De acordo com as estimativas do estudo, os dois estados vizinhos são os que menos realizam testes nos pacientes suspeitos de contaminação e, em consequência, têm a maior subnotificação de casos no Brasil
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De acordo com as estimativas do estudo, os dois estados vizinhos são os que menos realizam testes nos pacientes suspeitos de contaminação e, em consequência, têm a maior subnotificação de casos no Brasil


Os dados não mentem: até o momento, Pernambuco contabiliza quase 1.500 casos e 143 mortes confirmadas por Covid-19. Na vizinha Paraíba, havia 136 pacientes com o coronavírus, dos quais 16 morreram. Esses números, no entanto, representam pouco mais de 2% do total de pessoas infectadas, de acordo com as estimativas do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), um grupo multidisciplinar de pesquisa capitaneado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e do qual fazem parte outras universidades, hospitais, a Fundação Oswaldo Cruz e empresas privadas.

De acordo com as estimativas do estudo, os dois estados vizinhos são os que menos realizam testes nos pacientes suspeitos de contaminação e, em consequência, têm a maior subnotificação de casos no Brasil. Pernambuco tem a segunda menor taxa de notificação do país, com apenas 2,4% dos casos registrados oficialmente. Pior mesmo só a Paraíba com 2,2%. A média brasileira é de 8%. O Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal puxam a média para cima, com mais de 27% dos casos notificados.

Se considerar que, conforme mostra o site de monitoramento Worldometers, o Brasil é o 11º país com maior número de mortes e 14º em número de casos, mas ocupa apenas a 45ª posição em número absoluto de exames e testes realizados, a subnotificação fica evidente. Quando se considera a taxa de testes realizados a cada milhão de habitantes, o Brasil está no fim da lista, mais precisamente na 135ª posição. Na América do Sul, só a Guiana e a Bolívia testaram menos suas populações do que o Brasil.


Mais testes, mais efetividade

Pesquisador do NOIS, Marcelo Prado concedeu entrevista por e-mail ao Marco Zero avaliando as consequências da subnotificação:

"A subnotificação é uma realidade em todos os países atingidos pela doença. No caso do Brasil, a falta de testes suficientes e a demora nos resultados têm impactado diretamente nos números oficiais. O estudo permite concluir que número de testes deve ser aumentado em todas as regiões do Brasil. Com taxas de notificação mais elevadas, será possível uma melhor avaliação da necessidade de recursos hospitalares. Outro ponto fundamental é que as políticas de isolamento de infectados poderão ser mais efetivas, ao identificar locais de maior prevalência da epidemia".

Nesse momento, o Brasil registra 24.232 casos. Se as estimativas dos pesquisadores estiverem corretas, o número real deve estar perto de 290 mil casos. Pernambuco teria, segundo esses cálculos, pouco mais de 50 mil pessoas contaminadas. O NOIS informou que mediu o percentual de subnotificação seguindo três etapas: primeiro, fez o cálculo da taxa de letalidade (Case-Fatality Ratio, ou CFR). De acordo com a orientação da OMS, essa taxa varia conforme a faixa etária do paciente.

Em seguida, calculou a CFR observada, que são os casos em que o paciente contraiu a doença, se recuperou ou faleceu, levando em conta de que há uma distribuição de probabilidade com média de 13 dias entre a hospitalização e o desfecho. Com esses dois dados, a terceira e última etapa foi verificar a diferença entre ambos: quanto maior , menor a taxa de notificação , e vice-versa.

Resultados pertinentes

Ao tomar conhecimento da pesquisa, os especialistas pernambucanos que integram a recém-criada Rede Solidária em Defesa da Vida, que se dispõe a colaborar com a autoridades públicas de saúde no enfrentamento ao coronavírus, acreditam que seus resultados se aproximam da realidade.

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Apesar de acreditar que, com outra metodologia talvez resultados fossem um pouco diferentes, o médico sanitarista e doutor pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Tiago Feitosa está convicto da necessidade de apontar os problemas causados pela subnotificação: "É um alerta que temos uma altíssima subnotificação. Isso é inconteste", afirma.

Para Feitosa, a alta letalidade já evidencia o tamanho da subnotificação em Pernambuco.: "A subnotificação nos tira a possibilidade de fazer vigilância, de agir de forma certeira no isolamento dos suspeitos, além de não dar visibilidade ao problema para a população. Como convencer 9 milhões de pernambucanos a ficar em casa devido a poucas pessoas doentes? Isso impacta na adesão ao isolamento social".

Professora de Medicina Social da UFPE e doutora em Saúde Coletiva, Bernadete Perez Coelho, avisa que a subnotificação não é causada apenas pela falta de testes, como insiste o governo estadual. Para aproximar os números do tamanho real do problema nas ruas seria necessário notificar também os casos e as mortes constatadas clinicamente diante do contexto epidemiológico .

"Existem outros critérios diagnósticos além do teste. Fechar os casos com critério clínico-epidemiológico é fundamental. Outra coisa importante é notificar todos os suspeitos. Existe uma rede ampla no território que deveria estar notificando todos os suspeitos e fazendo monitoramento domiciliar, a maior parte possível remotamente", explica a médica.

Ela conclui com uma recomendação : "Essa não é a orientação para a rede, embora o último documento da vigilância da Secretaria Estadual de Saúde cite a plataforma para todas as síndromes gripais. Não podemos mandar para casa sem notificar e monitorar todos os casos, ainda que não tenhamos testes suficientes".

O mais adequado, segundo os epidemiologistas da Rede Solidária, seria acompanhar corpo-a-corpo , por meio de telefonemas e mensagens, cada um dos casos suspeitos. Esse é um dos princípios da Vigilância em Saúde, enquanto que o isolamento social é uma medida "no atacado".

20 mil testes

Na entrevista coletiva de terça-feira (14 de abril), o secretário estadual de Saúde, André Longo, informou que Pernambuco havia recebido 20 mil testes rápidos do Ministério da Saúde. Inicialmente, a prioridade é testar profissionais de saúde e de segurança, que estão mais expostos por causa do contato direto com a população.

No entanto, o protocolo exige que a pessoa a ser testada tenha sentido os sintomas por sete dias, seguidos por mais três dias assintomáticos. Segundo Longo, os profissionais de saúde que não se enquadrarem nesse critério serão examinados apenas com o teste PCR .

Ainda sem os números da segurança , a secretaria informou números impressionantes para o pessoal da área de Saúde: 425 casos foram confirmados e 358 descartados. "As testagens abrangem os profissionais de todas as unidades de saúde, da rede pública (estadual e municipal), ou privadas. O Estado foi o primeiro do país a criar um protocolo para testar os profissionais da área da saúde", informa a secretaria.

Na entrevista, o secretário não mencionou a questão da subnotificação dos casos na população em geral. Caso a equipe de sua assessoria de comunicação envie o posicionamento oficial a respeito, este texto será atualizado imediatamente.

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