RIO — Somente nos primeiros oito meses de 2020 os assassinatos de pessoas trans aumentou 70% comparado ao mesmo período do ano passado. Em 2019, o número de conflitos rurais atingindo povos quilombolas, indígenas e camponeses foi 23% maior que em 2018. Também no ano passado, foram assassinados 24 defensores do meio ambiente e dos direitos humanos no Brasil, dentre eles 10 indígenas, fazendo com que o país seja o quarto mais violento do mundo para esses ativistas.
São dados como esses, produzidos por diversas organizações de atuação nacional e internacional, que o novo dossiê do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) compilou e sistematizou para lançar um olhar sobre a militância por causas sociais no Brasil entre 2018 e primeiro semestre de 2020.
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A conclusão do relatório lançado nesta terça-feira é de que a atuação de indivíduos, comunidades ou coletivos que lutam contra a violação de direitos básicos vem se dando num cenário de recrudescimento da violência e de desemparo por parte do governo federal. Elaborado por uma articulação de 42 organizações e movimentos populares, ele aponta que as condições de desigualdades estruturais da sociedade resultam numa violência mais intensa contra ativistas mulheres, negros, LGBTQI+ e povos tradicionais.
Uma das convidadas da live de lançamento do dossiê, Mônica Sacramento, que coordena a ONG Criola e colaborou na elaboração do documento, destacou que o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), que completou 1000 dias nesta terça, é um exemplo dessa conjuntura de risco para as minorias que erguem sua voz.
— A presença de um racismo cis-heternormativo regula essa situação de desigualdade e exclusão sistemática da população negra. Assim, duplas e triplas opressões vão se construindo. Ser mulher negra é ter muito mais chance de sofrer violência, situações de falta de direitos e mortalidade — analisou Mônica na transmissão ao vivo.
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O documento afirma ainda que o aumento da agressividade contra a atuação de defensores de direitos tem como uma das fontes a "incitação à violência pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e sua base contra específicos segmentos da população", entre eles mulheres, profissionais de imprensa, indígenas e quilombolas.
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Como exemplo dessas agressões do presidente, o dossiê cita um levantamento da ONG Artigo 19 que contabilizou ao menos 449 violações de direitos contra jornalistas e comunicadores por Bolsonaro, seus ministros ou familiares dele que exercem mandato eletivo, entre janeiro de 2019 e setembro de 2020. Segundo o relatório, a desqualificação da agenda dos direitos humanos e do trabalho de ONGs por parte de Bolsonaro, "gera um ambiente de legitimação de atos de violência pela população contra estes grupos, e de insegurança dos defensores".
A chegada da pandemia da Covid-19 é apontada pelo estudo como um fator que agravou e escancarou ainda mais a desigualdade de acesso a direitos básicos na população brasileira. O documento mostra, por exemplo, que as maiores vítimas da Covid-19 concentram-se na população negra. Além disso, relata um aumento dos casos de feminicídio durante a quarentena, e ressalta como indígenas e quilombolas sofrem com a ausência de ações integradas pelo Estado.
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Essa falta de políticas públicas direcionadas para essa populações foi destacada pela indígena Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante o lançamento do relatório.
— A nossa luta é pela vida. Já não bastavam todos os conflitos e ataques que sofremos durante cinco séculos, agora temos a pandemia que acentuou a desigualdade e a violência contra as mulheres e nossos povos. Ela escancarou como sofremos com a falta de acesso às políticas públicas — disse Sônia.