Milícia troca terrenos invadidos no Rio de Janeiro por fuzis

Uma das transições identificadas pela investigação mostra policial do Rio de Janeiro negociando troca de um lote por um fuzil apreendido com criminosos

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Foto: Divulgação/Polícia Civil
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Um terreno por um fuzil. É dessa forma que a milícia que domina Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio , consegue se armar. Uma investigação da Delegacia de Homicídios (DH) e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio escancara como os paramilitares conseguiram unir a grilagem de terras ao tráfico de armas. Interceptações telefônicas revelam que os milicianos invadem terrenos — muitos em áreas de proteção ambiental —, fazem obras de terraplanagem, conseguem “esquentar” a documentação dessas áreas e, por fim, trocam os lotes por armamento.

Numa das transações identificadas pela investigação, o comprador do terreno foi um policial, que negociou a troca de um lote por um fuzil apreendido com criminosos. “A gente tá aqui com um que tá sem o pente, mandou até entocar, não interessa? Novinho, só que esse aqui é AR10, tá sem o pente, ele ‘prendeu’ ontem”, diz um intermediário do policial, numa ligação interceptada em junho do ano passado.

Do outro lado da linha estava Deivid Salgado da Silva, um dos 14 integrantes da milícia presos na Operação Porto Firme, em 9 de julho. O miliciano negocia: “Então ele vai dar o AR10 e mais o quê? O terreno tá no valor de R$ 93 mil”. O intermediário insiste e diz que a arma “só tá sem o pente, AR10 boladão, novinho”. Deivid é convencido e topa ficar com o fuzil se o policial “arrumar” o pente.

“Não tem caô não, ele é polícia, tá suave, dá nada não”, garante o intermediário. No final da conversa, os dois combinam de o policial visitar o terreno. “Tem RGI (Registro Geral de Imóveis, documento que garante a posse do terreno), tá legalizado, condomínio de luxo”, enumera o miliciano antes de fechar o negócio.

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Na denúncia contra o grupo, promotores do Gaeco alertam que “grilagem de terrenos e construções irregulares” podem ter “resultados potencialmente danosos, como os causados na favela da Muzema”, onde 24 pessoas morreram no desabamento de um prédio em 2019.

Prédio sem engenheiro

Outra ligação, interceptada em julho do ano passado, revela os meandros da construção dos empreendimentos da milícia. Um interlocutor explica para Deivid que as construções não têm sequer a supervisão de um engenheiro. “Deixa eu dar um feedback, irmão, do que tá rolando. A gente mandou uns e-mails, não pra engenheiro, porque a gente não tem grana pra isso. A gente chamou um designer, entendeu? Pra ele montar o projetinho pra gente do prédio, estruturar o prédio”.

De acordo com a investigação, todas as atividades eram monitoradas pelo chefe da milícia, a quem todos os subordinados respondiam, o capitão PM Leonardo Magalhães Gomes da Silva. Na PM, o oficial ocupava um cargo importante: era gestor de contratos da Diretoria de Transporte (DT).