Sucesso nas redes sociais e alvo do Ministério Público de São Paulo por suspeitas de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito, o Delegado da Polícia Civil de SP Carlos Alberto da Cunha, popularmente conhecido como " Da Cunha ", teria forjado operações policiais e 'inventado' prisões, segundo policiais ouvidos pela Folha de S. Paulo.
No canal do delegado no Youtube, o vídeo de maior destaque é de uma operação em que Da Cunha invade um barraco na favela da Nhocuné, na zona leste da capital, onde ficaria o suposto cativeiro de um homem sequestrado no dia anterior por criminosos do PCC e que seria submetido ao chamado “tribunal do crime”. O vídeo mostra o suspeito sendo preso e a vítima sendo libertada. A ação, porém, segundo depoimentos que incluem a vítima e policiais diretamente envolvidos na operação, seria uma 'encenação'.
Os policiais que conversaram com a Folha dizem que a vítima já tinha sido liberada momentos antes por outros policiais (Patrick e Ronald), mas acabou colocada novamente no cativeiro em poder do sequestrador a ação forjada fosse filmada como se Da Cunha fosse o protagonista da operação.
Segundo a vítima, o delegado afirmou que a encenação seria necessária para produção de prova material, a ser juntada no processo.
“Depois soube que a gravação não era para o processo, mas, sim, para o canal do YouTube do delegado Da Cunha e isso lhe deixou extremamente indignado, especialmente porque o delegado mentiu sobre a gravação. [...] Frisa que o que policial que realmente o libertou do cativeiro [nem] sequer participou daquela gravação”, disse o homem.
Os depoimentos da vítima e de policiais fazem parte do inquérito da Promotoria que apura suposto enriquecimento ilícito do delegado. Promotores procuram descobrir se Da Cunha aproveitou da corporação para monetizar vídeos das operações, o que seria ilegal.
O delegado foi procurado pelo jornal para contar sua versão dos fatos, mas, até o momento, ainda não respondeu.
Afastado da Polícia Civil
Da Cunha está afastado da corporação desde julho deste ano, após abertura de procedimentos pela Corregedoria. Em seguida, pediu licença sem vencimento e filou-se ao MDB para disputar um cargo como governador.
O delegado nega que tenha monetizado vídeo de operações policiais e disse que só fez isso após ser afastado da Polícia Civil.
De acordo com o então braço-direito de Da Cunha na equipe (Cerco), o delegado Denis Ramos de Carvalho, o delegado-celebridade praticamente só comparecia ao trabalho nos dias de operações para realizar a filmagem. Ele justificava que teria muitos afazeres relacionados ao canal no YouTube e que fazia questão de aparecer sozinho na frente das câmeras.
Lima, chefe dos investigadores, confirmou que Da Cunha geralmente aparecia no trabalho nos dias de operações. Também confirmou a simulação na favela contou que essas encenações eram rotineiras.
Segundo Lima, Da Cunha não participava efetivamente das operações, mas aparecia no local após o sucesso das ações com sua equipe particular de reportagem.
Prisão de suposto chefe do PCC
Ainda segundo Lima, a ação que rendeu mais visualizações ao canal de Da Cunha, o da prisão de um suposto chefe do PCC, também é mentira. Em abril de 2020, um suspeito chamado Wislan Ramos Ferreira, 29, foi preso, mas, segundo Lima, não se tratava do Jagunço do Savoy.
Conforme diz o investigador, Da Cunha não teve acesso aos manuscritos do Ministério Público com a ordem para que o Jagunço do Savoy matasse o delegado-geral. A ordem, segundo ele, era para matar um investigador do próprio Deic, sem menção ao delegado-geral.
Ele diz que os policiais do Deic já identificaram quem é o Jagunço do Savoy: um homem de 33 anos (nome mantido em sigilo) que continua em liberdade e que não tem nenhuma ligação com o suspeito preso por Da Cunha.
“O relatório torna claro que o dr. Carlos Alberto da Cunha somente tornou-se uma celebridade no YouTube veiculando o vídeo noticiando que havia prendido o tal ‘Jagunço’ encarregado de matar o depoente, que é o delegado-geral de Polícia, conforme se depreende dos documentos ora juntados e relatórios policiais demonstrando que se trata de uma mentira que expõe toda a instituição da Polícia Civil e tumultua os trabalhos da instituição policial”, disse.