Dados sobre óbitos no Rio de Janeiro divergem
Marcelo Casal Jr/Agencia Brasil
Dados sobre óbitos no Rio de Janeiro divergem

Enquanto o boletim mais recente da Secretaria de estado de Saúde do Rio, divulgado nesta domingo (12), contabiliza 170 óbitos confirmados pelo novo coronavírus e 115 ainda em investigação, dados dos cartórios fluminenses apontam números diferentes. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), 262 pessoas tiveram mortes confirmadas ou suspeitas de Covid-19 no estado.

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A discrepância nos números a nível nacional, com dados divulgados pelo Ministério da Saúde , foi mostrada na coluna do jornalista Guilherme Amado, da Época. Pelos números mais recentes do governo federal, 1223 já morreram de Covid-19 no país, enquanto os cartórios dão conta de 1392 óbitos. Os dados disponíveis no sistema da Arpen são atualizados a cada hora, e não diferem mortes suspeitas de coronavírus de casos confirmados.

Só na capital fluminense, até a tarde desta segunda-feira, o portal contabilizava 176 óbitos, enquanto a Secretaria de Saúde dava conta de 106 casos. Observando alguns dias específicos, a diferença nos dados divulgados são mais expressivas. No último dia 03, de acordo com o governo do estado, nove pessoas morreram por coronavírus, na cidade do Rio, em Volta Redonda e Nova Iguaçu. Pelo portal da transparência dos cartórios, no entanto, foram 24 registros no estado e 18 na capital.

O vice-presidente da Arpen, Luis Carlos Vendramin, alerta que, diferente dos dados compilados e divulgados pelas autoridades públicas de saúde, não existe preocupação científica ou epidemiológica no balanço feito pela associação, e quando uma morte já registrada como suspeita é testada negativa, não existe retificação da documentação.

"Quando alguém morre no hospital, ou por um acidente em casa ou na rua, um médico precisa emitir a declaração de óbito. Esse documento é um atestado, onde além do local, data e hora do falecimento, o médico determina a causa da morte, ou a suspeita. Com esse documento, a família vai ao cartório e lavra o registro do óbito, e sai de lá com a certidão de óbito, o documento que prova que alguém faleceu. O portal da transparência (da associação), por meio de sistema de processamento de informação, pega a expressão “ Covid-19 ” que consta no atestado e faz a totalização, desprezando se é confirmado ou suspeito", explica Vendramim.

De acordo com a Secretaria de estado de Saúde, os resultados dos exames ficam prontos numa média de 48h no Laboratório Central Noel Nutels (Lacen). A prioridade são casos graves, óbitos e profissionais de saúde que estejam doentes.

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No fim de março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Saúde assinaram uma portaria conjunta com mudanças no procedimento de enterro ou cremação das vítimas da pandemia do coronavírus. O documento também determinou que em casos de mortes por doença respiratória, onde haja suspeita de coronavírus, os atestados de óbito devem constar “provável para covid-19” ou “suspeito para covid-19” nas lacunas relacionadas a causa da morte.

Para o epidemiologista Roberto Medronho, chefe da Divisão de Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), da UFRJ, a diferença nos dados divulgados pela associação de cartórios e pela Secretaria de Saúde mostra a dificuldade em se confirmar o diagnóstico dos pacientes, principalmente os que não resistem à doença a tempo de serem testados.

"O médico que está atendendo o paciente vai dizer qual a causa básica que fez com que ele evoluísse para o óbito. Com os exames, consegue confirmar laboratorialmente. Mas é importante que tenhamos um protocolo que seja seguido na área pública e na área privada após a morte, para que saibamos se a pessoa morreu ou não de Covid-19. Uma outra saída seria também examinar os familiares e as pessoas que cercaram aquela vítima. Não é uma confirmação, mas é um indício a mais", avalia o médico.

Para Medronho, que é membro do Conselho de Notáveis — grupo de 19 especialistas em várias áreas da ciência do Rio criado pelo governo estadual para amparar decisões oficiais — a discrepância dos números é importante porque revela que os órgãos de saúde estão ampliando a investigação dos óbitos. Isso porque o total de mortes contabilizadas pela SES já ultrapassa o balanço dos cartórios fluminenses: incluindo mortes confirmadas (170), descartadas (117) e em investigação (115), o número do estado chega a 402.

"O cartório está fazendo o registro civil daquela informação, e não tem função de gerar estatísticas epidemiológicas. Depois, os casos vão para a secretaria, onde são analisados. É uma função de saúde pública, para que possamos traçar políticas públicas para melhorar o sistema de saúde. A diferença nos números apontam que a secretaria e os municípios estão ampliando a investigação dos óbitos, como deve ser. O sistema de vigilância epidemiológica deve ter uma sensibilidade maior ao apurar os casos. Não estão só testando vítimas fatais suspeitas de Covid-19 , mas também os que estejam registrados como pneumonia ou insuficiência respiratória, por exemplo, e que pode ser coronavírus ".

Para o epidemiologista , no entanto, ainda há falhas e lacunas, principalmente na divulgação dos balanços diários de vítimas da doença. Outro ponto a ser corrigido, segundo ele, seria a implementação do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), que não existe no Rio. O órgão serve para elucidar mortes naturais de causa desconhecida ou duvidosa.

"O que seria mais correto para a população seria a SES informar as datas específicas das mortes em cada boletim diário, porque aí teríamos a ideia real se os números são daquele dia ou se esses óbitos não estão acumulados na investigação. Outra grande falha é não termos no Rio um Serviço de Verificação de Óbitos, que neste momento seria fundamental para ajudar na confirmação ou afastar os casos suspeitos de Covid-19", afirma Medronho.

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"Viveremos outras epidemias, essa não será a primeira nem a última. Conhecer a realidade dos óbitos nos ajuda não só durante uma pandemia, mas no ajustamento da subnotificação dos casos, e a reestimar a curva, para saber o real impacto da epidemia no sistema de saúde".

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