Um almoço de confraternização na casa de um indígena infectado pelo novo coronavírus levou à contaminação de outros 31 da etnia Kokama , moradores da Aldeia São José, em Santo Antônio do Içá, interior do Amazonas , localizada na região do Alto Solimões . A informação foi confirmada na noite desta quinta-feira ao GLOBO pela Secretaria de Saúde do município. Além dos 31 infectados, outros dois já tinham dado positivo para a Covid -19: o anfitrião da festa, e uma mulher, também kokama. Com isso, os registros entre índios aumentaram 744% em pouco mais de uma semana no país.
No dia 13 de abril havia, de acordo com os dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) , nove casos. Saltou para 26 no dia 18 e chegou a ao menos 75 testes positivos agora. Isso equivale a dizer que o número de registros triplicou a cada cinco dias. A Sesai ainda não tem esses novos números porque eles serão enviados nesta sexta-feira para a sede, em Brasília, atualizar o boletim epidemiológico ao fim da tarde.
Segundo o secretário de saúde de Santo Antônio do Içá , Francisco Ferreira Azevedo, foram coletadas 64 novas amostras da população, dos quais 40 deram positivos, 31 delas entre indígenas .
"É triste, só isso o que eu tenho a dizer. A gente se esforça para informar as pessoas, faz campanha de distanciamento social e aí não pode juntar amigos e parentes em um almoço de confraternização. Ainda mais na casa de uma pessoa que testou positivo", afirma Azevedo ao acrescentar que estão todos em isolamento domiciliar.
Dificuldades
Azevedo afirma ser bem difícil controlar isso nas aldeias , uma vez que os indígenas costumam se reunir com bastante frequência e compartilham muitas vezes o mesmo talher e prato. "Mas vamos continuar nosso trabalho de prevenção para que os casos não aumentem ainda mais", diz.
Com esses novos registros, Santo Antônio do Iça já soma 38 casos de coronavírus entre os índios. Entre eles, quatro já foram curados, inclusive a agente de saúde Suzane da Silva Pereira, a primeira indígena a contrair a Covid-19 no Brasil.
A aldeia São José possui 1.658 moradores. A população Kokama
, que faz parte da família dos Tupi-Guarani
, habita a região do Solimões e é distribuída entre os municípios de Tabatinga, São Paulo de Olivença, Benjamim Constant, Amaturá, Santo Antonio do Içá, Tonantins, Fonte Boa, Tefé e Jutaí. Também há registros dos Kokama no Peru e na Colômbia.
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Manaus tem 1/4 dos casos; 'caso zero' veio de SP
A capital Manaus , que liderava até então o número de casos no Amazonas, foi ultrapassada de longe pelo Alto Solimões , o novo foco da doença entre indígenas no estado, como mostrou O GLOBO na semana passada. Contabiliza até o momento 19 casos, dos quais 14 deles foram registrados na Aldeia Terra Preta, localizada no Baixo Rio Negro, todos da etnia baré.
"Um caso peculiar que marcou a contaminação desses indígenas da Terra Preta foi o retorno de um morador da aldeia que estava casado em São Paulo. Ele se separou e voltou e logo de cara contaminou 12 pessoas. Tratamos ele como o 'caso zero' aqui em Manaus - afirma Mario Ruy Lacerda de Freitas Junio,, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Manaus".
De acordo com Freitas Junior, há ainda outros cinco caso entre as etnias Sateré Mawé (2), Mura (1), Apurinã (1) e uma garotinha munduruku de 3 anos.
"Tudo é muito novo para nós. A gente entra nas terras com a permissão das lideranças indígenas e muitos deles não permitem a entrada, não todas, mas a maioiria resiste à nossa entrada com medo de infectá- los", conta Junior.
Nordeste registra os primeiros casos
Além da Região do Alto Solimões (45), Manaus (19), Parintins (4) e Médio Purus (2), todos no Amazonas , a Região Nordeste registrou os primeiros casos, um em Pernambuco e outro no Ceará . Em Pernambuco trata-se de um indígena da etnia Pankararu e no Cerá, de uma indígena Tupinambá .
Há ainda três casos nas áreas dos Dseis Litoral Sul (1), no Paraná; Minas Gerais e Espirito Santos (1) e Yanomami (1), em Roraima. Oficialmente, o Sesai registra quatro mortes até o momento.
Na semana passada, o Amazonas
registrou mais uma morte de um indígena por coronavírus
. A vítima desta vez foi um senhor de 67 anos, da etnia Sateré Mawé. Ele estava internado no Hospital de Maués, interior do estado, e teve seu quadro agravado por sofrer de diabetes. Além dele, outras três etnias distintas registraram óbitos: kokama, tikuna e ianomâmi.