Os anúncios oficiais da prefeitura e do governo de São Paulo de medidas para salvar vidas durante o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2)
são feitos nas coletivas de imprensa no Palácio dos Bandeirantes, no bairro do Morumbi, na Zona Sul da capital. A 3,4 quilômetros do edifício-sede do governo, cerca de dez minutos de percurso de carro, fica localizada a favela de Paraisópolis
, uma das maiores de São Paulo. Apesar da pouca distância entre os locais, moradores criticam o poder público pela falta de uma política específica de prevenção nas periferias
e assumem a linha de frente no combate ao Covid-19.
Com pouco ou quase nenhum apoio do governo para tentar diminuir a disseminação do novo coronavírus (Sars-CoV-2), o bairro com estrutura de cidade se reinventa. A segunda maior favela de São Paulo , com cerca de cem mil habitantes, criou uma rede solidária para fornecer suporte e evitar mais mortes na comunidade.
''As favelas estão largadas à própria sorte sem nem sequer serem citadas nos pronunciamentos do governo. A Covid-19 escancara a ausência do poder público, não só aqui em Paraisópolis, mas em outras periferias. Falta água, saneamento básico e suporte na saúde'', denuncia Gilson Rodrigues, líder comunitário e presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis.
Um levantamento feito pelo Instituto Locomotiva/Data Favela mostra que 80% dos trabalhadores da favela tiveram a renda reduzida devido a crise causada pela pandemia. A pesquisa estima que 13,6 milhões de pessoas vivem em favelas no Brasil.
Sem perspectiva de melhorias em Paraisópolis e diante do aumento no número de casos de Covid-19, Rodrigues e outros representantes locais uniram forças e reconfiguraram um pavilhão social para servir de base das ações sociais na favela.
Gilson conta que foram elaboradas dez iniciativas, entre elas a contratação de três ambulâncias e sete profissionais da saúde que ficam disponíveis 24 horas para atender aos pedidos de socorro da comunidade. ''É comum o Samu não chegar em Paraisópolis'', diz Rodrigues. Além dos veículos e profissionais, o pavilhão abriga a cozinha comunitária, o centro de distribuição de máscaras e as demais salas para dialogar sobre a logística do combate ao novo coronavírus.
Todas as ações foram desenvolvidas com recursos de doações e parcerias com empresas privadas procuradas pela comunidade. As ambulâncias por exemplo, foram adquiridas com recursos de "doações de pessoas físicas em sua maioria. Temos mobilização através da campanha de financiamento coletivo. Tivemos um apoio da NOVARTIS que é uma farmacêutica, e da CISV uma instituição de voluntários que fez uma campanha pra gente", conta Gilson.
A organização de Paraisópolis
O primeiro passo, no dia 19 de março, foi transformar 420 moradores em ''presidentes de rua'' para monitorarem grupos de 50 casas e possíveis casos da doença, além de reforçar a importância do isolamento social . Eles também são responsáveis por facilitar a entrega das marmitas preparadas no pavilhão social.
De acordo com Gilson Rodrigues, a medida deve ser replicada em outras localidades no país que integram o chamado G10 das favelas , grupo de líderes comunitários das maiores favelas do país: Rocinha (RJ), Rio das Pedras (RJ), Heliópolis (SP), Paraisópolis (SP), Cidade de Deus (AM), Baixadas da Condor (PA), Baixadas da Estrada Nova Jurunas (PA), Casa Amarela (PE), Coroadinho (MA) e Sol Nascente (DF).
Outro ponto que ganhou muita atenção das ações especiais foi o atendimento aos doentes. Além do aluguel das ambulâncias, uma delas com equipamentos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e da contratação dos sete profissionais (dois médicos, três enfermeiros e dois socorristas), no último dia 6 de maio, um grupo de 250 voluntários participaram de uma formação coletiva para atuarem como socorristas em bases de emergência na comunidade.
Ao todo, serão 60 bases, 10 em cada microrregião do local: Centro, Grotão, Grotinho, Brejo, Prédios e Antonico. Os brigadistas estarão equipados com pranchas longas, kits de primeiros socorros, e Equipamentos de Proteção Individual (EPI´s).
Os moradores também transformaram duas escolas da região em abrigos para os moradores que testaram positivo para a doença e residem com outras pessoas do grupo de risco.
Produção e distribuição de marmitas
Elizandra Cerqueira, 32, presidente da Associação de Mulheres de Paraisópolis, é quem organiza a distribuição gratuita de marmitas para as famílias mais vulneráveis. Ela e a sócia, Juliana da Costa Gomes, são criadoras do bistrô Mãos de Maria, um restaurante que sofreu com os impactos econômicos da Covid-19 .
Juntas, elas conseguiram financiar as marmitas com uma vaquinha virtual, em que pessoas e empresas podem comprar uma marmita para os moradores por R$ 10 cada.
Com os recursos arrecadados, o Mãos de Maria mantém a distribuição gratuita de seis mil marmitas diariamente e remunera 23 mulheres que trabalham no restaurante.
