Hospital de campanha montado no estádio do Pacaembu, no Rio de Janeiro
Sérgio Souza / Agência O Globo
Hospital de campanha montado no estádio do Pacaembu, no Rio de Janeiro

Em uma conversa telefônica interceptada pela força-tarefa da Lava-Jato, dois acusados de integrar uma quadrilha de fraudadores da área de saúde do estado fizeram menções ao governador Wilson Witzel . No grampo ao qual O GLOBO teve acesso, realizado em 9 abril, Luiz Roberto Martins, acusado pelos procuradores da República de ser o operador financeiro de um esquema chefiado pelo empresário Mário Peixoto , conversa com Elcy dos Santos, ex-diretor da Organização Social (OS) IDR, sobre denúncias de compras superfaturadas. Elcy diz que foi Witzel quem determinou sigilo sobre todos os contratos emergenciais firmados pelo estado durante a pandemia do coronavírus.

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“Hoje, o governador do Rio propôs sigilo em todos os documentos de contratação de emergência lá”, afirma Elcy. Luiz Roberto pergunta: “Pediu sigilo?”. Elcy responde: “Impôs sigilo, não pediu, não! Impôs! Naqueles contratos que fizeram de emergência com o governo do estado, impôs sigilo”.

De fato, quando as denúncias começaram a vir à tona, o acesso público aos contratos foi suspenso. Na época, após receber críticas, Witzel afirmou que isso ocorreu devido a um erro de um servidor da Secretaria de Saúde e disse que abriu uma sindicância para apurar o fato. Logo em seguida, o sistema voltou a permitir consultas. Ontem, por meio de sua assessoria, Witzel voltou a dar a mesma explicação.

Na mesma conversa, Luiz Roberto comenta sobre a contratação emergencial de 1.400 leitos em hospitais de campanha , chamando a atenção para o fato de o Iabas, outra OS, ter sido escolhido para prestar o serviço. “Você sabe que fizeram agora um chamamento para a construção de 1.400 leitos de campanha. Você sabe quem foi escolhido? O Iabas. Você sabe por quanto? Oitocentos e cinquenta milhões de reais”, conta. Elcy se surpreende com o fato de o Iabas estar prestando serviço ao estado e lembrou que a OS teria tido R$ 1,5 bilhão em contratos na gestão do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes. Ele sugere que a entidade pode ter sido ajudada a “voltar por cima”. Nessa parte do diálogo, Luiz Roberto afirma que havia pessoas no estado querendo notas fiscais de R$ 250 mil para respiradores que custam R$ 32 mil. “Depois todo mundo vai preso, depois de passar isso aí, nós vamos ter uma nova Lava-Jato”, observa.

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Dois dias depois, Gabriell Carvalho dos Santos, que era subsecretário de Saúde, foi afastado do cargo e exonerado por Witzel. Em uma operação do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaeco) do Ministério Público do Rio, há duas semanas, Gabriell foi preso sob a acusação de integrar uma organização criminosa formada para a compra de respiradores , com dispensa de licitação, a preços superfaturados . Ele depôs por quase nove horas na prisão, e o registro do que disse foi enviado à Procuradoria Geral da República. O Superior Tribunal de Justiça investiga o caso porque o governador do Rio tem foro privilegiado.

Em um outro telefonema grampeado, Luiz Roberto cita para Elcy a existência de “cachezinhos”, que seriam, segundo investigadores, pagamentos de propina do empresário Mário Peixoto, que, assim como o primeiro, está preso. Luiz Roberto menciona uma suposta dinâmica de atuação do grupo: “O nosso amigo, o meu amigo lá, está em maus lençóis. Mas já botou uma tropa de choque”. E prossegue: “para trabalhar, tá pagando um cachezinho, aquele cachezinho básico 500 mil para um, 1 milhão para outro”.

Ontem, o estado informou em nota que, por determinação do governador , todos os 66 contratos emergenciais firmados pela Secretaria de Saúde estão sob análise: 44 já foram cancelados.

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Questionado sobre a citação de seu nome em um grampo , o ex-prefeito Eduardo Paes ressaltou que cabia a Daniel Soranz, seu então secretário de Saúde, cuidar das contratações para a pasta. Soranz, por sua vez, informou que, durante a sua gestão, todos as contratações foram feitas conforme determina a legislação, por chamamento público, ou seja, com licitação, e que o Iabas passou por esse processo. Segundo ele, o Iabas começou na prefeitura em 2012 e prosseguiu até 2019, na gestão de Marcelo Crivella, atuando nas Clínicas da Família de Campo Grande, Bangu, Santa Cruz, Vila Kennedy e Madureira.

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