
Uma atividade prática em sala de aula terminou em um escândalo de saúde pública em Laranja da Terra, na Região Serrana do Espírito Santo. Quarenta e quatro alunos de uma escola estadual precisaram de atendimento médico após o professor de Química utilizar a mesma agulha para coletar sangue de todos os estudantes. O caso aconteceu na última sexta-feira (14).
Os alunos, com idades entre 16 e 17 anos, cursam o 2º e 3º ano do Ensino Médio. A prática imprudente levou à demissão do professor. O Portal iG entrou em contato com a Secretaria de Educação (Sedu), que afirmou que os alunos estão bem e já estão frequentando as aulas normalmente. Todos os estudantes foram submetidos a testes rápidos de diagnóstico de infecção, com resultados negativos para todas as doenças testadas. Na manhã desta terça-feira (18), estão sendo realizados testes complementares para testar a imunidade contra hepatite B e C.
A Secretaria Municipal de Saúde (Semus) e a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) realizaram uma reunião para definir os protocolos a serem seguidos, a fim de acompanhar de perto a saúde dos alunos, que serão submetidos a novos testes em 30 dias.
A escola também decidiu promover um encontro com pais e alunos, que contou com a presença da Semus, para prestar esclarecimentos.
Os adolescentes relataram à polícia que a atividade fazia parte da disciplina de Práticas Experimentais em Ciências e tinha o objetivo de demonstrar como identificar o tipo sanguíneo de cada um. No entanto, a atividade foi realizada sem a devida autorização da coordenação pedagógica.
O nome da instituição de ensino não foi divulgado para preservar a identidade dos envolvidos.
Consequências à saúde
Em entrevista ao Portal iG, Alexandre Naime Barbosa, chefe do Departamento de Infectologia da Unesp e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, explicou os riscos da prática e as potenciais consequências à saúde dos estudantes.
“O compartilhamento de agulhas utilizadas para punção digital, quando não devidamente descartadas, representa um risco significativo para a transmissão de infecções graves, como HIV, hepatite B (HBV) e hepatite C (HCV). Esses vírus podem ser transmitidos pelo contato com sangue contaminado presente na agulha, mesmo que em quantidades microscópicas. Como essas doenças possuem um alto potencial de transmissão por via sanguínea, a reutilização do dispositivo, mesmo entre pessoas aparentemente saudáveis, pode resultar na disseminação dessas infecções.”
Além das hepatites virais, o HIV é uma das maiores preocupações em casos de exposição ao sangue contaminado. O especialista detalhou os impactos da infecção pelo vírus e ressaltou a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado:
“O HIV compromete progressivamente o sistema imunológico, atacando as células de defesa do organismo, especialmente os linfócitos T CD4+. Sem diagnóstico e tratamento adequados, a infecção pode evoluir para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), caracterizada por infecções oportunistas e neoplasias associadas à imunossupressão, como tuberculose, pneumonia por Pneumocystis jirovecii e alguns tipos de câncer, como o sarcoma de Kaposi.
Se não tratado, o HIV pode levar à falência do sistema imunológico e ao óbito, geralmente devido a complicações infecciosas ou neoplásicas. No entanto, com a terapia antirretroviral (TARV), é possível controlar a replicação viral, preservar a imunidade e oferecer uma expectativa de vida próxima ao normal.”
O infectologista também destacou os perigos das hepatites B e C, que podem causar danos irreversíveis ao fígado ao longo dos anos:
“A hepatite B (HBV) e a hepatite C (HCV) são infecções virais que afetam o fígado e, quando não diagnosticadas e tratadas, podem evoluir para fibrose hepática, cirrose e carcinoma hepatocelular (câncer de fígado). A hepatite B, além do risco de cronificação, pode causar hepatite fulminante em alguns casos, levando à insuficiência hepática aguda e morte.
Já a hepatite C tem um alto potencial de evolução para a forma crônica, com cerca de 70% dos casos tornando-se persistentes, e até 30% dos infectados desenvolvendo cirrose ao longo de 20 a 30 anos. Pacientes com cirrose apresentam um risco elevado de insuficiência hepática e câncer, condições potencialmente fatais se não forem tratadas com antivirais eficazes ou, em estágios avançados, com transplante hepático.”