Neste sábado (09) faz um ano que a Justiça de São Paulo decretou a prisão de Samuel Fradique de Oliveira, da SFO Holding, apontado como responsável por uma piramide financeira que causou prejuizos em mais de 7 mil pessoas. Fradique chegou a receber R$ 3 milhões de um único investidor, segundo a investigação.
Por ser considerado foragido, ele está, em tese, sendo procurado pelas polícias civis de todo o país. A Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal possuem os dados e a foto de Samuel para buscas em blitzes.
Mas a notícia não é boa para quem pensa em um dia cobrar pessoalmente de Samuel Fradique. Os órgãos de segurança demonstram não terem pistas do empresário, que é acusado dos crimes de estelionato e contra a economia popular,
O Portal iG tentou contato com parentes e pessoas próximas a ele, como uma ex-prefeita e um vereador com mandato atual.
O assunto ainda causa trauma e distanciamento, e poucas pessoas falam abertamente.
Da modéstia ao luxo
Samuel Fradique nasceu em Pernambuco, mas subiu na vida em Lorena
Os empreendimentos de Fradique, como é conhecido na cidade, estavam em alta, especialmente entre os anos de 2018 e 2020.
Aquecidos, pareciam acompanhar o calor da cidade de Lorena, onde o tempo abafado predomina em boa parte do ano. E onde ele era visto por uma parcela da população como um símbolo de ascensão financeira.
Vestia-se com discrição, mas não passava despercebido.
Dono de postos de combustíveis, construtora, loja de cosméticos e uma empresa de logística, Samuel era visto como quem ''venceu na vida''.
Nascido em Pernambuco, ele deixou o Nordeste em busca de oportunidades e chegou ao Vale do Paraíba com o discurso de que havia saído da pobreza.
Aos poucos, ocupou espaços na economia local. Circulava por jantares, fazia doações a igrejas e mantinha relações próximas com lideranças políticas da cidade.
Investimento com retorno certo - mas até certo ponto
Samuel Fradique se tornou muito poderoso em Lorena
Foi nesse contexto que surgiu a SFO Holding, empresa que prometia retorno financeiro a investidores que buscavam lucro rápido.
Segundo o Ministério Público, a empresa servia de cortina de fumaça para a pirâmide financeira .
A promessa era direta: aplicar dinheiro em uma carteira de negócios gerida por Fradique e receber retorno mensal superior ao de qualquer investimento tradicional.
Os aportes eram diversificados: parte do dinheiro seria revertida para a revenda de combustíveis, outra em imóveis, outra no comércio de cosméticos, e até no transporte de cargas.
Por fora, tudo parecia legítimo. A holding estava registrada em nome de Samuel, e as empresas associadas operavam com CNPJ ativo, sede física e publicidade. Mas o volume de promessas superava a capacidade de retorno real.
Segundo o Ministério Público, o dinheiro pago a novos investidores era usado para quitar o lucro de antigos aplicadores. Quando os aportes começaram a diminuir, o sistema desmoronou.
Mais de 1.500 ações
O esquema conseguiu enganar milhares de pessoas
Os prejuízos foram imediatos.
Estimativas apontam que mais de 7 mil pessoas foram lesadas. Algumas perderam economias de uma vida inteira.
Outras emprestaram dinheiro de parentes ou venderam imóveis para aplicar no que acreditavam ser um investimento seguro.
Os valores investidos variam entre R$ 14 mil e R$ 3 milhões, conforme documentos de ações cíveis em andamento.
A fama construída com rapidez se desfez também quase que repentinamente.
Em 2024, após quatro anos de silêncio das autoridades, o Ministério Público de São Paulo apresentou denúncia contra Samuel por estelionato e crimes contra a economia popular.
A Justiça decretou a prisão preventiva no dia 09 de agosto. Também foi decretada penhora de imóveis e bens ligados ao empresário.
Um levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo mostra mais de 1.500 ações judiciais envolvendo seu nome, a maioria movida por ex-investidores que buscam reparação de perdas. Mas ele já havia desaparecido.
Todo mundo sabe do assunto
Na cidade, sobram memórias de promessas não cumpridas. Em qualquer padaria, ponto de táxi, restaurante ou roda de conversa, basta tocar no tema que toda pessoa conhece quem investiu ''no Fradique''.
Um comerciante relatou ao Portal iG que três familiares entraram no esquema e perderam entre R$ 10 mil e R$ 30 mil.
Colapso fez Samuel fugir de Lorena
Mas o tempo passou, Fradique não foi mais visto e o assunto parece ter ''esfriado'', com poucas esperanças de reaver o dinheiro.
Por isso, ainda que as histórias circulem até hoje, nenhuma se confirma.
