Mulher de miliciano é policial e trabalhava em delegacia que o investigaria

Capitão Leonardo Magalhães Gomes da Silva foi preso acusado de ser chefe de grupo paramilitar. Esposa dele foi lotada em delegacia no mês de outubro

PM foi preso acusado de ser chefe de milícia
Foto: Divulgação
PM foi preso acusado de ser chefe de milícia

A milícia que domina os bairros de Vargem Grande e Vargem Pequena, na Zona Oeste do Rio , tem tentáculos na Polícia Civil. A mulher do capitão PM Leonardo Magalhães Gomes da Silva, preso acusado de ser o chefe do grupo paramilitar, é inspetora e trabalhava na delegacia que deveria investigar a quadrilha do marido, a 42ª DP (Recreio). Ela foi lotada na unidade até outubro de 2019 — justamente o período em que milícia chefiada pelo capitão consolidou, à base de homicídios, seu controle sobre a região.

A inspetora foi identificada pela Delegacia de Homicídios (DH) e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio a partir de interceptações telefônicas. O nome da mulher foi citado por comparsas de Leonardo em duas ligações diferentes. Numa delas, em julho de 2019, uma mulher pergunta a Deivid Salgado da Silva, um dos gerentes da milícia, “qual o nome da mulher do capitão”. Ele responde com o nome da inspetora. A mulher então diz que fez a pergunta porque uma amiga teria que comparecer à delegacia: “ela vai ter que ir na 42 agora, porque foi intimada”.

A 42ª DP é a delegacia responsável por investigar crimes nos dois bairros sob domínio da quadrilha. Já na outra ligação, em junho de 2019, Gabriel da Silva Alves, o Biel, mais um gerente da milícia, avisa ao interlocutor que o capitão iria se atrasar para um encontro do grupo porque a inspetora “está passando mal”, se referindo à mulher pelo nome.

Uma terceira ligação indica o pagamento de propina, pelos milicianos, a agentes da 42ª DP. Na ocasião, em outubro do ano passado, Biel havia sido detido e levado à unidade. Um comparsa informou a outro que estava “indo para a 42” e dá a entender que os policiais exigiram a quantia de R$ 6 mil para liberar Biel: “eles estão esperando o capitão trazer o dinheiro”, disse o miliciano. De acordo com a denúncia do Gaeco contra o grupo, Biel “precisou pagar a quantia de R$ 6 mil para se livrar da autuação, quantia essa que te ria sido entregue pelo capitão”.

As interceptações telefônicas, feitas de maio a outubro do passado, culminaram na Operação Porto Firme, que levou à prisão de 14 milicianos — o capitão entre eles — em 9 de julho. De acordo com a denúncia, o grupo paramilitar explorava a venda de drogas na região, o que levou a quadrilha a ser chamada de “narcomilícia” pela polícia. A investigação identificou seis assassinatos cometidos por integrantes do grupo nos últimos dois anos.

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Mesmo após a operação, a DH segue investigando o bando: o inquérito foi desmembrado para que outros membros sejam identificados. A inspetora, hoje lotada na 43ª DP (Guaratiba) — unidade responsável por outra área sob domínio da milícia — é alvo dessa nova investigação.

Referências a 'Bolsonaro'

Segundo a denúncia do MP, o capitão Leonardo Silva, além de comandar todas as ações do milícia, também era responsável por viabilizar o pagamento de propinas a outros PMs para evitar prisões dos integrantes do grupo. De acordo com a denúncia, seus comparsas se referiam a Leonardo, em ligações telefônicas, como “Bolsonaro”.

Na Polícia Militar, entretanto, o oficial ocupava um cargo importante, responsável por fiscalizar gastos da corporação: até duas semanas antes de ser preso, Silva era gestor de contratos da Diretoria de Transporte (DT). Sua atribuição era supervisionar contratos das oficinas mecânicas credenciadas pela PM para a manutenção de viaturas.

O oficial também tinha como atribuição punir administrativamente empresas fornecedoras que não cumpriam os contratos assinados com a corporação. No início de junho, por exemplo, Silva foi nomeado como responsável por apurar o descumprimento do contrato da empresa que fornece alimentos para os batalhões por atraso na entrega dos produtos. O oficial batia ponto no Quartel General da PM.

Há dois integrantes da milícia ainda foragidos. Biel e Caio Camilo Assis, o Canela, não foram capturados no dia da operação. Informações que possam levar à prisão dos dois podem ser passadas ao Disque-Denúncia (2253-1177).