Na madrugada do dia 19 de maio, a comerciante Maria Lurdiany Mendes, de 36 anos, dona de uma loja de confecções na pequena cidade de Ubajara (CE), com pouco mais de 30 mil habitantes, a 310 km de Fortaleza, deu entrada no setor de emergência do Hospital Regional Norte (HRN), em Sobral, a 81 km dali, diagnosticada com covid-19.
Seria apenas mais um caso entre o 1,8 milhão de infectados no Brasil, não fosse um fato raro nessa situação: ela estava em estado grave da doença e grávida de 28 semanas. Os médicos decidiram então pelo parto de emergência no dia 21 de maio, quando deu à luz sua primeira filha, Diany Hadassa. Depois disso, a mãe foi intubada e se recuperou — e só pode pegar a filha no colo no colo 51 dias depois do parto.
Antes disso, na sexta-feira à noite, dia 8 de maio, ela sentiu os primeiros sintomas da doença.
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"Comecei a ter febre alta, dor nas costas e na parte de baixo da barriga, que eu achava que era por causa da gravidez, e falta de paladar", conta. No dia seguinte, seu marido, Vileimar Alves, de 46 anos, correu com Lurdiany para o hospital de Ubajara.
"Foram solicitados exames, ela tomou medicação para dor e recebeu alta no mesmo dia", lembra ele. "Na segunda-feira, dia 11, realizou os exames pedidos, levei os resultados a um médico particular, que disse que ela estava com infecção urinária. Passou medicação para tomar por sete dias. Iniciou o uso no mesmo dia 11."
A febre não passava, no entanto. "Na quarta-feira, dia 13, meu marido me levou de volta ao hospital de Ubajara", conta Lurdiany. "Nesse momento, eu já estava sentindo um desconforto respiratório e uma dor nas costas, que seria nos rins. Fiquei pela segunda vez no hospital da cidade, por 24 horas. No final do dia 14, quinta-feira, foi solicitada a minha transferência para o São Camilo, de Tianguá (a 17 km de Ubajara), por conta do desconforto respiratório, que aumentava a cada instante."
Eles chegaram ao hospital São Camilo por volta das 21 horas do dia 14. Lá, Lurdyani realizou novos exames, que constataram que ela estava com covid-19. "Minha mulher permaneceu nesse hospital até segunda-feira, dia 18", diz Alves. "Mas não dava mais para continuar lá, pois o desconforto respiratório já estava chegando ao limite. Então foi solicitada a transferência dela para o HRN, que é especializado em casos de alta complexidade, no qual deu entrada na madrugada do dia 19."
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A obstetra Eveline Valeriano Moura Linhares, coordenadora médica da Obstetrícia do HRN, que fez o parto de Lurdiany, diz que a paciente foi internada apresentando sintomas graves da covid-19, com falta de ar, e, por isso, necessitou ser intubada. "Foi fundamental a rápida decisão médica de realizar o parto e, assim, permitir a recuperação dela", diz. "Felizmente, tivemos sucesso. Era um caso muito difícil, muito grave e todos nós da equipe da obstetrícia ficamos gratos pelo compromisso e pelo apoio de todo o corpo clínico."
Lurdyani ficou 26 dias na UTI, do dia 21 de maio ao dia 15 de junho, dos quais 19 intubada (em coma induzido). A bebê não contraiu covid-19. "Os recém-nascidos têm pouca chance de adquirir a doença", diz Eveline. "A criança continua internada e apresenta um quadro de melhora diária e deve ser estimulada quando receber alta, por uma equipe multiprofissional, por causa do nascimento prematuro, necessário para a melhora da mãe."
De acordo com ela, pesquisas iniciais indicavam que pacientes grávidas não pareciam ter um risco maior de desenvolver sintomas graves pela covid-19. "Entretanto, surgiram publicações mais recentes, que mostram que a gestação e o pós-parto podem aumentar o risco tanto para as mães quanto para os bebês", revela. "Muito disso pode ser explicado pela relativa imunodeficiência própria desse período, que leva a modificações fisiológicas no organismo materno."
Lurdiany, recebeu alta no dia 7 de julho, depois de 50 dias internada, quando ela pegou sua filha no colo pela primeira vez. Ela só havia visto a bebê uma vez antes, no dia 26 de junho, 43 dias após o parto, por videochamada. "Tive o privilégio de poder ver minha filha pessoalmente, na ocasião em que recebi alta do hospital", conta.
"Quando a vi e segurei fiquei emocionada e chorei", conta. "Sou muito grata a Jeová Deus, aos profissionais do Hospital Regional Norte e ao meu marido, que em nenhum momento me abandonou. Agora eu estou aguardando com grande expectativa o dia de poder ver minha filha pessoalmente outra vez e de poder trazê-la para nossa casa."
Lurdyani não sabe exatamente como contraiu o vírus, mas acredita que tenha sido contaminada pelo marido. "Do dia 5 ao dia 8 de maio, ele sentiu muita febre, mas tomou remédio [paracetamol] e ficou bem", explica. "No dia 8, eu comecei sentir a mesma febre que Vileimar teve. Acho que por eu ser hipertensa e estar grávida, esses sintomas se agravaram."
Alves também não sabe como foi infectado. "Deve ter sido em alguma ida ao mercado ou outro lugar público", conjectura. Faz sentido. Apesar de ser uma cidade pequena, Ubajara tem um grande número relativo de casos. Segundo dados oficiais do governo do Estado do Ceará, o município tem, pelos dados mais recentes, 665 contaminados, embora nenhuma morte até agora.
Na fase mais grave da doença, o casal temeu pela vida de Lurdyani e da filha. "Até os próprios médicos, ficaram muito preocupados", lembra Alves. "Mas eu, no período em que a minha esposa estava desacordada, nunca perdi a esperança, e sempre disse, que Jeová Deus não ia deixar ela e minha filha morrerem. Nossa filha segue sem previsão de alta da UTI do HRN. Mas vou ficar indo uma vez por semana na unidade, para vê-la, até que possamos trazê-la de alta para casa."
Enquanto esperam por esse dia, Lurdyani faz exercícios para se recuperar das sequelas, que, embora graves, são reversíveis. "Perdi os movimentos dos braços e das pernas, contraí infecção hospitalar, e muitas lesões pelo o corpo", conta.
"Imagine uma pessoa ficar 19 dias desacordada em um leito de uma UTI. É muita pressão. Além da fala, que também ficou muito fragilizada, por causa da intubação. É exatamente por esse estágio que estou passando, com tratamento de fonoaudiólogo e fisioterapeuta."