Suzane von Richthofen recebeu pensão do INSS pela morte dos pais
Reprodução/Marcelo Gonçalves
Suzane von Richthofen recebeu pensão do INSS pela morte dos pais


Suzane von Richthofen, condenada pelo assassinato dos pais em 2002, está sendo  processada pela Receita Federal após receber mais de R$ 50 mil de pensão pela morte dos pais — que, segundo a Justiça, ela mesma orquestrou.

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Entre 2002 e 2004, enquanto estava presa, ela recebeu uma pensão do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Uma ação do Ministério Público Federal (MPF) exigiu o ressarcimento do valor, que chegou a R$ 52.993,30, uma vez que não fazia sentido a assassina se beneficiar do crime.

A cobrança judicial se arrastou por anos até que, em 2013, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal ( STF), determinou que Suzane devolvesse a quantia. Ela, por sua vez, disse que o dinheiro já havia sido gasto e não poderia devolver. As informações foram obtidas na última semana pelo O Globo.

Quando a Justiça pode bloquear uma herança?

advogado posando pra foto
Arquivo pessoal

Advogado Kevin de Sousa, especialista em direito da família

Em entrevista ao Portal iG, o advogado Kevin de Sousa, sócio do Sousa & Rosa Advogados e especialista em Direito de Família e Sucessões explicou que a legislação brasileira é clara ao excluir da sucessão os chamados herdeiros indignos.

Sousa aponta que o artigo 1.814 do Código Civil estabelece que é excluído da sucessão o herdeiro condenado por homicídio doloso, ou tentativa deste, contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente. "Essa é uma das formas clássicas de indignidade sucessória", afirma.

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Já o art. 1.815 da mesma lei define que essa exclusão não é automática — ela depende de provocação judicial, seja por herdeiro interessado ou pelo Ministério Público. "Ou seja, mesmo diante de um crime, é necessária uma ação de indignidade com sentença transitada em julgado para que o herdeiro seja formalmente excluído da herança", afirma o especialista.

No caso de Suzane, que teve a condenação definitiva em 2006, Sousa diz que deveria ter sido ajuizada uma ação de exclusão por indignidade, "o que aparentemente não ocorreu de forma eficaz à época".

"Há duas hipóteses possíveis: o processo de inventário dos pais de Suzane foi concluído sem que a exclusão por indignidade fosse discutida, o que é grave; ou ela foi beneficiada por pensões, ou valores vinculados ao INSS (e não diretamente à partilha de bens), o que também merecia bloqueio imediato, dadas as circunstâncias do crime", pontua o advogado.

A Lei 13.523, aprovada pelo Senado em 2017, dá poder ao Ministério Público para que ele deserde o herdeiro ou legatório que comete homicídio doloso ou tentativa de homicídio contra aquele que deixa os bens. O texto da norma se baseia justamente no caso von Richthofen.

A Justiça de São Paulo determinou que o patrimônio da família, calculado em mais de R$ 3 milhões à época do crime, fosse entregue somente a Andreas Albert Von Richtofen, irmão de Suzane.

Processo longo

Suzane von Richthofen recebeu pensão do INSS indevidamente
Reprodução
Suzane von Richthofen recebeu pensão do INSS indevidamente

No caso do pedido feito pelo MPF à Justiça, que demorou a ser aceito e expedido pelo STF, Kevin de Sousa observa que a demora pode ser explicada por três fatores principais:

  1. A complexidade da tramitação entre Justiça Estadual (responsável pela sucessão) e a Receita Federal (responsável pelos tributos e declarações patrimoniais);
  2. Uma possível omissão no cruzamento automático de dados entre o INSS, Receita Federal e Judiciário;
  3. A falta de acionamento formal por parte dos herdeiros legítimos ou Ministério Público à época da condenação.
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"Ou seja, ainda que o fundamento legal existisse, faltou uma ação coordenada para aplicar a exclusão de forma eficaz — o que só veio a ser objeto de atenção da Receita Federal recentemente, no contexto de apurações sobre valores recebidos e declarações indevidas de imposto de renda", complementa.

Pensão por morte

A pensão paga pelo INSS em casos de morte é gerada a partir de um requerimento feio pelo dependente, que pode ser o cônjuge, filho menor ou inválido, entre outros. Caso cumpra os requisitos legais, passa a receber o benefício, segundo Sousa.

Mesmo no caso da pensão, há  impedimento legal para que a pessoa que tenha contribuído para a morte do instituidor do benefício não receba o benefício.

"O artigo 74, 1º parágrafo da Lei 8.213/91, expressamente determina que, havendo suspeita de crime doloso praticado pelo beneficiário contra o segurado, o benefício deve ser suspenso até o esclarecimento. No caso de Suzane, o INSS já deveria ter bloqueado qualquer pagamento desde a condenação por homicídio qualificado dos próprios pais", afirma o especialista.

Como acontece o cancelamento da herança?

Segundo o advogado, a exclusão do herdeiro por indignidade precisa ser solicitada na Justiça. Para a ação, o prazo é de quatro anos a partir da abertura da sucessão ou do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme o Código civil.

Sobre a pensão previdenciária, Sousa explica que o INSS pode suspender o benefício se houver suspeita, mas o cancelamento definitivo só acontece depois da investigação e, muitas vezes, após um pedido externo, como do Ministério Público ou de familiares.

Quem recebe uma herança ou benefício previdenciário indevidamente — como Suzane — pode ser condenado a devolver os valores com correção monetária e encargos. Caso não faça isso voluntariamente, a cobrança pode ser feita na Justiça, com medidas como penhora de bens e bloqueio de contas. 

Além disso, no caso de benefícios previdenciários, o INSS e a Receita Federal podem aplicar multas, juros e até abrir processos administrativos ou criminais por fraude, explica Sousa. Se os valores devolvidos forem de herança, eles voltam ao espólio e são redistribuídos entre os herdeiros legítimos. 

Já se forem benefícios pagos irregularmente pela previdência, o dinheiro retorna aos cofres públicos. No caso de Suzane, é preciso verificar se o valor recebido veio do patrimônio dos pais ou da previdência. No primeiro caso, o irmão ou outros herdeiros poderiam reivindicá-lo. No segundo, ele volta para a União.

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