A contribuição africana para o cristianismo ocidental ainda precisa ser valorizada
FreePik
A contribuição africana para o cristianismo ocidental ainda precisa ser valorizada

A origem do cristianismo na África é um tema fascinante e pouco conhecido, útil para evitar uma visão limitada dessa tradição religiosa e para evitar revisionismos históricos.

A conversa começa pela necessidade de entender que a África exerceu um papel decisivo na formação da cultura cristã; conquistas intelectuais decisivas do cristianismo foram exploradas e compreendidas primeiro no continente africano antes que na Europa e na América.

O Cristianismo na África tem uma história muito mais longa do que suas expressões ocidentais ou europeias. A forma profunda com que os professores africanos moldaram o mundo nunca foi adequadamente estudada ou reconhecida, nem no Norte nem no Sul do globo.

O cristianismo não teria sua vitalidade atual em dois terços do mundo sem a compreensão intelectual que foi desenvolvida na África entre os anos 50 e 500 d.C. A pretensão de estudar a história da igreja sem levar em conta a história da igreja africana é inviável, mesmo que tenha sido comum nos últimos cinco séculos, o que causaria estranheza durante os primeiros cinco séculos, quando a mente africana era altamente honrada e imitada. A busca por equilíbrio na história ocidental permanecerá deformada e distorcida até que isso aconteça.

Com efeito, o cristianismo primitivo foi moldado de forma significativa pela imaginação que brotou do solo africano. Ela carrega as marcas das análises filosóficas, da percepção moral, da disciplina e das interpretações das Escrituras que floresceram primeiro na África antes de chegarem a outro lugar. As sementes se espalharam começando pela África.

É historicamente correto dizer que o cristianismo também é uma religião de matriz africana, razão pela qual não nos referimos a outras tradições religiosas dessa forma. A África é responsável por inúmeras tradições religiosas!

Os cristãos na África estão florescendo
A população cristã está predominantemente localizada no hemisfério sul. Isso já foi amplamente demonstrado pelas pesquisas sociológicas e demográficas. Os europeus e norte-americanos estão percebendo que o futuro do cristianismo reside mais ao sul do equador. Embora seja o lugar onde mais cristãos são assassinados, é na África onde hoje há mais conversões ao cristianismo. Lá, não só há um passado de dois milênios de cristianismo como também um futuro promissor.

Ainda assim, os cristãos e estudiosos não têm tido muitas oportunidades de apreciar ou aprender a verdadeira história do cristianismo na África. A solução está em uma investigação histórica de qualidade superior, e não em uma história precipitada ou na manipulação ideológica da evidência histórica.

O cristianismo não chegou na África com os colonizadores, mas séculos antes. Aliás, o primeiro pensador a ir contra a escravidão foi justamente um cristão, Agostinho de Hipona, baseado na Imago Dei, e o maior adversário da escravidão colonialista, William Wilberforce, agia por razões cristãs.

Sobre o tema, vale a leitura do livro "Quão africano é o Cristianismo", do Dr. Thomas C. Oden, publicado pela Editora Quitanda, que é excelente para entender a dimensão e a profundidade da contribuição africana para o cristianismo.

Não somente os ocidentais, mas tragicamente muitos acadêmicos africanos e líderes de igrejas têm ignorado seus mais antigos ancestrais africanos cristãos. Alguns deles têm focado tanto em condenar a história missionária colonialista do século XIX, que nem mesmo chegaram a contemplar a importância de sua própria herança intelectual patrística africana pré-moderna. Mesmo os defensores do nacionalismo negro, que exaltam todos os outros aspectos imagináveis da tradição africana, parecem ignorar sistematicamente esta dádiva legada pela patrística africana.

Os cristãos africanos e seus descendentes merecem ter um meio muito mais acessível de compreender o cristianismo primitivo africano: a sua fé, coragem, tenacidade e força intelectual marcante.

Como a intelectualidade africana moldou o Ocidente
Há um cristianismo pré-colonial africano que não depende nem de fontes ocidentais nem europeias. É uma tradição intelectual escrita rica e detalhada da mais alta qualidade.

No período de sua maior vitalidade, a primeira metade do primeiro milênio, o intelecto africano floresceu tanto que era procurado e altamente valorizado por cristãos nas margens setentrional e oriental do Mediterrâneo. Origenes, um africano, foi procurado pelos mestres da Cesareia Palestina. Lactâncio foi convidado pelo imperador Diocleciano (245-313) a ser professor de literatura em seu palácio asiático na Bitínia. Agostinho foi convidado para ensinar em Milão. Há diversos casos semelhantes de movimentos intelectuais da África para a Europa — entre eles: Plotino, Valentino, Tertuliano, Mário Victorino e Pacômio.

Os cristãos na África estavam informando, instruindo e educando os melhores professores siríacos, capadócios e greco-romanos. Essa liderança intelectual amadureceu de tal modo que influenciou e moldou de modo geral os modos de interpretação das Escrituras.

A concepção equivocada comum é diametralmente oposta: a de que a liderança intelectual, de maneira geral, se deslocou do Norte para o Sul, da Europa para a África. Mas na história cristã, ao contrário desse pressuposto comum, o fluxo de liderança intelectual pode ser demonstrado a partir da África para a Europa – do Sul para o Norte. Portanto, a contribuição intelectual africana para o cristianismo ocidental ainda precisa ser trazida à tona, se quisermos entender com profundidade e diversidade a bela história do cristianismo e da espiritualidade na África.

*William Douglas, brasileiro, é professor de Direito Constitucional e Mestre em Estado e Cidadania.

*Tomás Camba, angolano, é professor de Filosofia e Teologia, ensaísta e mestrando em Educação Artes e Cultura (Mackenzie – SP).

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!