Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente da Guiana, Irfaan Ali
Montagem iG / Imagens: Fotos Públicas e Freddie Everett/ Public Domain
Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente da Guiana, Irfaan Ali


Nos últimos dias as disputas entre a Venezuela e a Guiana pela região fronteiriça do Essequibo chamou a atenção do mundo, e deixou o Brasil em alerta, visto que a área disputada pelos países faz fronteira com estados do Norte brasileiro. Com a escalada da tensão diplomática, é normal que ocorra certa apreensão, além de dúvidas, sobre os possíveis impactos dessa “queda de braço” para o Brasil. 

Na avaliação do Professor Titular de Política Internacional da UFPE, Marcelo de Almeida Medeiros, o tensionamento desta antiga disputa é muito ruim para o Brasil, e para a América Latina como um todo. Contudo, ele alerta para a necessidade de distinguir um conflito diplomático de um confronto armado.


“O caso da região do Essequibo é antigo, um problema potencial que estava ‘em banho-maria’, negociado tipo a conta-gotas. O problema agora é que há uma potencialidade - pequena - que isso saia da esfera diplomática e passe para uma esfera bélica. Isso é muito ruim para a América do Sul como todo, especialmente para o Brasil, devido às fronteiras que o país possui tanto com a Guiana, quanto com a Venezuela”, disse o professor. 

Ele complementou o raciocínio explicando que no caso de um confronto armado, as consequências seriam desastrosas no aspecto econômico, trazendo a imagem de insegurança para a região da América Latina - hoje vista como livre de confrontos, salvo algumas tensões pontuais - e piores ainda para a população que vive junto às fronteiras.

Questionado se enxerga um risco alto de confronto, Marcelo de Almeida declarou que a hipótese de um conflito bélico é pequena, visto que a Venezuela não contaria com o apoio brasileiro para conseguir invadir a Guiana a partir do nosso território, e os Estados Unidos iriam apoiar o país adversário.


Avaliando a reação do Brasil frente ao problema que se desenrola na fronteira norte, o professor Marcelo criticou o nível de aproximação do governo Lula com a Venezuela, visto que Maduro é um líder autoritário, mas destacou que esse “trânsito livre” facilita a mediação do conflito. 

“Há uma simpatia muito grande do governo Lula em relação ao governo Maduro. Essa simpatia tem sido criticada por governos de esquerda da América Latina. Contudo, por ter esse canal muito aberto com Maduro, o Brasil surge como um intermediário importante, que também nunca teve problemas com a Guiana”.

Afinal, o que está em jogo?

Um questionamento muito pertinente nesse contexto repousa nas intenções e motivações do atual presidente da Venezuela para reacender um imbróglio diplomático que estava parado. 

De acordo com o professor Marcelo de Almeida Medeiros, a resposta vai desde sobrevivência política até interesses econômicos nas riquezas naturais presentes em Essequibo, como ouro e petróleo, por exemplo. 

“[Maduro cria] um inimigo externo para fazer convergir a sociedade venezuelana. Você cria ou amplifica algo externamente, e a partir do surgimento desse ‘Leviatã’, há uma solidificação social maior e as pessoas esquecem muitas vezes, dos problemas que estão sendo vivenciados internamente. Maduro está se sentindo sufocado, pressionado por muitos lados, e essa é uma forma de permanecer no poder”.

Muitos podem se perguntar por qual razão os cidadãos venezuelanos sentem que Essequibo é uma área que, por direito, deveria fazer parte de seu país. A raiz dessa questão é histórica, e vem do período de colonização da América Latina.

O professor Marcelo de Almeida explica que há um princípio diplomático chamado “Uti possidetis”, que estabeleceu que as fronteiras na América Latina foram traçadas, majoritariamente, em função da presença e ocupação do território. 

“A região do Essequibo transitou entre o domínio colonial espanhol, holandês e, por fim, britânico. Antes da independência de 1966, houve diálogo entre o Reino Unido e a Venezuela, estabelecendo que a posse da região do Essequibo seria novamente discutida. Sem uma solução nas negociações, a questão foi levada à ONU. Em 2018, a ONU se declara incompetente para decidir a questão e remete à Corte Internacional de Justiça.

A Corte não deu um veredicto, só disse que a Venezuela não pode invadir a Guiana. Ou seja, indiretamente ela reconhece o status quo, e estimula que o diálogo continue.”

Por fim, temos o fator econômico, que tem um peso muito considerável nessa equação. “A pergunta é: ‘se Essequibo não tivesse petróleo como tem, Maduro faria a mesma coisa?’. No meu entendimento? Sim, ele faria. Muitas matérias-primas relevantes podem ser encontradas nesse espaço territorial, obviamente isso reforça o interesse da Venezuela de trazer esse território para si.” 

Reunião bilateral

Na quinta-feira (14), os presidentes de ambos os países se reuniram num encontro mediado pelo Brasil, na figura do embaixador Celso Amorim, que estava, nas palavras do professor Marcelo, “fazendo o meio de campo diplomático para que o conflito não extrapole para o campo bélico”.

Após o encontro, Celso Amorim declarou à CNN Brasil que houve avanços significativos nas negociações entre Venezuela e Guiana, ressaltando que ambos os países renunciaram à ameaça de uso da força, o que contribuiu para conter a escalada de tensão na região. 

Ao final da reunião, Nicolás Maduro agradeceu ao presidente da Guiana, Irfaan Ali, pela sua “franqueza e disponibilidade para se envolver diretamente num amplo diálogo sobre todas as questões abordadas”. 

Ele também falou em “levantar as nossas razões históricas e procurar, com a Diplomacia Bolivariana da Paz, o caminho do diálogo e da compreensão para canalizar esta controvérsia histórica”.

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