O agricultor Francimar de Melo, de 51 anos, estava colhendo batatas na fazenda em que trabalha, em Formosa, a 80 quilômetros de Brasília, ontem de manhã, quando começou a ouvir sons de fortes disparos. Tinha tudo para ser mais um exercício militar na base do Exército que fica perto da propriedade. Desta vez, porém, algo deu errado: um foguete tomou uma trajetória não planejada e explodiu dentro da fazenda, abrindo uma cratera a 30 metros da BR-020, a movimentada estrada que liga Goiás à Bahia.
— Foi uma explosão violenta, os carros quase bateram na rodovia, fiquei a tarde todinha com um zunido no ouvido — disse Melo — Já trabalhei com explosivos em áreas de mineração. O estouro aqui foi muito maior. Nem se compara com as bananinhas de dinamite que a gente usava na mina.
Ao ver fumaça rasgando o céu, o agricultou percebeu que um dos artefatos lançados havia mudado repentinamente de direção. Viu a bola de fogo rodopiar até o solo e, antes que ele caísse, gritou para seus dois ajudantes:
— Vai pro chão, vai pro chão!
O trio se jogou sobre a plantação. O estrondo veio acompanhado por uma nuvem de poeira que tomou o local. O saldo do incidente: um buraco de 15 metros de diâmetro e 3 metros de profundidade no meio dos caules de sorgo, perto das batatas, onde Melo trabalha diariamente.
O pequeno foguete tinha sido disparado por um lançador móvel do Campo de Instrução de Formosa (CIF), onde oficiais e sargentos participavam do Curso de Operação do Sistema de Mísseis e Foguetes do Exército, segundo informou o Comando Militar do Planalto, em nota. Na manhã desta quinta-feira, um caminhão militar e oito soldados embarreiravam o acesso ao local da explosão. —- Pode ser que haja explosivos perigosos ali. Estamos cercando a área por precaução até que a perícia chegue — explicou a O GLOBO o tenente Adler, que vigiava a plantação.
Ainda abalado pelo susto, logo após a queda do foguete, Melo chamou o seu patrão, João Alberto Gouveia, de 68 anos, pelo rádio:
— Pedi a ele que avisasse o Exército, porque pensei que pudessem cair mais mísseis ali perto da gente.
Proprietário da fazenda de 17 hectares, onde há 30 anos planta sorgo, milho e batatas, Gouveia diz que já cansou de ver aviões caças rasgando o céu e ouvir os barulhos de explosão dos exercícios militares ao longe, mas conta que essa foi a primeira vez que presenciou o estouro de um míssil em seu quintal. Ele tentou acalmar o funcionário:
— Falei pra ele: ‘Calma, aqui não é a Ucrânia, não, ô moço’.
Segundo ele, no intervalo de menos de um dia, recebeu vários jornalistas e até um advogado interessado em defendê-lo numa futura causa contra o Exército:
— Fez um barulhão, subiu um poeirão danado. Achei que um avião tivesse caído. Meu cunhado mora a seis quilômetros e escutou. Mas não quero nada com processo na Justiça, não. Eles [o Exército] estão aí para defender o Brasil.
Gouveia não está preocupado com os prejuízos.
— Ali foi coisinha pequena. Meu medo é o solo ficar improdutivo.
Ronilson Rodrigues, o pedreiro responsável pela construção de uma piscina nas terras de João Gouveia, conta quais foram os primeiros movimentos dos militares após a explosão.
— Dez minutos depois que caiu [o míssil] eles apareceram aqui, rapidinho. Cobriram o buraco com uma lona preta.
— A gente deu graças a Deus por estarmos vivos. Se cai em cima de nós ia ter que chamar o IML (Instituto Médico Legal) para pegar os pedaços — concluiu o agricultor Melo.
O Exército informou que investiga o episódio junto com a Avibras, empresa que fornece equipamentos militares às Forças Armadas. No mesmo dia, em discurso no Congresso, o deputado José Nelto (PP-GO), adiantou que pretende convidar o ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, e o comandante do Exército, Marco Antônio Gomes, para darem explicações sobre o episódio que poderia ter causado terminado com mortes. O Exército não retornou as tentativas de contato da reportagem.
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