Conselho Nacional de Justiça recebeu uma denúncia e pedido de providências contra a Brasil Trustee
Lucas Castor/Agência CNJ
Conselho Nacional de Justiça recebeu uma denúncia e pedido de providências contra a Brasil Trustee

A Brasil Trustee Assessoria e Consultoria, que atua como administradora judicial, está sendo investigada pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão foi do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o motivo são supostas práticas fraudulentas e conduta ilegal na gestão de empresas em Recuperação Judicial (RJ) no Estado de São Paulo. A Brasil Trustee já operou em pelo menos 160 processos de RJ em vários estados do país e chega a trabalhar em 50 deles simultaneamente.

Em abril deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu uma denúncia e pedido de providências contra a Brasil Trustee de uma das empresas em RJ administradas por ela, a Agropecuária Tuiuti, detentora da marca “Shefa”. 

Entre os possíveis atos ilícitos cometidos pela administradora estaria a cobrança de honorários “exorbitantes”. No caso da Tuiuti, o valor foi definido pela própria Brasil Trustee em mais de R$ 110 mil.

"Até a presente data, superado o prazo legal de dois anos para a recuperação, a Administradora Judicial já recebeu a fortuna de R$ 6.994.154,23, e vem insistindo em cobrar mais honorários, sob ameaça de noticiar inadimplência e promover a falência da Recuperanda, ora Requerente, em manifesto abuso de direito, ato ilícito, nos termos do artigo 187 do Código Civil", cita a decisão do CNJ.

A cobrança excessiva não é a única irregularidade denunciada. Estão incluídos a destituição dos sócios gestores — substituídos por gestores judiciais que atuariam em conjunto com a Brasil Trustee —, o afastamento da equipe jurídica e a contratação de novos advogados e fornecedores sem a devida autorização legal. Por fim, haveria a postergação do próprio processo de recuperação judicial e, em alguns casos, o consequente pedido de falência. 

“Há uma espécie de ‘empresa da insolvência’, em que a Administradora Judicial ganha por intermédio de honorários exorbitantes e o Gestor Judicial ganha não apenas seus honorários, mas a partir dos contratos e contratações que celebra, todos eles sem passar pelo crivo do Judiciário, apresentando-se aos autos apenas quando já formalizados”, afirma o documento que deu início ao processo no CNJ. 

Ao determinar que a Corregedoria-Geral de Justiça do TJSP realizasse a apreciação da denúncia e apuração dos fatos, o CNJ salienta na decisão que "a Corregedoria Nacional de Justiça doravante monitorará, de forma online e remota, o andamento de todas as apurações disciplinares em face dos magistrados".  Procurado pelo portal iG , o Tribunal de Justiça, por meio de sua assessoria de imprensa, informou via telefonema que não comenta processos em andamento. 

O CNJ ainda determinou, de forma cautelar, a suspensão do pagamento dos honorários da Brasil Trustee Assessoria e Consultoria pela Agropecuária Tuiuti.  

Mesmo sendo apresentado pela Tuiuti, o documento enviado ao CNJ cita outros 13 processos de RJ instaurados entre 2016 e 2023, no interior de São Paulo. São empresas em Amparo, Artur Nogueira, Assis, Campinas, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Osasco, Paulínia, Santa Bárbara D’Oeste, São Caetano do Sul, Sumaré e Taubaté. Todos os processos contam com a Brasil Trustee como administradora e com as mesmas supostas ilegalidades. 

Além da Brasil Trustee, são citadas no mesmo documento a Neaime Capital Apoio Administrativo (B2GROW), a FK Consulting Pro Consultoria Empresarial e a Delazari, Berni e Iatarola. 

Atualização: Após a publicação da reportagem, o DBI Advogados entrou em contato com o portal iG para informar que “o escritório nunca teve relação de parceria com qualquer administradora judicial, nem exerce atividades dessa expertise, não fornecendo gestores ou tomando qualquer decisão relacionada à empresa. Em nenhum dos casos mencionados participamos de atividades com a Brasil Trustee”.

Via nota, os advogados argumentam que a banca foi citada por um equívoco, já que prestavam serviços advocatícios a uma empresa em RJ no município de Mogi Mirim e não atuaram como gestor judicial, "sendo totalmente equivocada tal colocação", declaram.

Entenda o suposto esquema

Empresas que entram em recuperação judicial estão passando por dificuldades financeiras e por isso solicitam na Justiça condições especiais para se recuperar. Elas deixam de pagar suas dívidas, mas apresentam ao Poder Judiciário e aos credores um Plano de Recuperação (PR) que deve ser seguido rigorosamente. 

Para garantir que isso ocorra, o juiz responsável por aquele processo de RJ define uma “administradora judicial” que vai fiscalizar a gestão da empresa e garantir que ela está tomando as providências para cumprir os compromissos acordados no PR. 

Caso a administradora identifique falhas ou tentativas de fraudes financeiras, ela solicita ao juiz o afastamento dos sócios e a determinação de um Gestor Judicial, que passa a tomar todas as decisões pela empresa e é, igualmente, fiscalizado pela administradora. Tanto o Gestor como a Administradora Judicial devem prestar contas ao juiz responsável.

