‘O mundo ficou pequeno”. Essa é a principal mudança que o aposentado Antônio Valdevino, 88 anos, vê ao comparar seus tempos de juventude com a atualidade:
"Antes, a gente não sabia nada de China, Japão. Agora sabe na hora", diz ele que saiu, nos anos 1950, do interior da Paraíba, aos 18 anos, para tentar a vida no “Sul Maravilha”, onde formou uma família que sintetiza as transformações do Brasil nas últimas décadas.
Antônio chegou ao Rio para trabalhar numa obra. Fez a transição para a cidade com a massa de migrantes que abandonou o campo e fez a população urbana passar de 36,2% em 1950, para 84,3% em 2010, data do último Censo.
A mulher dele, Alzira Valdevino, também de 88, veio na mesma época, mas de Belém do Pará, com a promessa de trabalhar como secretária.
Só quando já estava no Rio, soube que seria babá. Mas logo conseguiu um emprego como vendedora de loja e passou a fazer bordados.
"Cheguei a fazer bordados nos vestidos de Elza Soares e Eva Wilma", lembra.
Valdevino ajudou a construir Brasília, inaugurada em 1960. Já era mais especializado na construção e cuidou do acabamento do Palácio do Planalto.
Voltou ao Rio e viu no trabalho de porteiro uma oportunidade para poupar o dinheiro do aluguel para comprar uma casa própria. Era comum os prédios oferecerem moradia para o funcionário e a família. Ela servia de abrigo para os conterrâneos que chegavam da Paraíba:
"Eu não tinha quarto. Sempre que vinha alguém da Paraíba, dormia no meu. Meu pai ajudava a pessoa a arrumar emprego. Espalhou porteiros da sua terra nos prédios da Praia do Flamengo inteira", lembra Andréa Valdevino, filha do casal, síndica profissional e corretora de imóveis.
Mais escola, menos filhos
Algumas décadas depois, ele conseguiu comprar o apartamento em que a família vive, no Catete, na Zona Sul do Rio. Além da filha Andréa e mais um filho, o casal tem a companhia das netas Júlia, de 19 anos, e Mariana, de 17. Ambas terminando o ensino médio e pensando na faculdade.
Antônio Valdevino cursou o correspondente à primeira fase do ensino fundamental. Quando era criança, o pai deixou a mãe dele sozinha com mais sete irmãos. Eles foram do interior de Pernambuco para a Paraíba, para se juntar à família do pai dela, a pé. Ele não conseguiu avançar mais na sala de aula.
"Precisava trabalhar", conta Valdevino, que contraiu poliomielite na infância, doença que deixou sequelas na perna e braço esquerdos. "Você só estudava se não tinha trabalho para fazer".
Alzira, fora da curva na época, terminou o que seria o ensino médio. Por isso, administrava as finanças da casa, lembra Andréa. Nesse quesito, a comparação entre as gerações da família Valdevino ilustra bem o salto dos últimos anos no Brasil.
Apesar da qualidade da educação ainda ser baixa e haver atraso escolar, a média do número de anos de estudo no país subiu de dois na década de 1960 para quase nove anos em 2018, segundo mostra o demógrafo José Eustáquio Alves, em no livro “Demografia e Economia nos 200 anos de Independência do Brasil”, que escreveu juntamente com Francisco Galiza.
Valdevino vem de uma família de oito filhos. Com Alzira, teve dois, mas ela diz que o casal “não teve mais porque Deus não quis”. Andréa teve Júlia e Mariana, que são categóricas ao afirmar que não querem ter filhos.
"Ter filho com o mundo desse jeito. Prefiro não ter", afirma Júlia, seguida pela irmã Mariana, que quer investir na carreira e estudar fora.
Essa percepção sobre filhos aparece nas estatísticas. O principal fator responsável pelo encolhimento da população é a forte queda da taxa de fecundidade, que passou de 6 filhos por mulher para 1,7 em pouco mais de meio século. Resultado da entrada da mulher no mercado de trabalho e os meios contraceptivos mais eficazes.
E agora vem aumentando a parcela de famílias que decidem não ter filhos.
Júlia já trabalha e acabou de terminar um contrato de jovem aprendiz. Diz que vai fazer faculdade de Administração ou Biologia Marinha, mas dá mais valor ao trabalho, que concorre com a educação pela atenção do jovem:
"Tem que viver a vida".
A lembrança da inflação galopante ainda é vívida na memória de Alzira. Bordadeira, ela conta que o preço da linha era um no inicio da Rua da Alfândega (no Centro do Rio) e já tinha subido quando chegava no fim da rua.
Júlia e Mariana não têm ideia do que é esse cotidiano. Antes de elas nascerem, nos anos 1990, a inflação brasileira chegou a 5.000% ao ano. Os atuais 10% assustam uma geração que só conviveu com uma moeda e inflação de um dígito.