Carnaval e escravidão: o Brasil que chocou e fascinou Charles Darwin
Acervo Rio de Janeiro
Carnaval e escravidão: o Brasil que chocou e fascinou Charles Darwin


No verão de 1832, um jovem inglês desembarcou em Salvador com a cabeça cheia de sonhos e a bagagem repleta de instrumentos científicos. Charles Darwin tinha apenas 22 anos quando pisou no Brasil pela primeira vez, a bordo do HMS Beagle, mas o que testemunhou em terras tropicais marcaria sua vida para sempre.

Estudado ainda hoje, Darwin ficou famoso com a teoria da evolução por seleção natural. Afirmava que espécies mais adaptadas ao local onde estão têm maior probabilidade de sobreviver e passar adiante os genes que as ajudaram a se manter vivas, o que explicaria os milhões de organismos existentes na Terra.

A chegada ao Brasil e o Carnaval

Logo ao chegar, Darwin foi surpreendido pelo clima de festa de rua que tomava conta da cidade. Era Carnaval, e a capital baiana fervilhava de cores, sons e excessos.

Carnaval no largo do Pelourinho em 1910
Brasiliana Fotografica
Carnaval no largo do Pelourinho em 1910


O naturalista tentou se misturar à multidão, mas logo percebeu que não seria uma experiência confortável: foi alvo de brincadeiras que considerou violentas, como bolas de cera cheias de água atiradas sem cerimônia contra os foliões e nuvens de farinha que cobriam pessoas inteiras. Entre risos e sustos, confessou em seu diário:

“É difícil manter a dignidade neste ambiente”.

Mas a cultura brasileira reservava outras surpresas, bem mais sombrias. Quando partiu de Salvador rumo ao Rio de Janeiro, Darwin teve tempo de observar a riqueza quase indescritível da Mata Atlântica.

O verde profundo, os pássaros multicoloridos, os insetos de formas jamais vistas (tudo lhe parecia mágico e inspirador).

Chegou a recomendar ao pai, por carta, que cultivasse uma bananeira na estufa da família na Inglaterra, tamanha a empolgação com a exuberância tropical.

Quintas da Barra, atual Praia do Farol da Barra em 1912
Brasiliana Fotografica
Quintas da Barra, atual Praia do Farol da Barra em 1912


Foi ali que as primeiras reflexões sobre a origem e a diversidade das espécies ganharam força na mente do jovem naturalista.

O choque com a escravidão

Contudo, o fascínio pela natureza brasileira contrastava brutalmente com a realidade social que Darwin encontrou. Em uma época em que a escravidão dominava a economia do país, ele se deparou com cenas que jamais esqueceria.

No interior do Rio de Janeiro, presenciou o desespero de pessoas escravizadas sendo perseguidas por caçadores.

Em Maricá, viu uma mulher, acuada, preferir se atirar de um penhasco a ser recapturada.

Darwin comparou sua coragem desesperada à de “uma matrona romana”, mas ficou chocado com a selvageria daquela sociedade.

Grupo de pessoas, possivelmente escravizadas, na colheita de café em fazenda não identificada, 1882
Instituto Moreira Salles (IMS)
Grupo de pessoas, possivelmente escravizadas, na colheita de café em fazenda não identificada, 1882


Em outra visita, a uma fazenda na região de Conceição de Macabu, testemunhou a ameaça de um fazendeiro de separar cerca de 30 famílias escravizadas como forma de punição, vendendo-as para diferentes senhores. O jovem cientista não conteve a revolta e anotou em seu diário:

“Infame!”.

As críticas à sociedade brasileira

Darwin, que vinha de uma família abolicionista, não tolerava aquela realidade. Para ele, a escravidão era um crime contra a humanidade, e essa indignação se tornaria decisiva em suas convicções sobre a unidade do ser humano.

O Brasil o ajudou a enxergar, ainda mais claramente, que todas as raças pertenciam a uma mesma espécie, partilhando uma ancestralidade comum.

Rio de Janeiro, Avenida Central - 1900
Biblioteca Nacional
Rio de Janeiro, Avenida Central - 1900


Entre abril e agosto, Darwin permaneceu no Rio de Janeiro. Ali, acumulou ainda mais impressões sobre o país. Ficou irritado com a burocracia, denunciou a corrupção e criticou a hospitalidade que considerou fria e arrogante.

Para o jovem britânico, a sociedade brasileira era marcada por desigualdades extremas, ignorância e falta de perspectivas.

Em 3 de julho de 1832, escreveu que não voltaria a pisar num país escravocrata enquanto houvesse tal sistema em vigor.

O impacto duradouro da viagem na teoria evolutiva

Apesar de todo o horror que presenciou, a experiência brasileira plantou sementes poderosas no pensamento de Darwin. Foi ao observar a rica fauna, a imensa variedade de plantas e a profunda diversidade de povos que ele amadureceu suas ideias sobre evolução e seleção natural.

O contraste entre a natureza espetacular e a violência humana lhe mostrou, de forma dolorosa, a complexidade do mundo que pretendia estudar.


A partida do Brasil e a transformação pessoal

Ao deixar o Brasil, Darwin levava consigo amostras científicas, desenhos de plantas, coleções de insetos — e um coração profundamente tocado.

Ele já não era o mesmo jovem que havia chegado para ver o Carnaval de Salvador.

Era agora um naturalista transformado, que tinha encontrado no Brasil não apenas respostas, mas também perguntas que mudariam para sempre a ciência e a forma como entendemos a vida.

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