Autorizada a voltar para casa, após decisão judicial publicada nesta terça-feira (21), a menina de 11 anos impedida de realizar um aborto legal, após ter sido vítima de estupro em Santa Catarina, quando ainda tinha 10, poderá enfim deixar o abrigo onde estava mantida desde o último dia 9 de maio, por conta de uma medida protetiva.
No despacho onde ordenou a ida da criança ao abrigo, além de minar o risco de a mãe levá-la para interromper a gestação – que é um direito dela, garantido por lei –, a juíza Joana Ribeiro Zimmer também justificou que tirá-la de casa a protegeria do convívio com o agressor. O GLOBO, portanto, questionou a advogada da família, Daniela Felix, sobre esse possível risco. A defesa não pode se manifestar quanto às investigações, mas garante que o suspeito não vive ou frequenta o local.
"Ela não corre nenhum risco. A mãe é casada e vive com um companheiro que é padrasto da criança, uma pessoa que ela tem como um pai, já que é vítima de abandono do pai biológico. Desde muito pequena ela tem convívio com o padrasto e gosta muito dele. Eles têm uma relação extremamente saudável", afirmou a advogada da mãe.
Nesta terça, o Hospital Universitário de Florianópolis explicou, em nota, que o protocolo de exigir uma autorização judicial para realizar aborto legal em gestantes com mais de 20 semanas faz parte da rotina da unidade de saúde e que, normalmente, a Justiça acolhe o pedido com agilidade e o procedimento é rapidamente realizado. Não foi o que aconteceu com a menina catarinense.
Entre idas e vindas, num verdadeiro imbróglio judicial, ela já foi autorizada e desautorizada a interromper a gravidez algumas vezes. Na metade final de maio, no entanto, conseguiu uma decisão favorável, mas que não podia ser cumprida por conta da medida cautelar que a mantinha no abrigo. Agora, voltando para casa, a família se articula para fazer valer a decisão, e garantir que a vontade de mãe e filha sejam enfim respeitados.
"Ela tem direito ao aborto legal em qualquer tempo gestacional. Uma vez acolhida (em casa), a nossa luta será para concretizar o aborto legal, para garantir a vida dessa criança de 11 anos. É o desejo dela e da mãe, que é a representante legal", acrescentou.
Perguntada sobre os possíveis riscos, já que a menina já entra agora na 29ª semana de gestação – são 40 ao todo –, Daniela explicou que o método utilizado para a interrupção da gestação deverá ser analisado pelos médicos, que, a partir dos exames escolherão a intervenção mais adequada.
A magistrada Joana Ribeiro Zimmer, que acabou se tornando personagem principal desta trama, por conta de um vídeo publicado pelo The Intercept, onde ela aparece, durante uma audiência, tentando induzir a menina e a mãe a desistirem do aborto legal, também foi citada pela defesa da família. Eles estudam de que forma ingressarão na justiça.
"Estamos analisando, e há vários indícios quanto aos danos causados, físico e psicológico, à criança. Ela fez todas essas perguntas numa audiência em que não tinha qualquer pertinência questionar a interrupção ou continuidade do processo de gestação. Era sobre a medida cautelar de acolhimento. Ou seja, se estado tiraria ou não aquela criança de casa".
A conduta de Joana Ribeiro agora é alvo de uma investigação interna da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também analisa uma reclamação disciplinar movida contra ela pelo advogado maranhense Thiago Gomes Viana. A OAB-SC, por sua vez, diz que acompanha o caso "com preocupação".
O caso
Em maio, a mãe levou a menina, ainda com 10 anos, ao Hospital Universitário da UFSC, em Florianópolis (SC), em busca de um aborto legal, já que a criança havia sido vítima de estupro. Ela havia descoberto a gravidez há apenas dois dias, mas a unidade de saúde, seguindo um critério interno, se negou a realizar o procedimento sem uma autorização judicial, porque a gestação já havia ultrapassado 20 semanas, chegava à 22ª.
No processo, no entanto, uma medida protetiva, sob a justificativa de tirar a menina do convívio do suspeito de ter cometido a violência sexual, fez com que a menina fosse afastada de casa e levada a ao abrigo, onde permaneceu até esta terça-feira. Em sua decisão, a juíza também citou a necessidade de evitar o risco de que a mãe a levasse para realizar o aborto – garantido por lei.
É a partir daí, numa audiência do caso, na 1ª Vara Cível da Comarca de Tijucas, que a postura da juíza Joana Ribeiro Zimmer e da promotora do Ministério Público de Santa Catarina Mirela Dutra Alberton, começam a chamar atenção. Tanto Zimmer quando Alberton tentam exaustivamente induzir mãe e criança a seguirem com a gravidez, mesmo após ambas terem reiterado mais de uma vez a vontade de prosseguir com o aborto, garantido à menina por lei. Elas chegam a perguntar se o pai daquele feto toparia levar o bebê à adoção se ela "aguentasse" mais alguns dias. Magistrada e promotora ainda dão uma informação equivocada à mãe, de que, com aquele tempo de gestação, o bebê seria retirado com vida do ventre e agonizaria até a morte perante os médicos. Hoje, a medicina promove assistolia fetal antes da retirada do feto, já sem vida.
Ainda nesta terça-feira, Joana Ribeiro afirmou que não está mais à frente do caso, porque foi promovida dentro do TJSP e passará a atuar em Blumenau (SC). A reportagem não conseguiu contato com a juíza. O caso corre sob segredo de Justiça.
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