Igreja Universal confirma ter recebido R$ 72 milhões de 'faraó' das criptomoedas

Instituição religiosa afirma que Glaidson Acácio colaborava "com o sustento do templo", mas que passou a questioná-lo sobre a origem dos valores envolvidos

Foto: Reprodução
Glaidson Acácio dos Santos, preso pela PF

Incluída na lista das 27 empresas e pessoas físicas que receberam quantias mais vultosas da GAS Consultoria Bitcoin e de seu dono, o ex-garçom Glaidson Acácio dos Santos — preso na semana passada acusado num esquema de pirâmide financeira com criptomoedas —, a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) entrou com uma ação judicial para antecipar provas, temendo ser "envolvida em crimes que não praticou, pelo simples fato de ter recebido, de boa-fé", doações.

Segundo levantamento da Receita Federal, as transferências do acusado à Iurd foram de aproximadamente R$ 29 milhões entre 2018 e 2020. A igreja, porém, confirma ter recebido valores ainda mais altos, de R$ 72,3 milhões, entre 4 de maio de 2020 a 12 de julho de 2021.

Assinado por 50 advogados, o documento foi endereçado à Vara Cível de Cabo Frio dois dias após a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) deflagrarem a Operação Kryptos, que levou Glaidson à cadeia. De acordo com a igreja, o ex-garçom — que já foi pastor da entidade — colaborava, assim como os demais fiéis, "com o sustento do templo" de Cabo Frio, na Região dos Lagos, onde ele frequentava os cultos.

O advogado da Universal Antônio Sérgio de Moraes Pitombo confirmou ao GLOBO que existe a ação na Justiça contra Glaidson. Mas, no entanto, não poderia dar mais detalhes, porque ela corre sob sigilo.

— Essa ação foi movida em sigilo e distribuída no sistema em sigilo. Eu não posso comentar uma medida judicial que eu mesmo pedi o sigilo. A Igreja já deu uma nota para prestar os esclarecimentos — limitou-se Pitombo.

Na nota, que pode ser lida na íntegra no fim da reportagem, a Iurd afirma que "quanto a Glaidson Acácio dos Santos, informamos que ele ingressou no treinamento pastoral da Universal em 2003 e foi desligado pouco depois por não atender aos padrões do ministério. Há alguns meses, a Igreja recebeu informações de que ele estaria assediando e recrutando fiéis e integrantes do corpo eclesiástico para participar de sua empresa, que demonstrava sinais que caracterizavam algum envolvimento com pirâmide financeira."

Segundo a Universal, no entanto, a partir de maio de 2020 foi verificado um expressivo aumento no volume de doações recebidas por meio de transferências bancárias realizadas por Glaidson e pela GAS. A ação da igreja afirma que, questionado pela liderança local sobre as doações, o ex-garçom respondeu que passava por "fase de grande prosperidade econômica, a partir das atividades desenvolvidas nas áreas de tecnologia e produção de softwares".

"Apesar da aparente justificativa, os valores das operações passaram a chamar muita atenção: nos últimos 14 meses, Glaidson efetuou transferências da ordem de R$ 12.813.000,00, enquanto a empresa G.A.S. doou R$ 59.490.000,00", diz o documento, que apresentou uma planilha com as datas e valores de todas as transações.

Segundo os dados apresentados, foram 43 transferências para contas correntes da igreja, e outras 38 operações por meio de cartão de crédito. Sobre esses valores, a ação da Universal pede, em tutela de urgência, para que Glaidson apresente os comprovantes das transferências e depósitos realizados, demonstrando a origem lícita dos valores doados em no máximo cinco dias.

O Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) confiirmou que a defesa da Igreja Universal entrou com o pedido. Segundo o TJRJ, o processo foi distribuído e, atualmente, está na 1ª Vara Cível de Cabo Frio. Luciana Cesário de Mello Novais será a juíza responsável por analisar o pedido da igreja.

Segundo a Iurd, antes de apresentar a ação de de produção antecipada de provas, um pastor da Universal procurou Glaidson cobrando explicações.

"Em razão do exorbitante valor — que foge totalmente ao padrão de doações dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus —, o bispo Jadson Santos, líder da Igreja Universal do Reino de Deus no estado do Rio de Janeiro, procurou Glaidson, cobrando informações, na tentativa de entender a real motivação de tal modo de proceder", diz uma parte da ação.

A Iurd diz ainda que o acusado se desligou da instituição religiosa e deixou de frequentar os cultos, "sem apresentar nenhuma explicação". A partir de então, a Universal afirma que passou a buscar informações e “descobriu que a GAS tem sede no mesmo endereço da empresa NS Psicologia, controlada pelo ex-pastor Nei Carlos dos Santos”, que, segundo a igreja, é investigado em um inquérito policial que tramita no Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor)da Polícia Civil de Brasília. O pedido de instauração do inquérito, por parte dos advogados da igreja, data de 13 de julho de 2021.

A entidade afirma que o “referido inquérito foi instaurado a partir de notícia de crime ofertada pela Igreja Universal do Reino de Deus, a fim de apurar possíveis ilícitos cometidos por antigos integrantes, que vitimaram não só a instituição, mas também fiéis”.

