Ativista trans é vítima da Covid-19: “Foi até o limite para ajudar a comunidade”

Mesmo com comorbidades, Amanda Marfree arrecadou doações e as entregava pessoalmente em casas de acolhida de mulheres trans e travestis: "todo mundo precisa de ajuda"

Amanda Marfree teria adoecido após teste negativo de Covid-19
Foto: Dani Villar
Amanda Marfree teria adoecido após teste negativo de Covid-19


A ativista trans Amanda Marfree, de 35 anos, faleceu na madrugada desta terça-feira (23) em São Paulo, mais uma vítima fatal da Covid-19 . Durante a pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), ela distribuía pessoalmente doações de cestas básicas em casas de acolhida para mulheres trans e travestis. Amanda ainda era pré-candidata a vereadora pelo coletivo DiverCidade SP (PSOL).


Amanda é conhecida na cena do ativismo trans paulistano. Natural de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, ela morava na cidade de São Paulo. 

Trabalhava como orientadora educacional na Organização Social (OS) Centro de Referência e Defesa da Diversidade em São Paulo (CRD) e recepcionista no Centro de Cidadania LGBT da Prefeitura de São Paulo.

No CRD, a ativista atendia à população do Centro, distribuía alimentos, ensinava pessoas, dava assistência às pessoas trans em situação de rua .

Pri Bertucci, também ativista e amigo próximo da vítima, lembra da amiga como uma pessoa que sempre se prontificou a ir para a linha de frente. “Ela era muito de doar”, diz. “Ela foi até o limite para ajudar a comunidade.”

Emanuele S. Bernardo, técnica de enfermagem, descreve Amanda como “muito humana” e que “sempre dava um jeito para tudo”. Ela tinha contato com a ativista em eventos da militância trans .

“Uma vez, ela me ouviu dizendo que queria alugar um kitnet no Centro. Em minutos, ela me mandou um contato de um proprietário que alugava imóveis para pessoas trans”, lembra.

Nas redes sociais, o falecimento de Amanda não passou batido. Coletivos e militantes usaram as redes sociais para homenagear a ativista.

Foto: Acervo pessoal
Amanda entregava cestas básicas pessoalmente às travestis e mulheres trans em casas de acolhida, mesmo com as medidas de isolamento social

“Onde tinha uma travesti precisando de auxílio, lá estava ela fortalecendo”, diz a atriz Renata Carvalho em sua página no Facebook. “O mundo fica menos solidário . Nós travestis ficamos sem sua bondade, seu companheirismo e sua militância. O Traviarcado está em luto”, escreve.

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O Coletivo Arouchianos afirmou em nota que Amanda morreu ajudando. “Ela morreu fazendo aquilo que poucas pessoas estão dispostas a fazer: ir até às pessoas travestis e mulheres transexuais da base e fortalecer . É nisto que acreditamos e é assim que será lembrada”, diz.

O Museu da Diversidade também se pronunciou em seu perfil no Instagram. "Sua generosidade e militância ficarão para sempre em nossa lembrança", escreveu o centro cultural.

"Todo mundo precisa de ajuda"

Amigas e amigos afirmam que Amanda sofria de comorbidades como trombose, pressão alta e sobrepeso. “Pelo que saiba, a obesidade tinha algo a ver com a tireoide. Era sempre ofegante, cansava fácil. Mas pelo visto, isso não foi uma barreira”, afirma Emanuele.

Quando a pandemia começou, a ativista se prontificou a arrecadar doações para mulheres trans e travestis que são profissionais do sexo. Mesmo acolhidas, Amanda afirmava que estavam sem assistência.

“Ela dizia: ‘vou ajudar porque sei da dificuldade que estão passando. Sem programa, ninguém está ajudando elas. Todo mundo precisa de ajuda’”, diz Pri.


Pri é CEO da consultoria de diversidade Diversity Bbox , que organiza há três anos a Marcha do Orgulho Transevento no qual Amanda foi colaboradora na segunda edição, que aconteceu em 2019. Ele se prontificou a organizar flyers e ajudar na arrecadação de dinheiro para a compra das cestas básicas. Segundo o ativista, Amanda fazia questão de levar as doações pessoalmente.

Pri conversou com Amanda pelo telefone no último dia 15. Ele percebeu que a amiga tossia e parecia cansada. “Alertei que ela precisava ir ao médico, que poderia ser Covid-19, mas ela disse que estava bem, era só um resfriado”, diz o amigo. Essa foi a última vez que os dois conversaram.

A notícia da morte de Amanda chegou de repente e foi recebida com choque por militantes da comunidade LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgênero, travestis, queers, intersexo, agênero, pansexuais e mais). Pri afirma que, nos grupos em que a mensagem foi compartilhada, ainda não se sabe como a doença se desenvolveu na amiga. Mais tarde, ele descobriu que a ativista ficou alguns dias internada no Hospital Planalto, em Itaquera, Zona Leste de São Paulo.

Em postagem no Facebook, Renata Carvalho relata que Amanda ficou de cama por cinco dias. A ativista teria realizado o teste para a Covid-19 , mas deu negativo. Ela teria sido contaminada pelo novo coronavírus após a testagem.