A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), enviou um ofício ao governo brasileiro em que critica a proposta de isolar em contêineres presos com suspeita de Covid-19 e em que cobra informações sobre ações adotadas no sistema penitenciário para evitar a disseminação do novo coronavírus. O documento foi remetido no último dia 30 ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O governo do presidente Jair Bolsonaro tem 15 dias para dar uma resposta ao organismo internacional.
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"A CIDH considera que as condições de detenção nesse tipo de cela são contrárias à dignidade humana, além de incompatíveis com os padrões internacionais nas áreas de alojamento, saúde, ventilação, iluminação e espaço físico", cita o ofício da comissão da OEA, assinado pela secretária-executiva adjunta María Claudia Pulido. "Seu uso também seria contrário às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a fim de evitar a disseminação da Covid-19 nas instalações prisionais."
Diante da proposta do governo brasileiro de instalar contêineres para isolar presos recém-chegados ao sistema prisional, caso apresentem sintomas de infecção pelo novo coronavírus, a CIDH pede que a União informe a quantidade de presos e de vagas existentes nos presídios; quantos foram infectados e quantos morreram com Covid-19; medidas adotadas quanto a quarentena e distância física; e ações voltadas a grupos de risco nos centros de detenção. "A CIDH lembra que o Estado brasileiro deve garantir condições decentes de detenção e prestar serviços de saúde à população carcerária, de acordo com as normas internacionais. Essas medidas são de especial urgência, considerando que as consequências da pandemia representam um risco maior para essa população", cita o ofício.
Um painel de informações alimentado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, registra que 369 detentos se infectaram com o novo coronavírus até agora. Dezesseis morreram com Covid-19. Somente no complexo prisional da Papuda, em Brasília, 273 presos e 127 agentes penitenciários contraíram a doença , conforme o balanço apresentado ontem pelo governo do DF.
A proposta de colocar contêineres nos presídios partiu do Depen, ainda na gestão de Sergio Moro à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O projeto foi submetido para avaliação e votação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Assim como o Depen, o CNPCP é vinculado ao ministério. Cabe ao conselho expedir diretrizes ao sistema penitenciário nos estados e, no caso de mudança na arquitetura prisional, como é o caso dos contêineres, o colegiado precisa dar aval à medida. A proposta ainda está em fase de análise.
A proposta dos contêineres partiu mais especificamente do diretor-geral do Depen, Fabiano Bordignon. A primeira vez em que ele propôs o "afastamento temporário das regras ordinárias para arquitetura penal" foi em 19 de abril. Depois, num ofício no dia 24, ele reforçou a ideia e citou como modelo o uso de contêiner provisório na delegacia da Polícia Federal (PF) em Foz do Iguaçu.
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Bordignon é delegado da PF e já chefiou a delegacia na cidade. Com a demissão de Moro, ele também deve ser demitido do ministério - o delegado chegou ao cargo de diretor-geral do Depen pelas mãos de Moro. O então ministro, inclusive, queria que Bordignon fosse o diretor-geral da PF, como forma de contornar a crise com Bolsonaro, que fez ingerência para mudar a chefia da polícia.
A sugestão apresentada inclui celas de seis metros para quatro presos e celas de 12 metros para dez presos. Segundo Bordignon, no projeto que encaminhou aos integrantes do CNPCP, as estruturas dos contêineres não teriam utilização constante, mas poderiam permanecer como "legado" para os presídios, com uso em triagem e "classificação do preso", por até 20 dias.
No CNPCP, há uma vedação "expressa" ao uso de contêineres
na proposta em votação, segundo o presidente do conselho, Cesar Mecchi Morales, desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo. Treze conselheiros vão votar a respeito, numa decisão prevista ainda para este mês. Diligências estão em curso, como pedido de informações ao Depen e ao Ministério da Saúde, a respeito de quais são requisitos mínimos para garantir a saúde dos presos na pandemia
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"A preocupação principal é evitar a contaminação dos presos", diz Morales.
Organizações de defesa dos direitos humanos e Defensorias Públicas denunciaram a entidades internacionais a proposta do governo brasileiro de colocar presos em contêineres. Elas citaram uma experiência anterior, de contêineres utilizados no sistema prisional no Espírito Santo, em 2009, que levou a Justiça a vedar esse tipo de uso, por ser "ilegítimo e com prejuízo à dignidade dos detidos", como cita o ofício da CIDH.
O Itamaraty informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que encaminhou o ofício da CIDH aos órgãos competentes no mesmo dia, 30 de abril. "Tão logo receba as informações pertinentes, o Ministério das Relações Exteriores as encaminhará à CIDH, em demonstração do compromisso do Estado brasileiro com o sistema interamericano de direitos humanos da OEA", afirmou.
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No governo, a resposta ao pedido de informações é coordenada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O Depen já foi oficiado para se manifestar. O CNPCP, que vai decidir a questão, ainda não recebeu o ofício do conselho