Além dessa coincidência de endereços, a igreja afirma na ação que foi possível constatar que Glaidson ofertaria investimentos em criptomoedas, "por meio de mecanismos que se aproximariam das chamadas 'pirâmides financeiras'”, conforme revelavam matérias jornalísticas recentes.

Para a Polícia Federal, Glaidson — que transferiu milhões de reais para dezenas de contas — inclusive para a Universal, teria praticado crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, tendo em vista o caráter atípico dos negócios, como doações feitas em valores muito altos, mediante transferência bancária ou cartão de crédito, de forma fragmentada, sem comunicação prévia, incompatível com o padrão de doações realizadas à instituição religiosa e às atividades desenvolvidas pelos doadores.

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A Igreja Universal afirmou, na ação, que não tem conhecimento sobre a origem dos valores doados por Glaidson e pela GAS, nem informações precisas sobre a legalidade das atividades exercidas por ele, que teriam possibilitado o acúmulo dos recursos.

"Sem os documentos e informações que se encontram em posse dos Réus, restará a Universal impossibilitada de prestar esses esclarecimentos, podendo ser investigada e até sancionada, a partir da injusta vinculação a práticas duvidosas, com as quais não tem nenhuma relação, envolvimento, ou sequer conhecimento", diz o documento.

Na ação, os advogados informam ainda que Glaidson já atuou como pastor no templo da Universal na Venezuela, país de origem de sua esposa, há mais de 15 anos. "Em razão da alegada impossibilidade de dedicação exclusiva ao serviço religioso, Glaidson se desligou da função e, posteriormente, voltou a frequentar o templo em Cabo Frio, onde fixou residência”, diz o texto.

Leia a nota na íntegra:

" UNIVERSAL JÁ HAVIA ALERTADO AS AUTORIDADES E PÚBLICO SOBRE SUSPEITA DE PIRÂMIDE FINANCEIRA

Há quase dois anos, desde o final de 2019, em inúmeras ocasiões, como provam os vídeos abaixo, a Igreja Universal do Reino de Deus vem alertando seus membros para os golpes embutidos em supostos investimentos em criptomoedas.

A Universal tomou esta atitude exatamente porque tem ciência de que um dos alvos destas pirâmides financeiras são as pessoas de boa-fé, especialmente das comunidades evangélicas. Todos sabem que o sucesso de uma pirâmide financeira depende da entrada constante de novos investidores. Daí a razão destas empresas buscarem se infiltrar em clubes, associações, corporações e especialmente igrejas, a fim de se valerem do espírito fraterno e de confiança que une seus membros. A Universal não compactua com nenhuma atividade ilícita, por mais ganhos que possa gerar. Ofertas que procedam de engano, fraude e injustiça não têm valor algum para Deus.

Quanto a Glaidson Acácio dos Santos, informamos que ele ingressou no treinamento pastoral da Universal em 2003 e foi desligado pouco depois por não atender aos padrões do ministério. Há alguns meses, a Igreja recebeu informações de que ele estaria assediando e recrutando fiéis e integrantes do corpo eclesiástico para participar de sua empresa, que demonstrava sinais que caracterizavam algum envolvimento com pirâmide financeira.

Para combater isso, além dos constantes alertas dados publicamente em seus cultos e programações de TV e rádio, a Universal tem feito rigorosas averiguações internas para assegurar que seus oficiais não promovam e muito menos se envolvam com estas pirâmides. É por esse rigor que alguns já não fazem mais parte do quadro de pastores da igreja.

Além disso, em maio deste ano, a Universal apresentou uma notícia-crime na Justiça contra os envolvidos. Mais recentemente, foi aberto um processo judicial cível para que Glaidson confirme à Igreja que os dízimos e doações que ofereceu como frequentador, têm origem lícita. Ou seja, muito antes da operação policial da última semana que resultou na prisão de Glaidson, a Universal já vem alertando e cooperando com as autoridades para as devidas investigações.

Link para os vídeos: https://f.io/ROfp3iUJ "

Veja a resposta, também na íntegra, enviada pela GAS Consultoria:

"A G.A.S Consultoria possui rotinas de processamento de repasses e pagamentos dos valores acertados em contratos dos clientes de forma descentralizada. Essas movimentações são de capital de terceiros (clientes), sendo transferido para empresas do Grupo GAS.

É de conhecimento público que os bancos tradicionais possuem a prática arbitrária de bloquear e até mesmo encerrar contas de pessoas físicas e pessoas jurídicas sem aviso prévio, simplesmente por estarem envolvidas no mercado de criptoativos.

Zelando pela segurança de seus cliente e com objetivo de manter o compromisso de pagamentos de todos os contratos, com faz em quase uma década de existência, a G.A.S Consultoria sempre adotou a prática de fazer pagamentos adiantados, pois no caso de bloqueio de qualquer conta de pagamento, existem outras contas para garantir que nenhum cliente fique sem receber. Por gerenciamento estratégico, a G.A.S adota a prática de utilização de múltiplas contas de segurança, tanto de pessoas jurídicas como de pessoas físicas ligadas à operação da empresa, em diversos bancos e em âmbito nacional."