Moradores arriscam palpites de onde Fradique se escondeu, e até mesmo se está vivo.
O mesmo comerciante diz ter ouvido que o acusado fugiu para a Argentina logo após a quebra da empresa. Outra pessoa insinuou que ele estaria em uma fazenda perto de Lorena.
O mecanismo da promessa
No papel, a estrutura parecia sólida. Havia contratos, empresas registradas, promessas documentadas em papéis timbrados.
Quem procurava a SFO Holding era recebido em um escritório confortável, com fachada comercial em Lorena, cidade de pouco mais de 87 mil habitantes.
O atendimento era cordial. O discurso, direto: um grupo de empresas controlado por Samuel Fradique de Oliveira investiria o dinheiro da pessoa em atividades lucrativas e devolveria, mês a mês, o rendimento.
Segundo os depoimentos colhidos na investigação, o esquema começou a se expandir de forma mais intensa entre 2018 e 2019.
A principal estratégia de divulgação era o boca a boca: clientes satisfeitos com os primeiros rendimentos indicavam novos investidores.
Em pouco tempo, a rede cresceu. Parte das vítimas informou ter recebido os rendimentos por meses — o suficiente para aumentar a confiança.
Outros venderam carros, imóveis ou pegaram empréstimos para aplicar valores mais altos. Alguns nomes se tornaram referências na cidade, como se fizessem parte de um clube seleto de investidores .
A SFO Holding, na prática, não operava sozinha. Estava conectada a uma construtora, uma empresa de logística, postos de combustíveis e uma loja de cosméticos.
Tanta facilidade atraiu investidores de dezenas de outras cidades. Em muitos lugares, não houve nenhuma publicidade formal. O nome de Fradique circulava entre grupos de empresários e comerciantes.
De 2020 a 2024
A dimensão do prejuízo só ficou clara com a paralisação dos pagamentos, em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19.
Começaram a surgir os primeiros boletins de ocorrência. Estima-se que cerca de 700 pessoas entraram na justiça, algumas com mais de uma ação, por isso o total de 1.500 citado anteriormente.
Com a gravidade dos fatos, o fato da denúncia criminal ter sido apresentada pelo Ministério Público quatro anos depois do colapso do esquema gerou críticas por parte de advogados de vítimas.
Um deles, Jorge Calazans, afirmou ao iG que a lentidão comprometeu as chances de recuperação dos valores, já que parte do patrimônio do acusado foi transferida ou ocultada.
“A decisão judicial que decretou a prisão preventiva de Samuel Fradique é tardia, mas acertada. Mostra que, apesar do atraso, há agora um reconhecimento institucional da gravidade do caso. No entanto, ainda esperamos mais firmeza do sistema de Justiça na responsabilização dos envolvidos e, principalmente, na busca por medidas efetivas de reparação. Em relação à forma de captação das vítimas, os relatos são muito parecidos: promessas de lucros fixos, uso da imagem de empresas reais e uma fachada de respeitabilidade local que conferia aparente credibilidade ao negócio” , relatou o advogado.
As empresas, os bens e o rastro no papel
A complexidade não estava nas promessas. Estava nos bastidores.
O que parecia um único negócio, com sede em Lorena e operação centralizada, se desdobrava, no papel, em múltiplas empresas.
As empresas com o nome de Fradique serviram de suporte para a movimentação do dinheiro captado pela SFO Holding.
Algumas delas recebiam recursos vindos de contratos de investimento. Outras foram utilizadas para adquirir bens, registrar imóveis ou esconder a verdadeira origem dos valores.
Entre os bens rastreados pela Justiça, um está registrado sob matrícula nº 6.857, no município de Aparecida, a 20km de distância. O outro, com matrícula nº 2.420, está na vizinha Guaratinguetá.
Os dois imóveis foram penhorados como forma de garantir o ressarcimento parcial às vítimas. A estimativa do valor de mercado ainda está sob análise judicial.
Também foram localizados veículos, contas bancárias, cotas empresariais.
No entanto, de acordo com a defesa de parte dos credores, o conjunto de bens encontrados até agora representa apenas uma fração do total que foi investido pelos mais de 700 lesados que entraram na justiça.
A suspeita, apontada por advogados nos autos, é que parte do patrimônio foi diluída, transferida a terceiros ou ocultada por meio de laranjas.
Outros envolvidos
Fradique não estava sozinho. Em documentos da investigação, há referência direta a pessoas próximas a ele que teriam movimentado recursos.
O irmão, Pedro Fradique de Oliveira, e o sobrinho, Murilo Gonçalves Fradique de Oliveira, também foram denunciados, apontados como sócios e operadores do esquema. As empresas ligadas a eles constam nos autos como responsáveis pela circulação financeira.
