Por falta de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) nas redes de saúde municipal, estadual e federal para o tratamento da Covid-19, muitas famílias tem visto seus entes queridos agonizarem em cadeiras de Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e também em hospitais de diversos municípios do estado do Rio.
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Sem leitos de UTIs para o tratamento da doença, estado e município correm contra o tempo para inaugurarem hospitais de campanha. Enquanto isso, pacientes como a atendente de telemarketing Cláudia Diogo Sobral, de 52 anos, que está internada em estado grave no Hospital estadual Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, vivem uma verdadeira saga. A atendente está sentada em uma cadeira em um espaço com dezenas de outros pacientes infectados com o coronavírus. Cláudia e os outros pacientes fazem parte das mais de 300 pessoas que estão na fila do Sistema Único de Saúde esperando uma vaga na Central de Regulações para serem internados em uma UTI. Atualmente, só existem nove vagas no estado.
Moradora de São João de Meriti, também na Baixada, há mais de duas semanas ela começou a sentir dores de cabeça, no corpo, tosse e febre. Cláudia, que tem diabetes e é cardíaca, foi levada por familiares primeiramente na Unidade de Pronto-Atendimento de Jucelino, em Nilópolis. Lá, por duas vezes, foi diagnosticada com uma virose e alertada que a taxa de glicose estava alta. Medicada, a mulher foi mandada para casa. Após a situação piorar, foi levada para uma clínica particular em São João de Meriti.
"Ficamos preocupados porque a situação dela só piorava. Ela, que já foi obesa, tem problemas de coração e pressão alta, já estava muito cansada e reclamava de muitas dores e muita falta de ar. Lá na clínica, a médica disse que os pulmões estavam tomados e que minha cunhada estava no começo de uma pneumonia", conta a produtora Regiane de Lima Santana Sobral, 44, cunhada de Cláudia.
Na última segunda-feira, Cláudia foi levada pela família para um dos Polos de Atendimento para Pessoas com suspeitas de Coronavírus em Mesquita e lá foi constatada que a atendente de telemarketing estava com a doença.
"O exame deu positivo e o coordenador disse que a saturação estava muito baixa e que a minha cunhada precisava ser internada imediatamente. Ele chamou uma ambulância do Samu e fomos para uma UPA de Mesquita", lembra Regiane, que completa: "Ficamos dentro da ambulância por mais de duas horas esperando vaga lá na unidade. Isso não aconteceu. Como a Cláudia só piorava, o técnico do Samu disse que a gente tinha que procurar um hospital grande urgente. A revelia, assinamos um termo de alta médica e fomos correndo para o Hospital Adão Pereira Nunes", afirma Regiane.
No entanto, mesmo com o resultado do exame positivo da doença e com uma chapa do pulmão todo comprometido, a direção do Hospital de Saracuruna, como também é conhecido, só internou Cláudia mais de 12 horas depois de sua entrada no local.
"Depois que ela entrou no hospital não pudemos mais acompanha-la. Em determinado momento fui procurar saber o estado de saúde dela e a assistente social me disse que ela não havia dado entrada na unidade. Depois que questionei, disseram que tinha muita gente com a doença e não podiam fazer nada", conta a cunhada de Cláudia apreensiva.
Ainda de acordo com a produtora, ela chegou a falar com um funcionário do alto escalão do hospital que disse que Claudia estava na emergência, sentada em uma cadeira de madeira, e precisa ser transferida imediatamente, mas que não tinha vaga.
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"O Adão Pereira Nunes está um caos. Não tem médicos, não tem o que fazer. Minha cunhada está com 50% do pulmão comprometido", afirma a cunhada.
Pacientes amontoados
O Hospital Adão Pereira Nunes não é um dos hospitais de referência no combate ao novo coronavírus . Os pacientes que chegam na unidade com a doença são internados e a direção da unidade entra em contato com a Central de Regulação de Vagas para solicitar um leito para essas pessoas. No entanto, como não existem vagas em outras unidades de saúde especializadas no tratamento da doença, homens e mulheres que estão infectados com o coronavírus, estão amontoados em uma sala da unidade de saúde.
O GLOBO teve acesso a imagens que mostraram alguns pacientes deitados em macas e muitos outros sentados em cadeiras de madeira e de plástico no local.
"Assim como a gente, várias famílias estão lá na porta do hospital esperando uma definição. As pessoas estão jogadas", lembra Regiane. E não é só isso. Por falta de profissionais, os pacientes estão ficando sem beber água por várias horas.
"A Cláudia me ligou chorando dizendo que está com vontade de tomar água e ninguém passa para dar. E o pior, distribuíram copos de plásticos que quando o enfermeiro ou o técnico veem eles colocam o líquido ali. Depois que acaba o paciente não pode jogar o copo fora. Tem que guardar pra tomar na próxima vinda. É desumano tudo aqui", desabafa a produtora.
A reportagem teve acesso a vídeos que mostram copos plásticos ao lado de pacientes. Na filmagem é possível ouvir vários pacientes tossindo.
Segundo fontes ligadas a Secretaria estadual de Saúde (SES), hoje só existem algumas vagas no Hospital Regional do Médio Paraíba Doutora Zilda Arns Neumann, em Volta Redonda – a mais de 120 quilômetros da capital fluminense.
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No começo da manhã desta quarta-feira a SES afirmou que o estado dispõem de 724 leitos para tratamento da doença. Segundo a pasta, com exceção do Hospital de Volta Redonda (que tem 79% de UTIs) e o de Campanha Lagoa-Barra (que tem apenas dois leitos de Unidade de Terapia Intensiva), não há mais vagas em outras unidades da rede estadual.