SP vai tentar coibir assaltos cometidos por falsos entregadores
Especialistas em segurança temem que episódios se espalhem pelo país e trabalhadores afirmam que já sofrem com estigmatização
O governo de São Paulo anunciou ontem uma série de medidas para coibir a ação de criminosos que se passam por entregadores de aplicativo e praticam roubos e furtos na cidade. A iniciativa, que integra a “Operação Sufoco”, vem à tona cerca de uma semana após um jovem de 20 anos ser assassinado por um homem que fingia trabalhar com delivery na Zona Sul da capital. Embora a maior parte dos casos de falsos entregadores ocorra na capital paulista, nas redes sociais também há relatos de episódios em cidades como Rio e Fortaleza.
Para evitar que a prática se alastre pelo país, organizações como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) têm reivindicado soluções rápidas às autoridades. Uma das propostas é a personalização das mochilas dos entregadores, que hoje podem ser compradas na internet por R$ 70.
"Seria importante que as bags tivessem algum tipo de identificação, como uma numeração vinculada à carteira de motorista ou à identidade. Assim a polícia, na hora da blitz, consegue checar a autenticidade", explica Paulo Solmucci, presidente-executivo da associação. "É um verdadeiro drama social não ter segurança circular na cidade", diz.
Nas ruas, o modus operandi é quase sempre o mesmo na capital paulista: pilotando uma moto e portando uma mochila de entrega para se camuflar entre os entregadores, os criminosos abordam pedestres e, em seguida, roubam os seus celulares. Apesar de menos frequentes, há também golpes que ocorreram durante uma entrega real, por meio do aluguel de contas nas plataformas. Nesses casos, os falsos entregadores usam máquinas de cartão com o visor adulterado, ou mesmo quebrado, e fazem com que o cliente pague um valor acima do combinado sem perceber.
"É um disfarce perfeito, você se passa por entregador e tem a mobilidade da moto. Virou um problema crescente no país", afirma Rafael Alcadipani, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getulio Vargas, que classifica como “necessária” a resposta do estado.
Registros em alta
Diante da publicidade dos casos, moradores da capital paulista relatam insegurança ao andar nas ruas, situação potencializada pelo aumento da criminalidade no estado. No primeiro trimestre, São Paulo registrou alta de 28,5% em furtos e crescimento de 7,4% em roubo, na comparação com o mesmo período de 2021.
A crise é perceptível para os próprios entregadores. Há cerca de duas semanas, Danilo Souza Andrade, de 21 anos, estacionou sua moto para fazer uma entrega quando uma mulher que estava por perto correu. Ele demorou alguns segundos para perceber que era ela quem estava com medo. Para se defender e acalmá-la, gritou que estava só trabalhando.
"Às vezes até o próprio cliente tem medo da gente. Está tudo muito estranho", diz Andrade.
Em um ano como entregador do iFood, Andrade afirma já ter sido parado pelo menos cinco vezes por policiais. Em um dia, ficou mais de 40 minutos se explicando ao policial, o que ocasionou uma reclamação do cliente e prejuízo no sistema de pontuação do aplicativo. Apesar disso, ele diz compreender a necessidade da fiscalização, uma vez que ele próprio já presenciou assaltos cometidos por bandidos disfarçados.
Outra consequência dos crimes envolvendo falsos entregadores é a estigmatização da profissão, que já existia e piorou nas últimas semanas, afirma o entregador Diego Mello, de 33 anos.
"A polícia vai oprimir quem não tem nada a ver. Tenho vários amigos que perderam a moto trabalhando, e por nada. Eles procuram algum problema, até encontrar", avalia.
A principal aposta do governador Rodrigo Garcia (PSDB) para colocar fim aos crimes dos falsos entregadores e melhorar a sensação de segurança da população é o aumento do patrulhamento nas ruas, que, segundo ele, deve saltar de 5 mil agentes para 9,7 mil.
Lei do Motofrete
As estratégias incluem ainda blitze pela cidade e compartilhamento dos bancos de dados dos aplicativos com o governo, o que, segundo o delegado Roberto Monteiro, da 1ª Delegacia Seccional Centro, vai facilitar muito as investigações:
"Mais polícia na rua faz toda a diferença. E com a integração dos bancos de dados dos aplicativos com os do estado, vamos conseguir descobrir, de forma célere, se o motorista está cadastrado no aplicativo, se a moto que ele está usando é a mesma que a informada à empresa, além de outras informações que permitem distinguir o bandido do verdadeiro entregador", disse o delegado, que cita ainda a Operação Bad delivery Fase ll, deflagrada no âmbito da Operação Sufoco, e que ontem cumpriu 24 mandados de busca e apreensão.
O presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR), Edgar Francisco da Silva, conhecido como Gringo, diz que há maneiras mais eficazes de combater os falsos entregadores:
"A Lei do Motofrete profissionaliza o motofretista, que precisa fazer cursos e ter uma autorização da prefeitura para atuar, além de uma placa maior, na cor vermelha, e um baú com a identificação do veículo. Se a lei estivesse funcionando, ficaria muito mais difícil para o bandido usar a nossa profissão para roubar".
Custo extra
O gargalo, segundo ele, está no valor embutido nessa regularização, cerca de R$ 900, que onera o entregador. Por isso, apenas em São Paulo, a entidade estima que há 9 mil entregadores regularizados em um universo de mais de 50 mil profissionais.
"Regularizar evita o crime, pois só terá profissional na rua e a polícia vai saber, com muito mais facilidade, quem é ou não entregador", afirma ele, acrescentando que a blitz atrapalha o trabalho dos entregadores.
Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia disse a natureza da atividade de entrega intermediada por aplicativos é privada e, portanto, não é regulada pela lei do motofrete.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo e na Câmara Municipal, a situação gerou uma resposta legislativa: há pelo menos três projetos sobre o tema. Um deles, do deputado Rubinho Nunes (União Brasil), obriga entregadores a usarem adesivos de identificação.
Em nota, Rappi e iFood ressaltaram que estão colaborando com o governo do estado para encontrar soluções que auxiliem na identificação de criminosos que se passam por entregadores.
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