A violência contra ativistas e lideranças ambientais no país sempre foi um problema histórico, marcado pelos trágicos assassinatos de Chico Mendes e Dorothy Stang. Mas o que já era grave está ainda pior. Nos últimos anos, as mortes e conflitos vêm aumentando em níveis alarmantes, e os a ssassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira voltaram a jogar luz sobre essa situação, em meio a críticas e denúncias contra o desmonte da política ambiental promovido pela atual gestão e incentivos a práticas criminosas em áreas protegidas.
Segundo o relatório da ONG internacional Global Witness, o Brasil foi o quarto país onde mais houve assassinatos de ativistas ambientais no mundo, em 2020. Os 20 assassinatos relatados só foram superados pelas estatísticas da Colômbia (65 mortes), México (30) e Filipinas (29).
Desde 2012, quando a ONG, que monitora conflitos relacionados a crimes ambientais, o Brasil figura nas primeiras posições do ranking. Em 2019, quando chamaram a atenção o assassinato de Maxciel dos Santos, então colaborador da Funai, e do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, o país foi o terceiro colocado.
Em 2018, o Brasil assinou o Acordo de Escazú, nome para o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, que foi o primeiro acordo ambiental do mundo a prever a proteção de defensores ambientais.
No entanto, o documento precisava ser ratificado nos congressos dos países signatários, o que não foi feito pelo Brasil até hoje.
"Violência na Amazônia infelizmente sempre aconteceu. O que vemos de diferente hoje é que quem promove esses assassinatos está muito mais empoderado, inclusive financeiramente. O dinheiro que vem da grilagem e do garimpo ilegal é o dinheiro que financia a morte desses defensores ambientais. Hoje há verdadeiras milícias que impõem ali a sua própria lei e isso vem sendo estimulado pelo atual governo, que estimula esse tipo de crime, ao retirar fiscalização e o poder do estado no combate aos delitos", afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
Em março, foi determinado júri popular para julgamento dos dois acusados de terem matado Guajajara em uma emboscada. O fato foi celebrado por entidades indígenas, que afirmaram que essa será a primeira vez que um assassinato de um Guajajara será julgado, mesmo após a denúncia de dezenas de mortes anteriores.
Já o caso de Santos, que, assim como Pereira, atuava no Vale do Javari e foi assassinado na frente da sua família, ainda está com o inquérito aberto, sob sigilo, e ainda não houve denúncias, informou o Ministério Público Federal do Amazonas, que confirmou e existência de dois processos sobre denúncias de ameaças contra servidores da Funai no Vale do Javari.
Esse fato ilustra um outro problema levantado por entidades de defesa dos direitos humanos: a impunidade histórica nos casos de violência contra ativistas ambientais. Em 2019, a Human Rights Watch (HRW) mostrou que dos mais de 300 assassinatos que a Comissão Pastoral da Terra registrou de 2009 a 2019 na Amazônia, apenas 14 foram levados a julgamento.
O relatório se debruçou sobre 28 assassinatos específicos, dos quais apenas dois foram julgados. E dos mais de 40 casos de ataques ou ameaças, nenhum foi levado a julgamento, sendo que a denúncia criminal foi apresentada em apenas um dos casos.
"Existe impunidade em todas categorias dos crimes ambientais. Mas quando há um assassinato, você tem mais uma camada de impunidade. É toda uma cadeia criminosa com impunidade muito alta", lamenta Renato Morgado, gerente de programas da Transparência Internacional Brasil.
"O assassinato de um defensor ambiental é um estímulo ao crime ambiental. Esse tipo de violência acaba intimidando a atuação de grupos em defesa do meio ambiente e fiscalização de delitos. Quando um servidor público sofre violência, todo o serviço público sofre, e é a mesma lógica com o jornalismo e a população indígena".
Examinando apenas indígenas, os dados de assassinatos também estão em ascensão. Em 2020, o relatório Violência Contra Povos Indígenas do Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontou que 182 indígenas foram mortos no país, um aumento de 63% em relação a 2019.
Além disso, o relatório denunciou 263 casos de "invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio que atingiram, pelo menos, 201 terras, de 145 povos, em 19 estados".
Já no ano passado, a Comissão Pastoral da Terra reuniu registros de 109 mortes em decorrência de conflitos no campo (aqueles que não são assassinatos, mas frutos do contexto de violência e desamparo de políticas públicas), sendo 101 de indígenas Ianomâmis por causa da ação de garimpeiros. Aumento de 1.110% em relação a 2020, quando houve registro de 9 mortes nesse contexto.
Coordenador do Cimi Sul, Roberto Liebgott, diz que a política adotada pelo governo atual, com a fragilização de órgãos ambientais - classificados por ele hoje como "intermediadores de negócios em terras públicos" - e com os discursos anti indigenistas, serviu para naturalizar a violência em TIs.
"Primeiro, se introduziu a concepção de que indígenas não são sujeitos de direitos como os outros humanos, prevalecendo a lógica de selvagem, que então poderiam ser atacados e assassinados. Vinculado a isso, o discurso de que o indígena não produziria tanto e que o direito à terra seria um privilégio. Com essas estratégias, se naturalizou violência nos territórios e a invasão por madeireiros, garimpeiros e grileiros. E todos que se opõem são ameaçados".
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