Possível conluio

Para os denunciantes, a Brasil Trustee trabalha em conluio com o Gestor Judicial para alongar o processo de RJ e continuar recebendo os honorários, ou ainda, para defender interesses de outras empresas. Com essas práticas, consideradas ilegais pelos advogados, o processo de recuperação judicial se estende e pode ainda levar à falência. 

No caso da J. Rufinus Diesel, empresa de reciclagem de veículos e atuante no mercado de peças de reposição seminovas para caminhões de linha pesada, a falência quase virou uma realidade. Foi necessário chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para anular a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia transformado o processo de recuperação judicial, que começou em 2016, em falência. 

Até o ano passado, o processo de RJ da empresa de reciclagem de veículos seguia dentro da normalidade. Porém, no segundo semestre de 2023, surgiram denúncias de fraude de um dos credores da empresa. Com isso, ocorreu a troca da juíza responsável pelo processo e do Administrador Judicial. É nesse momento que a Brasil Trustee assume a administração judicial da JR Diesel.

Em dezembro de 2023, a gestão da empresa, incluindo o empresário Geraldo Rufino, que é palestrante e autor de livros como “O catador de sonhos”, foi afastada. Em seu lugar, a FK Consulting Pro Consultoria Empresarial foi definida como Gestora Judicial. 

Troca de advogado

Com a alegação de que o departamento jurídico da J. Rufinus Diesel não respondia às demandas do Gestor, a equipe foi afastada e o advogado Rodrigo Sartori contratado pela FK em janeiro deste ano.

“Houve o afastamento dos sócios em dezembro, por haver indícios de fraude contra credores. Além disso, a advogada da empresa se ausentava e não apresentava as informações necessárias para o andamento dos procedimentos internos da empresa. Foi assim que a Gestora Judicial entendeu que era necessário um advogado presente no dia a dia da empresa, quando fui inserido”, conta o advogado que seguiu na empresa até maio. Sartori ainda afirma que não notou qualquer ato irregular da Brasil Trustee ou da FK Consulting Pro. 

A JR Diesel tem outra versão dos fatos. A empresa afirma que as alegações de desvio de recursos são infundadas e visam apenas causar tumulto processual. Também de acordo com a JR Diesel, Sartori atuou por um curto período no processo de recuperação judicial. Para os representantes da JR, o afastamento da advogada foi “uma estranha decisão da própria FK com o intuito de afastar todo o corpo jurídico da empresa, e não porque houve falta de amparo ou atendimento”.

Sobre Rodrigo Sartori, a JR Diesel informa, via nota enviada ao portal iG , que “ele atuou em claro conflito de interesse ao representar simultaneamente a Gestora Judicial e a Recuperanda, e que não havia autorização judicial para isso”. A JR também informa que o advogado foi desligado um dia antes da Assembleia Geral de Credores, quando 96% dos presentes solicitaram o afastamento da FK Consulting como Gestora Judicial. “Portanto, entendemos que suas declarações são uma clara retaliação por meio de mentiras e atos ilegais”, diz a nota.

“Reforçamos nossa confiança no equilíbrio e na imparcialidade da justiça brasileira para que tudo, através dela, restabeleça suas devidas e justas posições”, finaliza a empresa.

Outro lado  

Sócio Diretor da Brasil Trustee Assessoria e Consultoria, Filipe Marques Mangerona, afirma que sua empresa está sendo denunciada justamente por seguir o rigor da lei. 

“Somos os olhos do juiz dentro das empresas devedoras. Temos por dever legal, no exercício de nossa atividade fiscalizatória, levar as informações obtidas no exame de documentos contábeis, fiscais e jurídicos, nas diligências que realizamos, para o Poder Judiciário, o Ministério Público e para os credores sujeitos à recuperação judicial, proporcionando transparência ao processo”, afirma Mangerona.

Ele explica que, ao identificar fraudes, o Poder Judiciário afasta os gestores fraudadores e nomeia um Gestor Judicial, um profissional raro no mercado. “(Isso) faz com que a Brasil Trustee atue, em alguns casos, com os mesmos gestores judiciais, um exemplo é a FK Consulting Pro”, diz.  Mangerona finaliza dizendo que “não existe, em absoluto, ligação entre a nossa empresa e qualquer empresa de gestão judicial”.

Frank Koji Migiyama, fundador da FK Consulting Pro, afirma que 60% dos projetos em que atua são com empresas em recuperação judicial. Ele também diz que o trabalho do Gestor Judicial é auxiliar os empresários na recuperação financeira das empresas. 

“Em alguns casos, fraudes são detectadas durante o processo, levando ao afastamento do administrador da empresa. Isso faz com que seja gerada uma certa raiva com relação ao administrador judicial, e ocorram essas denúncias”, avalia Migiyama. 

Quando perguntado sobre a relação com a Brasil Trustee, ele também esclarece que atua com gestão judicial desde 2017 e que o primeiro trabalho com essa administradora foi em 2021. “Nós trabalhamos em conjunto, mas temos nossas divergências. Assim como o gestor judicial fiscaliza as empresas, somos fiscalizados pela administradora judicial”, conclui.

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