Cartas de ato contra violência infantil na Praça dos Três Poderes
Pablo Jacob / Agência O Globo
Cartas de ato contra violência infantil na Praça dos Três Poderes


Um homem, condenado em primeira instância a 18 anos e 8 meses de prisão por estuprar uma sobrinha de 8 anos , foi beneficiado por decisão da 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, naúltima quarta-feira, que descaracterizou o crime para "importunação sexual".

O desembargador João Morenghi, relator do caso, considerou irrelevante o fato de a vítima ter menos de 14 anos de idade, e estabeleceu a pena em um ano, quatro meses e 10 dias,podendo assim ser substituída por prestação de serviços à comunidade.

O crime ocorreu entre 2017 e 2018 em Atibaia, a 60km de São Paulo. A menina costumava ir na casa dos tios para brincar com o primo. Por duas vezes, ele colocou-a sentada em seu colo e esfregou acintosamente o genital no corpo dela. Em 2018, novamente sozinho com a criança, apertou os seios dela.

Desta vez, porém, ela contou para a avó e, depois, para a mãe. Para a avó na criança o acusado disse ser apenas uma brincadeira . Na Justiça, ele afirmou que os parentes queriam causar a separação dele e de sua esposa. Na Justiça, após ter revelado o abuso, a menina afirmou ter medo de que o tio quisesse se vingar de sua mãe.

"Parece claro que, ao aludir a outros atos libidinosos alternativamente à conjunção carnal, o legislador não visou qualquer conduta movida pela concupiscência, mas apenas aquelas equiparáveis ao sexo vaginal. E os atos praticados pelo apelante — fazer a vítima se sentar em seu colo e movimentá-la para cima a fim de se esfregar nela e apertar os seus seios — por óbvio, não possuem tal gravidade", afirmou Morenghi.

No recurso apresentado ao Tribunal de Justiça, a defesa do acusado afirmou não ser recomendável que "condutas mais singelas", embora ainda reprováveis, tenham o mesmo tratamento penal e jurídico  "de conjunção carnal, sexo oral e sexo anal".

No acórdão, Morenghi afirma que é preciso aplicar o princípio de proporcionalidade e reservar a pena mais grave, do crime de estupro , com pena mínima de 6 anos de prisão, para quando ocorre conjunção carnal, ou seja, penetração. Cita ainda jurista que, antes da Lei 12.015/2009, classificou "amassos", "toques nas regiões pudentas" e "apalpadelas" como "atos libidinosos".

Com a lei 2.015, a Justiça passou a entender que todo ato libidinoso com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal. O Superior Tribunal de Justiça reforçou o entendimento e acrescentou ainda que é irrelevante eventual consentimento da vítima ou experiência sexual anterior, já que muitos homens usavam tais argumentos para escapar da pena de estupro de vulnerável .

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Para a promotora Fabíola Sucasas, integrante do Ministério Público Democrático, a decisão da 12ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP desconsidera a jurisprudência e o avanço nas leis de proteção a menores de 14anos e a lei é muito clara no sentido de incluir qualquer ato libidinoso, não apenas conjunção carnal.

"Não podemos fazer dessas ginásticas, que inventam teses como legítima defesa da honra, estupro culposo, ou mesmo a tal importunação sexual de vulnerável, instrumentos de silenciamento de nossos direitos. Lamentável a decisão, que retrata a necessidade de exigirmos uma mudança radical no pensamento machista brasileiro", disse a promotora.

Esta não é a primeira vez que o TJ-SP descaracteriza um crime de estupro de vulnerável. Em outubro do ano passado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal(STF) manteve a condenação de um homem que deu um beijo lascivo em uma criança de 5 anos de idade. O homem havia sido condenado emprimeira instância, em Igarapava (SP), a oito anos de reclusão, em regime inicial semi-aberto, por estupro de vulnerável.

A defesa dele apelou ao TJ-SP, que desqualificou o ato para a contravenção penal de molestamento (artigo 65 da Lei de Contravenções Penais).

Também neste caso, os advogados do acusado disseram que a pena havia sido desproporcional à conduta e que não teria havido conotação sexual no beijo ou danos psicológicos à criança. A Procuradoria-Geral da República (PGR)afirmou que beijar uma criança na boca é ato libidinoso, o que,pela lei, configura estupro de vulnerável.

O ministro Alexandre de Moraes concluiu que "houve um ato clássico de pedofilia " emanteve a condenação do réu. "Não houve conjunção carnal, mas houve abuso de confiança para um ato sexual", afirmou.

Os ministros Luiz Fux eRosa Weber também entenderam que o ato configurou o delito de estupro de vulnerável . Dois votos, porém, foram favoráveis ao réu: o ministro Marco Aurélio considerou que o beijo lascivo não configura estupro e que ele não se equipara à penetração oucontato direto com a genitália da vítima.

O ministro Luís Roberto Barroso considerou a pena excessiva e votou por determinar que o juiz de primeira instância emitisse nova sentença com base no artigo 215-A do Código Penal, que é a prática de ato libidinoso e tem pena menor, de um a cinco anos de prisão.


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