O Portal iG tentou contato com as defesas de Samuel Fradique, Pedro Fradique de Oliveira e Murilo Gonçalves Fradique de Oliveira, mas não conseguiu falar com eles e nem com advogados. O espaço segue aberto.
A família é conhecida na cidade e tem atividades diversas, entre elas, de dentistas e também na política.
A reportagem tentou contato com a irmã do acusado, Lu Fradique, ex-prefeita entre os anos de 1993 e 1996. Ela não tem o nome citado no processo, mas foi procurada para saber qual o possível paradeiro de Samuel e se gostaria de se manifestar a respeito do caso, um ano depois do decreto de prisao. Mas ela não foi localizada.
Na Câmara Municipal, o iG tentou conversar com o vereador Mauro Fradique (MDB), sobrinho de Samuel. O intuito do contato foi o mesmo do das tentativas de falar com a ex-prefeita, visto que Maurinho também não tem o nome citado no processo.
Apesar das ligações terem sido para o gabinete, em diferentes dias e horários, o vereador não quis falar com a reportagem.
A assessoria dele informou que o politico, ex-presidente do legislativo municipal, “não era próximo do tio e não tem contato com Samuel há anos” e que “também foi pego de surpresa com as denúncias”
O sumiço de Samuel
O pedido de prisão partiu da 1ª Vara Criminal de Lorena. O juiz alegou risco à ordem pública, prejuízo coletivo e indícios robustos de autoria.
A notícia caiu como pedra no centro da cidade. Mas quando os oficiais chegaram, ele não estava lá há mais de quatro anos.
Samuel Fradique publicou a nota da SFO Holding nas redes sociais
Não havia sinais. Nem passaporte deixado para trás, nem celular largado no canto.
O mandado de prisao foi inserido no BNMP (Banco Nacional de Mandados de Prisão), a base de dados usada por todas as forças policiais do país. Antes disso, porem, ele havia deixado para trás sua rotina e desaparecido, virando um foragido.
Poucas informações das autoridades
O iG procurou todos os poderes e autoridades - judiciárias e policiais - que, em tese, deveriam estar envolvidos nas buscas.
A PRF (Polícia Rodoviária Federal), que costuma localizar foragidos durante fiscalizações nas estradas, informou ao iG não divulgar informações de mandados ou ocorrências relacionadas a prisões. Disse ser uma forma de preservar a chamada “segurança orgânica” de seus procedimentos.
Garantiu que em toda abordagem os policiais acessam o BNMP em busca de nomes de procurados. E que se a pessoa for parada, terá que ser detida.
A Polícia Federal também participa da apuração. O envolvimento da instituição foi solicitado pela reportagem por envolver crimes financeiros de ampla extensão e possível movimentação internacional.
''A PF não confirma nem se manifesta sobre eventuais investigações em andamento'', respondeu a assessoria.
O Portal iG procurou secretarias de segurança pública e/ou policias civis de todos os estados do país para verificar se houve tentativa formal de busca por Samuel Fradique em outras regiões do país.
De 27, apenas nove retornaram, sem detalhes relevantes.
Veja o que cada uma respondeu:
Alagoas: Polícia Civil informou que a documentação foi encaminhada para análise e providências, mas não retornou depois disso.
Distrito Federal:
secretaria disse não ter encontrado informação sobre o caso e pediu para a reportagem buscar informação com a Polícia Civil de SP.
Espírito Santo: informou que trabalha de forma integrada com as polícias civis de todos os estados, com informações e apoio em operações. E afirmou não ter encontrado investigação sobre o caso na Delegacia Especializada de Defraudações.
Mato Grosso do Sul:
secretaria informou possuir uma delegacia especializada em capturas, e pediu para a reportagem procurar a Polícia Civil, que não retornou.
Mato Grosso:
secretaria pediu para enviar email à Polícia Civil, e não houve retorno.
Paraná: informou que não houve contato da polícia de São Paulo, e que segue determinação da Justiça, por meio do Banco de Dados do Mandado de Segurança.
Segundo a polícia paulista informou para a reportagem, quando existe um decreto de prisão, o mandado passa a ser de conhecimento de todas as polícias do pais.
Roraima: Secretaria de Comunicação pediu que a demanda fosse enviada para a Polícia Civil, que não respondeu.
A Polícia Civil de São Paulo, responsável pela investigação, afirmou manter a apuração ativa, em conjunto com o Ministério Público.
Apesar de tantas forças de segurança supostamente envolvidas, além de outros setores públicos, com tecnologia disponível, não foi informada nenhuma pista de Samuel Fradique.
