Restaurante do pastor do bitcoin incendiado
Reprodução O Globo
Restaurante do pastor do bitcoin incendiado

A Polícia Civil apura se um incêndio ocorrido na manhã desta quarta-feira em um restaurante no Jardim Esperança, em Cabo Frio, na Região dos Lagos, foi causado por clientes da Eagle Eyes, empresa de investimentos do pastor Jonas Gomes da Silva, cuja sede fica no mesmo bairro. De acordo com o delegado Carlos Eduardo Pereira Almeida, titular da 126ª DP (Cabo Frio), responsável pelas investigações, o estabelecimento que pegou fogo pertencia ao líder religioso, que é acusado de ter encerrado as atividades do grupo financeiro sem devolver os valores aportados pela enorme maioria dos investidores.

Horas depois, durante a tarde, o prédio da Igreja Apostólica Ministério Renascer em Silva, onde Jonas realizava cultos, também no Jardim Esperança, teve o portão arrombado. Pessoas que se identificavam como clientes da Eagle Eyes invadiram o templo e deixaram o local levando aparelhos eletrônicos e outros bens de valor, em uma suposta tentativa de diminuir o prejuízo. A cena foi flagrada em vídeo pelo portal "RLagos Notícias", que também publicou fotos do interior do restaurante incendiado.

Clientes ouvidos pelo GLOBO contam que, em um primeiro momento, a Eagle Eyes garantia faturamento de 30% ao mês, mediante aporte mínimo de R$ 2 mil. Posteriormente, o lucro foi reduzido para 15%, e apenas valores acima de R$ 3 mil eram aceitos. Tudo era firmado em contrato, com reconhecimento de firma em cartório e notas promissórias assinadas por Jonas, que ficou conhecido na região como "pastor do bitcoin".

Na semana passada, a Eagle Eyes enviou o comunicado aos investidores por WhatsApp, único canal de comunicação utilizado pelo grupo — a exemplo de outras empresas do gênero, a Eagle Eyes não possui site ou perfis oficiais em nenhuma rede social. O texto dizia que, "devido à situação de tudo que tem acontecido em Cabo Frio", os clientes passaram a pedir a devolução os valores aportados. "Agradecemos a todos que acreditaram e confiaram a nós o seu bem, mas decidimos encerrar nossas atividades e devolver o capital de todos", conclui o sucinto aviso.

A partir de então, ainda segundo o relato de investidores, Jonas, a esposa — também pastora da mesma igreja — e mais dois parentes, todos apontados como responsáveis pela Eagle Eyes, pararam de responder a qualquer contato, ao mesmo tempo em que os pagamentos previstos cessaram. Já a devolução do dinheiro, embora algumas poucas transferências de valores menores tenham sido feitas, ficou apenas na promessa para a enorme maioria dos clientes.

"Chegou uma primeira petição sobre o assunto hoje (quarta-feira), mas ainda será feito o registro de ocorrência, e a investigação preliminar terá início em seguida. Ainda não posso afirmar nada. Tenho que encontrar elementos mínimos", explicou o delegado Carlos Eduardo Pereira Almeida sobre as denúncias de calote praticado pelo grupo.

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Segundo o portal Livecoins, especializado em criptomoedas e primeiro a revelar o caso da Eagle Eyes, os contratos da empresa traziam, na capa, a logomarca da "bitcoin", mais famosa moeda digital do mundo. Aos investidores em potencial, pouco era dito sobre como se conseguia rentabilizar os valores, com o grupo apresentado-se apenas como "trader especializado" no setor, de maneira genérica e sem maiores detalhamentos.

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"Eles começaram com essa coisa de investimento há pouco tempo, mas já moram aqui há muitos anos. Todo mundo conhecia. E no início pagaram direitinho. Mas depois parararam e sumiram, não respondem nem dão satisfação", conta uma mulher que colocou R$ 6 mil na empresa há cerca de dois meses. Ela chegou a receber dois rendimentos, mas, até agora, não teve o montante total devolvido.

A Eagle Eyes foi aberta em maio deste ano, com capital social declarado de R$ 110 mil. O CNPJ da empresa está no nome de Jonas Gomes da Silva, que também é o responsável pelo registro da Igreja Apostólica Ministério Renascer em Silva. A maioria dos investidores era composta por vizinhos do bairro e frequentadores do templo, acostumados a acompanhar as pregações do pastor e da esposa. Segundo relatos de moradores do Jardim Esperança, desde que o novo negócio decolou, o pastor vinha adquirindo diversas lojas e comércios da região, como o próprio restaurante que pegou fogo.

Nos últimos meses, Cabo Frio viveu um boom de empresas prometendo lucro fácil e garantido mediante supostas movimentações com criptomoedas, trazendo à cidade o apelido de Novo Egito. O episódio mais famoso é o do ex-garçom Glaidson Acácio dos Santos, o "faraó dos bitcoins", responsável pela GAS Consultoria e preso pela Polícia Federal sob a acusação de comandar um esquema de pirâmide financeira. Outros grupos, como a Alphabets, também quebraram e deixaram os clientes no prejuízo.

A disputa pelo mercado de investimentos na região não virou caso de polícia apenas por crimes contra o sistema financeiro e a economia popular. Também foram registrados atentados em que empresários ficaram gravemente feridos, além da execução de Wesley Pessano Santarém, morto aos 19 anos dentro de um Porsche avaliado em R$ 440 mil. Assassinado na vizinha São Pedro da Aldeia, o jovem morava em Cabo Frio e se apresentava nas redes sociais como influenciador digital, dando dicas sobre como investir em criptomoedas, mais uma vez com a promessa de rendimentos exorbitantes.

Entre os clientes da Eagle Eyes, circula a versão de que Jonas e a família teriam fugido depois de receberem ameaças de pessoas do mesmo ramo. O casal de líderes religiosos não é visto no Jardim Esperança há dias. Assim como já havia feito nesta quarta-feira, O GLOBO voltou a tentar contato com o pastor por telefones disponíveis no cadastro da empresa e da igreja que ele comanda, mas não obteve sucesso. A reportagem está à disposição para ouvir eventuais esclarecimentos por parte do grupo.

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