O deslocamento até o trabalho virou um sofrimento nesta segunda-feira (3) para moradores da Zona Norte do Rio. A Viação Estrela já havia anunciado no fim da semana passada o encerramento de suas atividades, por dificuldades financeiras, mas passageiros de algumas das suas 15 linhas, que cobrem bairros como Méier, Tomás Coelho, Rocha Miranda e Irajá, entre outros, só descobriram isso pela manhã ao chegarem aos pontos.
Segundo usuários, alguns itinerários foram assumidos por outras empresas do mesmo consórcio . Já outras linhas como a 651 (Cascadura-Méier), 653 (Marechal Hermes-Méier) e 311 (Engenheiro Leal-Candelária) desapareceram sem aviso prévio. A 678 (Vila Valqueire-Méier) é uma das que estão rodando com as cores de uma nova viação, mas os coletivos demoram muito a passar.
Apesar de o anúncio de encerramento das atividades ter sido amplamente veiculado nas redes sociais desde sexta-feira, a Secretaria municipal de Transportes informou nesta segunda-feira que não havia sido comunicada oficialmente pela empresa, representada pelos consórcios Transcarioca e Internorte .
Entretanto, quem depende do transporte já começou a sentir os efeitos. É o caso da assistente de Recursos Humanos, Letícia Marques. Ela teve de contar com a carona do marido que a levou de carro de Cavalcante, onde mora o casal, até o Lins, onde ela trabalha.
Essa vai ser a solução para essa primeira semana sem o 651 que ela utiliza na ida e o 652 que pega na volta para casa, por conta da disponibilidade do marido. Mas, a partir da semana que vem, em vez de uma única condução vai ter de utilizar duas em cada trajeto: ônibus e van, representando mais gasto de tempo e dinheiro nos percursos.
"Antes eu pegava o 651 próximo de casa e descia bem perto do trabalho. Na volta era a mesma coisa (só que com o 652). Agora vou precisar sair bem mais cedo (de casa) e gastar mais dinheiro. E isso está gerando mais problemas para mim, pois sou assistente de recursos humanos e onde trabalho muitos do nossos funcionários também utilizam essas linhas", afirmou a passageira.
O barbeiro Leandro Ramos de Oliveira, de 37, morador de Cavalcante, também depende das duas linhas para se deslocar para o trabalho no Méier. Hoje foi a pé até Cascadura, onde pegou um coletivo que o levaria para o serviço. A outra opção para o passageiro é caminhar até Madureira.
"Eu pegava dois ônibus por dia; um para ir outro para voltar. Agora serão quatro: dois na ida e dois na volta. Vou gastar mais tempo e dinheiro", reclamou.
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A manicure Karen Emanuele Claudina de Araújo, de 28, moradora no mesmo bairro, alega que o 678 (Vila Valqueire-Méier) não atende a população a contento porque não passa pela Rua Dias da Cruz, onde fica o centro comercial do Méier, destino de muitos passageiros. Além disso, ela diz que a linha está com frota reduzida e os ônibus demoram muito a passar.
"A 651 e 652 fazem muita falta para quem mora em Cavalcante e precisa ir para o Méier ou Pilares. Estamos sendo muito prejudicados. Perdemos muitas linhas nos últimos meses. A 311, também da Estrela, foi a primeira. O 678 demora mais de uma hora para passar. Além disso não atende todo mundo porque seu trajeto passa pelo (hospital) Salgado Filho. Aqui no bairro tem idosos e muitas gestantes, que vão para a maternidade do Carmela Dutra (que fica do outro lado do Méier) fazer pré-natal e ficaram sem opção", se queixou a moradora.
O analista de negócios, João Carlos Oliveira, de 22, morador em Tomás Coelho, lamenta o desaparecimento da 311 que, segundo ele, era a única ligação direta com o Centro da cidade. A linha desapareceu no começo da pandemia e agora a esperança que ela retorne é remota. "A Zona Norte vem sofrendo com a perda de linhas numa velocidade muito rápida", criticou o morador.
Desrespeito ao contrato
No caso de fechamento de empresas, a SMTR diz que não deve haver qualquer prejuízo na operação das linhas de ônibus, já que o serviço foi licitado (em 2010) por regiões e para os quatro consórcios (Internorte, Intersul, Transcarioca e Santa Cruz), e não por linhas ou para empresas. ‘‘Sendo assim, é de responsabilidade do consórcio absorver e operar as linhas se alguma empresa integrante encerrar as atividades, sem deixar de prestar o serviço essencial à população’’, diz a secretaria.
O órgão prometeu monitorar a situação e, caso seja constatado descumprimento das obrigações, poderá notificar e multar os consórcios.
O Consórcio Internorte alegou que a Transportes Estrela paralisou as atividades por ‘‘absoluta falta de condições de seguir em operação’’, inviabilizada em razão do colapso econômico que atinge o setor de transporte. ‘‘A situação crítica das empresas de ônibus na cidade não é novidade, e a ausência de medidas efetivas por parte da administração pública do Rio tem impactado fortemente um sistema que transporta milhões de passageiro diariamente’’, diz a nota.
O consórcio culpa ainda a expansão do transporte alternativo clandestino, a concorrência dos meios de transporte por aplicativo nos trajetos curtos e a queda em mais de 50% do volume de passageiros por conta das medidas de restrição impostas por causa da pandemia .
Problema se agravou na pandemia
No começo de julho, o EXTRA havia mostrado que a volta de muitos cariocas ao trabalho, com a flexibilização das medidas de isolamento, estava deixando evidente um problema antigo, que se agravou durante a pandemia: o sumiço das linhas de ônibus. De acordo com reclamações dos usuários, pelo menos 20 linhas desapareceram os últimos meses. Outras 10 que tiveram horário reduzido não normalizaram a circulação, agravando a dificuldade no retorno para casa.
Na ocasião, os consórcios alegaram dificuldades para manter as linhas em circulação, por conta das restrições impostas pela pandemia. A SMTR constatou o problema, disse que os consórcios foram multados, mas para os passageiros pouca coisa mudou.