
No verão de 1832, um jovem inglês desembarcou em Salvador com a cabeça cheia de sonhos e a bagagem repleta de instrumentos científicos. Charles Darwin tinha apenas 22 anos quando pisou no Brasil pela primeira vez, a bordo do HMS Beagle, mas o que testemunhou em terras tropicais marcaria sua vida para sempre.
Estudado ainda hoje, Darwin ficou famoso com a teoria da evolução por seleção natural. Afirmava que espécies mais adaptadas ao local onde estão têm maior probabilidade de sobreviver e passar adiante os genes que as ajudaram a se manter vivas, o que explicaria os milhões de organismos existentes na Terra.
A chegada ao Brasil e o Carnaval
Logo ao chegar, Darwin foi surpreendido pelo clima de festa de rua que tomava conta da cidade. Era Carnaval, e a capital baiana fervilhava de cores, sons e excessos.

O naturalista tentou se misturar à multidão, mas logo percebeu que não seria uma experiência confortável: foi alvo de brincadeiras que considerou violentas, como bolas de cera cheias de água atiradas sem cerimônia contra os foliões e nuvens de farinha que cobriam pessoas inteiras. Entre risos e sustos, confessou em seu diário:
“É difícil manter a dignidade neste ambiente”.
Mas a cultura brasileira reservava outras surpresas, bem mais sombrias. Quando partiu de Salvador rumo ao Rio de Janeiro, Darwin teve tempo de observar a riqueza quase indescritível da Mata Atlântica.
O verde profundo, os pássaros multicoloridos, os insetos de formas jamais vistas (tudo lhe parecia mágico e inspirador).
Chegou a recomendar ao pai, por carta, que cultivasse uma bananeira na estufa da família na Inglaterra, tamanha a empolgação com a exuberância tropical.

Foi ali que as primeiras reflexões sobre a origem e a diversidade das espécies ganharam força na mente do jovem naturalista.
O choque com a escravidão
Contudo, o fascínio pela natureza brasileira contrastava brutalmente com a realidade social que Darwin encontrou. Em uma época em que a escravidão dominava a economia do país, ele se deparou com cenas que jamais esqueceria.
No interior do Rio de Janeiro, presenciou o desespero de pessoas escravizadas sendo perseguidas por caçadores.
Em Maricá, viu uma mulher, acuada, preferir se atirar de um penhasco a ser recapturada.
Darwin comparou sua coragem desesperada à de “uma matrona romana”, mas ficou chocado com a selvageria daquela sociedade.

Em outra visita, a uma fazenda na região de Conceição de Macabu, testemunhou a ameaça de um fazendeiro de separar cerca de 30 famílias escravizadas como forma de punição, vendendo-as para diferentes senhores. O jovem cientista não conteve a revolta e anotou em seu diário:
“Infame!”.
As críticas à sociedade brasileira
Darwin, que vinha de uma família abolicionista, não tolerava aquela realidade. Para ele, a escravidão era um crime contra a humanidade, e essa indignação se tornaria decisiva em suas convicções sobre a unidade do ser humano.
O Brasil o ajudou a enxergar, ainda mais claramente, que todas as raças pertenciam a uma mesma espécie, partilhando uma ancestralidade comum.

Entre abril e agosto, Darwin permaneceu no Rio de Janeiro. Ali, acumulou ainda mais impressões sobre o país. Ficou irritado com a burocracia, denunciou a corrupção e criticou a hospitalidade que considerou fria e arrogante.
Para o jovem britânico, a sociedade brasileira era marcada por desigualdades extremas, ignorância e falta de perspectivas.
Em 3 de julho de 1832, escreveu que não voltaria a pisar num país escravocrata enquanto houvesse tal sistema em vigor.
O impacto duradouro da viagem na teoria evolutiva
Apesar de todo o horror que presenciou, a experiência brasileira plantou sementes poderosas no pensamento de Darwin. Foi ao observar a rica fauna, a imensa variedade de plantas e a profunda diversidade de povos que ele amadureceu suas ideias sobre evolução e seleção natural.
O contraste entre a natureza espetacular e a violência humana lhe mostrou, de forma dolorosa, a complexidade do mundo que pretendia estudar.
A partida do Brasil e a transformação pessoal
Ao deixar o Brasil, Darwin levava consigo amostras científicas, desenhos de plantas, coleções de insetos — e um coração profundamente tocado.
Ele já não era o mesmo jovem que havia chegado para ver o Carnaval de Salvador.
Era agora um naturalista transformado, que tinha encontrado no Brasil não apenas respostas, mas também perguntas que mudariam para sempre a ciência e a forma como entendemos a vida.