crime foi cometido por motivo fútil, em razão de um simples desentendimento entre irmãs após o consumo de bebida alcoólica. O crime foi cometido à traição, pois as irmãs brigavam em condições de igualdade quando a denunciada, traindo a confiança da vítima, que estava desarmada, sacou sua arma de fogo e efetuou os disparos”, escreveu a promotora.
No documento, o Ministério Público requereu o recebimento da denúncia e a citação de Rhaillayne para responder ao processo: “Ao final, espera que seja a ré pronunciada, submetendo-a a julgamento perante o tribunal do júri desta comarca, sendo condenada ao final”
De acordo com as investigações da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI), um projétil da pistola ponto 40 pertencente à Secretaria de Polícia Militar foi encontrado na região dorsal direita de Rhayna. O laudo de exame de necropsia realizado no corpo da vítima aponta que ela sofreu hemorragia interna, além de lesões pulmonar e vascular após ser baleada pela irmã.
Em depoimento na distrital, Rhaillayne contou que "já tinha diversos problemas de relacionamento" com Rhayna. No auto de prisão em flagrante, assinado pelo delegado-adjunto Wilson Luiz Palermo Ferreira, consta que, "mesmo ciente dos seus direitos constitucionais e legais, dentre os quais o de permanecer em silêncio, a autora narrou sua versão dos fatos, corroborando o que já havia sido dito pelo próprio companheiro". No documento ao qual O GLOBO teve acesso, a soldado também relata que "no momento dos fatos foi vítima de diversos xingamentos" por parte da irmã, em um posto de gasolina no bairro Camarão, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
Após ser presa, Rhaillayne “bateu com as algemas na própria testa” repetidas vezes. Segundo o laudo de exame de corpo delito, a mulher "arrancou as unhas dos dedos mínimos das mãos". O documento assinado pelo perito Celso Eduardo Jandre Boechat atesta ainda que a soldado apresentou "comportamento sugerindo psicose ou estado pós-traumático" ao ser examinada no Posto Regional de Polícia Técnica e Científica (PRPTC) de São Gonçalo, passadas cerca de dez horas do crime. Na avaliação do profissional, a PM encontrava-se "apática com os fatos relatados".
Na análise, o perito afirma também que a policial apresentou hematomas "condizentes com a autolesão relatada". O profissional enumerou, então, os machucados sofridos por Rhaillayne: "Tumefação frontal, equimose e tumefação em terço distal do antebraço esquerdo, face antero-medial, ausência da unha do 5º dedo da mão esquerda"
Rhaillayne só conseguiu ingressar na Polícia Militar por força de decisões judiciais. Após prestar concurso em 2014, a aspirante a PM acabou reprovada na etapa de Exame Social e Documental, também chamada de "pesquisa social", quando aspectos da vida pregressa do candidato são avaliados. Um documento de 2018 do Centro de Recrutamento e Seleção de Praças obtido pelo GLOBO indica que a própria Rhaillayne informou que "já fez uso de substância tóxica por três vezes em festas raves", situações nas quais teria ingerido “maconha, LSD, ecstasy e MD”.
Após ser impedida de integrar as fileiras da corporação, Rhaillayne entrou com uma ação na Justiça contra a decisão. "Em relação à alegação de uso de substâncias entorpecentes, a autora agiu de forma totalmente transparente e honesta ao responder à pergunta realizada pelo pesquisador, momento em que afirmou ter feito uso de substâncias entorpecentes por apenas três vezes no ano de 2013”, pondera a petição apresentada pelos advogados da candidata. "Tal posicionamento de expor o ocorrido anteriormente demostra o seu caráter, o sentimento de agir com a verdade e retidão com o que preceitua, acreditando-se que não estaria devendo nada à Justiça ou a qualquer outro órgão", prossegue a defesa, cuja tese acabou prevalecendo nos tribunais.
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