Três anos após eleitores varrerem figuras tradicionais da política brasileira, sob influência do discurso de combate à corrupção e o auge da Operação Lava-Jato, o país assiste, agora, à reabilitação de parte de políticos investigados. Decisões judiciais recentes permitem que candidatos que foram condenados e até presos possam voltar às urnas.
As vitórias no Judiciário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que chegou a passar 580 dias preso, foram as que provocaram o maior impacto eleitoral. O Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, em março, duas sentenças por corrupção e lavagem de dinheiro contra o petista. Para analistas, embora tenha recuperado o direito de se candidatar, Lula ainda terá que se explicar ao eleitor sobre as investigações. Logo após a decisão, 57% dos entrevistados pelo Datafolha ainda consideravam o ex-presidente culpado das acusações feitas pela Lava-Jato.
O ex-presidente Michel Temer (MDB), que chegou a ter o carro interceptado pela Polícia Federal no meio da rua em 2019, já foi absolvido em cinco processos. Embora tenha dito que não tem a pretensão de se candidatar, Temer está participando ativamente das costuras do seu partido, inclusive na busca por um candidato de centro.
O processo de reabilitação de políticos também deve ter impacto nas eleições estaduais. No PSDB, o ex-governador Geraldo Alckmin já ganhou sete de 11 ações na Justiça, de acusações de improbidade, na esfera civil, até caixa dois na Justiça Eleitoral. Ele ainda se divide entre disputar prévias com o atual vice-governador Rodrigo Garcia ou trocar de partido para concorrer ao governo de São Paulo.
Segundo seus advogados, Alckmin ainda é réu em uma ação na Justiça eleitoral por caixa dois envolvendo suposto pagamento da Odebrecht em 2014.
"Não há provas, apenas palavra de delator", afirma Fábio Machado, advogado do ex-governador.
Um dos seus possíveis adversários, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) foi absolvido em pelo menos três ações por improbidade administrativa nos últimos meses. Haddad ainda tem uma condenação na Justiça eleitoral por caixa dois, mas a Procuradoria pediu a absolvição.
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No Paraná, vitórias nos tribunais levaram o ex-governador Beto Richa (PSDB) a avaliar a possibilidade de concorrer ao governo do estado ou à Câmara dos Deputados, segundo seus aliados. O tucano foi preso pelo menos três vezes desde 2018, quando renunciou à candidatura ao Senado. Em fevereiro, ele foi absolvido por falta de provas de uma acusação de aplicação irregular de R$100 mil para reforma de três unidades de saúde em 2008. Pelo menos quatro processos que apuram desvios na educação foram suspensos.
Entidades que atuam contra a impunidade veem um ambiente de enfraquecimento do combate à corrupção.
"A volta desses candidatos decorre de um sistema jurisdicional frouxo. Dica uma sensação amarga quando as penas não são eficazes", afirma o procurador de Justiça de São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
Por outro lado, há quem acredite que a revisão de eventuais abusos da Lava-Jato e de outras operações não significa que todas as investigações tinham erros.
"Trata-se de dar um recado de que o combate à corrupção tem que ser dentro da lei", diz o professor de Direito da USP, Gustavo Badaró.