''Começamos a cozinha com 500 marmitas sendo distribuídas todos os dias. O nosso objetivo era acolher as mulheres chefe de famíia porque muitas ficaram sem a renda nessa pandemia. Hoje todas são remuneradas e também temos um grupo de voluntários. A demanda da comunidade é para 10 mil marmitas'', explica Elizandra.
A pesquisa '' Coronavírus – Mães da Favela '', realizada pelo Instituto Locomotiva/Data Favela mostrou que 92% das 5,2 milhões de mães que vivem em favelas terão dificuldades para comprar comida após um mês sem renda.
Costurando Sonhos e a distribuição gratuita de máscaras
Em uma das salas do pavilhão social de Paraisópolis, máquinas de costura não param por um segundo. É lá que funciona o Costurando Sonhos
, projeto social liderado por mulheres, que atualmente produz máscaras para serem distribuídas na comunidade.
Você viu?
As idealizadoras Sueli do Socorro e Maria Nilde, integrantes da Associação dos Moradores de Paraisópolis, lembram que antes da pandemia o projeto tinha como objetivo capacitar em corte e costura mulheres em extrema vulnerabilidade social e algumas com histórico de violência doméstica.
''Agora, a gente decidiu que o negócio vai continuar, mas por enquanto produzindo máscaras. A nossa ideia foi que as mulheres poderiam trabalhar durante a quarentena, de dentro das suas casas com as nossas máquinas, como se fosse o home office de costureiras '', explica Nilde.
O grupo buscou meios de conseguir renda para essas costureiras durante a pandemia e com o apoio de empresas privadas, todas são remuneradas pelo trabalho prestado. ''As máscaras passam pelo nosso padrão de qualidade e são higienizadas. Nossa ideia é distribuir cerca de 50 mil máscaras aos moradores de Paraisópolis e que outras favelas reproduzam a nossa ideia'', diz a idealizadora do Costurando Sonhos. O grupo criou uma campanha on-line para a compra de tecidos e materiais necessários à confecção de máscaras.
Periferia com alerta ligado?
Pelas ruas e vielas de Paraisópolis, a adesão ao isolamento social ainda é pouca. Muitos estabelecimentos abertos, crianças nas ruas e pessoas circulando. Elizandra Cerqueira diz que um dos fatores são as casas muito pequenas com famílias numerosas. Além disso, ela pontua que na região estão os trabalhadores essenciais que não podem ficar em home office.
''A população que mora aqui é do setor de serviços, essas pessoas precisam trabalhar ou não têm como se manter. A nossa realidade é essa, são porteiros, domésticas, profissionais de saúde e outros. A quarentena é um desafio'', acrescenta a representante das mulheres do bairro.
De acordo com a prefeitura, os bairros com maior número de mortes por Covid-19 em São Paulo concentram favelas e conjuntos habitacionais. No último dia 28 de abril, o município informou que a mortalidade na cidade é até 10 vezes maior nesses bairros com piores condições sociais . O estado de São Paulo chegou a 47.711 casos de Covid-19 e 3.979 mortos, até esta terça-feira (12).
No dia 9 de abril, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, anunciou um projeto de lei que previa a transferência de recursos excedentes da Operação Urbana Faria Lima para ações habitacionais e de saneamento em Paraisópolis.
''Em todo momento de crise, econômico e social, sabemos que as comunidades são as primeiras afetadas. É onde aumenta rapidamente o número de desemprego, portanto toda a ação que temos feito para a distribuição de cestas básicas, kits de higiene e inclusão de alimentação são nestes locais'', disse durante coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes.
Lideranças e moradores desconhecem obras de saneamento que tenham sido iniciadas até o dia 11 de maio.
Procurada, a prefeitura de São Paulo informou por meio de nota, que o Projeto de Lei nº 203/2020 sobre o uso de recursos da da Operação Urbana Faria Lima está em tramitação na Câmara Municipal.
A Administração Municipal argumenta que, em Paraisópolis, aumentou as equipes do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da comunidade com mais psicólogos e assistentes sociais.
''São mais de 390 mil famílias vivendo de forma precária na capital paulista e o foco do município é ampliar a rede de apoio para que todas as comunidades sejam atendidas’’, pronunciou-se.
Ainda de acordo com a gestão, em um mês mais de 800 toneladas de mantimentos que foram distribuídos em diversas comunidades.
''Em Paraisópolis, há um esforço de entidades, ONGs e associações para envio de doações’’, diz trecho da resposta. Ela cita que de mil cestas básicas da associação Renova BR, 220 foram destinadas à Paraisópolis além de outras 398 cestas entregues via Centros para Crianças Adolescentes (CCAs) e 30 refeições para idosos cadastrados no Centro Dia para Idosos (CDI) diretamente em suas residências.
A Prefeitura ainda argumenta que intensificou ações de limpeza, de distribuição de kits de higiene, instalação de pias públicas e suspensão por três meses dos pagamentos da retribuição mensal do Termo de Permissão de Uso (TPU), além de medidas da Secretaria Municipal da Saúde. Entre elas, presença de agentes comunitários de Saúde, vacinação do H1N1 e monitoramento de casos com sintomas leves de gripe.