Após classificar como "aberração" um projeto de lei para regulamentar o uso de nome social na cidade de Poções, na Bahia, o pastor evangélico Luciano de Jesus Novais afirmou que não é homofóbico. O líder religioso da Primeira Igreja Batista gravou um áudio em 23 de maio no qual ataca a proposta. Depois da circulação da mensagem, em grupos de WhatsApp, a casa de uma criança transgênero moradora da cidade foi apedrejada.
O pastor nega qualquer relação com os ataques. Mas o Ministério Público Estadual (MPE) investiga se o pastor "estaria incentivando a transfobia e o ódio ao adolescente". Na gravação, pastor Luciano convida os membros da sua comunidade evangélica a pressionarem os vereadores para eles não votarem a favor do projeto que "pede nome fantasia" para "mulheres que querem ser chamadas por nomes de homem, e homem sendo chamados de nome de mulher".
A proposta em pauta seria para regulamentar no município o uso de nome social no município, conforme já consta no decreto federal 8.727/2016, que estabelece esse direito no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
"Você que tem um tempo disponível, lá na Câmara às 19h, para a gente criar uma força para que na hora que os vereadores forem votar, olhar que a comunidade evangélica está atuando, faz parte da cidade, e eles se sentirem inibidos e não votarem a favor dessa aberração, desse projeto ruim", disse o pastor.
"Vamos ver quem vai votar nesse projeto, quem vai apoiar para a gente ficar ligado para as próximas eleições, mas acredito que ele não vai passar porque alguma coisa vai acontecer", afirmou o religioso, em outro trecho do áudio.
Em nota enviada ao GLOBO, pastor Luciano afirmou que acompanhar o projeto não é crime e que "em momento algum o áudio incentiva ataques a homossexuais e pessoas trans".
No comunicado, o pastor também coloca em dúvida os ataques relatados pela família da criança transgênero. O líder religioso menciona um "suposto apedrejamento" que ocorreu "sem qualquer evidência".
"Em reação ao áudio, este, que sequer menciona algum endereço ou nome civil, mas estão tentando influenciar e comover a opinião pública de eu ser responsável pelo ódio e ataques dirigidos a adolescente trans, convenientemente ocorrido sem qualquer evidência, tentando relacionar o vazamento do áudio com o suposto apedrejamento, não oferecendo nenhuma prova que foi causado por pessoas da igreja", diz o texto.
Apedrejamento
De acordo com a mãe da vítima, Janaína Britto, a residência da família foi atacada quatro vezes desde que a gravação passou a circular nas redes sociais.
O menino reivindica, com o apoio de sua mãe, o direito de ser chamado pelo nome social na escola onde estuda. Mas, de acordo com Janaína, a escola alegou que não há uma regulamentação municipal para que o decreto federal tenha validade em Poções. Com a negativa, a mãe da criança procurou uma vereadora para pautar o tema.
No entanto, uma articulação liderada pelo pastor Luciano conseguiu pressionar os vereadores e a votação foi cancelada. A expectativa é de que o tema volte a ser pautado na próxima segunda-feira.
"Algumas vezes passaram aqui e falaram para meu filho sair "para ver se ele é homem mesmo". Outros passam e gritam "veado". No ataque mais grave eles quebraram minha janela com uma pedrada", afirmou Janaína, em entrevista ao GLOBO.
Procurada, a Prefeitura de Poções afirmou que "não compactua com qualquer tipo de violação a direitos" e acrescentou que "não cabe ao Poder Executivo a atribuição de responsabilização, sendo tal competência dos sistemas de justiça e segurança pública".
A Polícia Militar da Bahia informou que foi iniciado um processo administrativo para apurar "a ausência da guarnição logo após o acionamento, após conversar com a família". A corporação acrescentou que foi acionada na última quarta-feira para verificar mais uma denúncia de pessoas jogando pedras em uma residência onde mora um adolescente transgênero. Na ocasião, os suspeitos não foram localizados e os policiais orientaram a família a registrar ocorrência na delegacia.
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