Três meses após ter denunciado o deputado Arthur Lira (PP-AL) ao Supremo Tribunal Federal (STF) sob acusação de corrupção passiva, a Procuradoria-Geral da República (PGR) voltou atrás na acusação e pediu ao STF que rejeite a denúncia que o próprio órgão havia apresentado.
Aliado recente do presidente Jair Bolsonaro, Arthur Lira é um dos expoentes do centrão e se tornou uma espécie de líder informal do governo na Câmara. Tem seu nome cotado para disputar a Presidência da Casa.
Na denúncia apresentada em junho, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR e pessoa de confiança do procurador-geral da República Augusto Aras, escreveu que os elementos de corroboração colhidos pela investigação permitiram comprovar o repasse de propina ao parlamentar.
"Ante o exposto, resta provado, para muito além de meras palavras de colaboradores, que o Deputado Federal ARTHUR CÉSAR PEREIRA DE LIRA recebeu, em duas vezes, indiretamente, vantagem indevida de R$ 1.598.700,00 (um milhão, quinhentos e noventa e oito mil e setecentos reais), em razão da função pública, provenientes de valores desviados de obras da PETROBRAS S/A, pela empresa QUEIROZ GALVÃO".
A PGR apontou uma sofisticada engenharia financeira, por meio do uso de doleiros, dentre eles Alberto Youssef, para gerar os valores desviados da Petrobras e entregá-los em dinheiro vivo a Lira em Brasília. "Em momento posterior, o dinheiro foi fracionado e transferido ao exterior ( crime de evasão de divisas) e depois novamente internalizado mediante operações paralelas de câmbio, conhecida por operação dólar-cabo.
O valor foi devolvido a ALBERTO YOUSSEF, responsável por entregar o dinheiro em espécie a assessor do parlamentar ARTHUR DE LIRA", escreveu na denúncia.
Agora, em manifestação protocolada na segunda-feira em resposta a um pedido da defesa de Arthur Lira para que o STF rejeitasse a denúncia, Lindôra descontruiu a própria acusação e apontou a existência de "fragilidade probatória".
"Não há elementos nos autos que comprovem o elo entre o parlamentar e a Queiroz Galvão", escreveu. Prossegue Lindôra: "Há contradição entre as narrativas apresentadas pelos colaboradores ALBERTO YOUSSEF e CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA ROCHA quanto ao destino dos valores ilícitos pagos pela construtura Queiroz Galvão - um pagamento de R$ 1.005.700,00 e outro de R$ 593.000,00, ambos realizados em Brasília nos dias 16 e 17/0512012. Ademais, não consta da planilha de controle do 'caixa de propina' à disposição do Partido Progressista nenhuma informação de que os referidos valores seriam destinados a ARTHUR CÉSAR PEREIRA LIRA (consta a informação de que o 'dinheiro foi para BSB destinado a políticos do PP / Liderança')".
"Tais circunstâncias revelam, por ora, a fragilidade probatória quanto aos fatos imputados ao Deputado Federal ARTHUR LIRA. Por conseguinte, em juízo de parcial retratação, manifesta-se o Ministério Público Federal favoravelmente ao pleito defensivo. a fim de que seja rejeitada a denúncia em relação a ARTHUR CÉSAR PEREIRA LIRA, com fundamento na ausência de justa causa", escreveu Lindôra ao ministro do STF Edson Fachin, relator do caso.
O pedido é considerado atípico por fontes do Ministério Público Federal. Essas fontes citam ser comum que um procurador discorde do trabalho do outro e mude o posicionamento, mas é incomum o mesmo procurador mudar de posição na apresentação de uma denúncia que ele próprio havia formulado.
A manifestação de Lindôra transformou a acusação em uma peça inócua. Agora, permanecem como acusados três delatores e um empresário da Queiro Galvão acusado de pagar propina ao parlamentar. Mas o suposto recebedor da propina não é mais acusado de nenhum crime.
Investigadores apontam que o conjunto probatório usado no caso é o principal acervo de provas do início da Lava-Jato e foi usado em diversas acusações contra políticos do PP. Por isso, um recuo na avaliação da validade dessas provas pela PGR pode abrir brecha para que outros investigados pela Lava-Jato questionem as provas da operação.