“A polícia, independentemente de qual estado, fica atenta em casos que chamam atenção da mídia e exige resposta rápida, como o maníaco do parque. No caso do Samuel, a polícia segue com a investigação, fica atenta a qualquer denúncia que possa aparecer sobre o acusado, mas o empenho não é o mesmo pelo tempo que já passou. Infelizmente, a vida como ela é” , explica ao iG o advogado Marcos Antônio.
Palpites e versões
Na cidade, surgem versões. Outra comerciante acredita que Samuel possa estar em São Paulo, escondido sob nova identidade.
Há quem diga que ele ainda circula no interior, protegido por uma rede de conhecidos. Nenhuma das versões foi confirmada oficialmente pelas fonts procuradas pela reportagem.
Não há movimentação nas contas bancárias conhecidas do acusado e nem registros em companhias aéreas. Não há pedidos de passaporte recentes.
O CPF dele ainda é válido, mas nenhum contrato formal foi feito em seu nome desde 2020, quando deixou Lorena.
Enquanto o tempo passa, cresce o sentimento de que nada vai mudar.
“As vítimas dificilmente conseguirão reaver esse valor. Acredito até que o próprio Samuel, caso esteja vivo, não tenha perto do que um dia teve. É uma situação muito triste” , explica o advogado.
“Semana que vem regulariza''
Revendo toda a história e verificando o trauma velado que ainda perdura na cidade, difícil acreditar que houve quem defendesse ou acreditasse que Fradique resolveria todas as dívidas. E houve.
O grupo seleto de investidores se transformou numa espécie de comunidade informal, unida por uma crença comum: Samuel Fradique sabia multiplicar dinheiro.
No auge do funcionamento da SFO Holding, ele não precisava mais convencer ninguém. As pessoas se convenciam sozinhas.
As reuniões eram discretas, muitas vezes realizadas fora do ambiente corporativo. Churrascos, encontros em igrejas, conversas de barbearia. Nessas rodas, surgiam os primeiros rumores de quem já estava “colhendo os frutos”.
- “Fulano colocou 20 mil e já tirou 40”
- “Sicrana pagou a faculdade do filho com o lucro”
Quando os primeiros pagamentos começaram a atrasar, a reação não foi de desconfiança — foi de lealdade.
Surgiu no Facebook uma espécie de fé cega que preferia acreditar em explicações vagas a encarar a verdade.
- “Está com problema no banco”
- “É o governo travando”
- “Semana que vem regulariza”
Foi aí que veio o colapso emocional de quem acreditou demais.
Alguns se tornaram obsessivos, mergulhados em fóruns na internet e grupos de WhatsApp, em busca de qualquer nova informação. Outros, tomados pela vergonha, passaram a evitar até amigos próximos.
Advogados que representam essas vítimas relatam casos de tristeza extrema, brigas e decepções.
Uma mulher que aplicou R$ 60 mil — herdados da mãe — recusou auxílio psicológico oferecido por uma ONG local. Disse que não queria falar sobre isso nunca mais. Preferia esquecer e acreditar que ''foi azar''.
Teve quem perdesse R$ 400 mil. Outra família chegou a perder R$ 3 milhões da herança deixada por um familiar.
Ecos do silêncio
No centro de Lorena, o antigo escritório da SFO Holding segue fechada. A derrocada da SFO não destruiu apenas sonhos pessoais.
Na época, houve até preocupação com uma possível falência da cidade, tão grandes foram o baque e a quantidade de pessoas para uma cidade pequena.
Quem lida com o dia a dia dessas feridas é o comércio. Um ex-comerciante local relata ao iG que, nos meses seguintes ao colapso, o volume de cheques sem fundos cresceu.
“Gente que nunca atrasava nada começou a vir negociar dívida com vergonha, com medo, com raiva de si mesma” , diz.
Hoje, quando se fala em Samuel Fradique na cidade, o assunto já não desperta fúria, mas revela cansaço.
“Ele não quis enganar ninguém. Perdeu o controle e fugiu para não ser morto” , declara uma das vítimas.
Um ex-funcionário de Fradique, que não quis ser identificado, acredita que seu ex-chefe desapareceu porque bandidos também fizeram investimentos.
“Se não pagasse, ele iria ser morto. Isso se já não foi, né?” , lamenta.
Ele confessou que também fazia parte dos 7 mil clientes.
Porém, boa parte não acredita na inocência de Samuel.
“Ele é golpista. Enganou todo mundo. Perdi o que eu guardei durante uma vida toda”.
Os bens penhorados ainda não foram liquidados e a estimativa do valor total desviado segue desconhecida.
O que Samuel Fradique deixou para trás foi um tipo de ruína que não se mede em números. Foi a confiança e o orgulho de cidade pequena, o silêncio que ocupa o lugar da vergonha.
E em Lorena, esse silêncio ainda fala alto.