Delegacia da mulher é porta de entrada para acolhimento, mas enfrenta desafios

Poucas unidades de atendimento especializado funcionam 24 horas e atendimento às vítimas ainda é questionado; mas especialistas veem melhora

Foto: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo
Funcionamento 24 horas de Delegacias de Defesa da Mulher é uma das principais reivindicações feministas

A violência contra a mulher é um assunto sensível no Brasil. Se, por um lado, o País é o quinto com mais casos de feminicídio do mundo, por outro, a lei Maria da Penha, que combate a violência doméstica, é considerada referência e figura entre as três melhores do mundo. Nesse xadrez, as Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) são peças fundamentais.

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A primeira delegacia da mulher foi implantada em São Paulo no dia 6 de agosto em 1985, quando o ex-presidente Michel Temer (MDB) exercia a função de secretário de Segurança Pública no governo de André Franco Montoro (então no MDB). O estado de São Paulo foi o primeiro a inaugurar Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) .

Segundo dados do governo do estado, São Paulo conta com 133 delegacias da mulher , o equivalente a 36% do total de unidades de todo o Brasil. Entre as 133, 9 delas estão na capital paulista, 16 na região metropolitana e 108 no interior e litoral.

Na cidade com a maior quantidade de DDMs, a proporção aproximada é de uma delegacia para cada 710 mil mulheres. De acordo com a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, que especifica as diretrizes ideais de funcionamento dessas delegacias especializadas, cidades com até 300 mil habitantes devem ter pelo menos duas unidades, o que indica que há cenário de déficit no atendimento mesmo em São Paulo.

As críticas vão muito além da quantidade de unidades. O horário de funcionamento reduzido – das 9h às 19h, de segunda a sexta – é considerado um dos principais defeitos, uma vez que boa parte das agressões acontece fora do horário comercial.

Atualmente há  dez unidades com atendimento ininterrupto – sete delas estão na capital e as outras três no interior e litoral. Destas, nove passaram a funcionar 24 horas em 2019.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), "a Polícia Civil realiza estudos para a ampliação do atendimento das Delegacias de Defesa da Mulher no estado de São Paulo". O órgão também afirmou que 30 DDMs terão atendimento ininterrupto até 2022.

Foto: Reprodução/Wikipedia
Em Campinas, no interior de São Paulo, já há uma Delegacia da Mulher 24 horas

A expansão do horário é uma grande reivindicação dos movimentos feministas . O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), prometeu durante a campanha que viabilizaria o funcionamento ininterrupto de todas as unidades das DDMs no estado. No início de 2019, no entanto, Doria vetou um projeto de lei que previa esse funcionamento em tempo integral.

O PL havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa do estado (Alesp) no fim de 2018. Ao vetar, Doria alegou que o projeto era inconstitucional porque configurava uma interferência no poder Executivo. O governador também justificou o veto dizendo que seria inviável o aumento de servidores em todas as delegacias da mulher no estado.

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Além do horário de funcionamento, outra crítica recorrente está relacionada ao atendimento das mulheres que chegam às delegacias para prestar denúncias. Não é difícil encontrar depoimentos de vítimas que dizem terem sido mal recebidas. Há até mesmo casos em que o profissional que atende a mulher chega a mandá-la de volta para casa, sem registrar a denúncia.

A própria Maria da Penha, que dá nome à lei de combate à violência doméstica , questionou em uma entrevista publicada em seu site o atendimento recebido pelas vítimas. “Infelizmente, sabemos que as mulheres que decidem denunciar ainda têm que passar, muitas vezes, pela violência institucional”, pontuou.

Maíra Recchia, advogada da Rede Feminista de Juristas , explica que “ainda que nós tenhamos DDMs que atendam com extrema excelência essas mulheres, há outras tantas que praticam algumas outras violências".

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"As pessoas não querem registrar queixa, as pessoas tentam demover as mulheres da ideia de prosseguir ou de fazer um boletim de ocorrência, porque a maioria dos agressores é do núcleo familiar então falam que a pessoa vai estragar a família", relata.

A advogada ressalta, porém, que esse comportamento era mais comum há cerca de quatro anos. “As mulheres, de um modo geral, têm tomado consciência e conhecimento dos seus direitos , portanto têm cobrado mais. Eu acho que, de uns anos pra cá, esse inconsciente coletivo tem mudado, na medida em que essas resistências estão ficando mais raras, mas ainda acontecem e muito”, resume.

Foto: Divulgação
Movimentos feministas exigem de governos providências para combater a violência contra a mulher

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A delegada Raquel Kobashi Gallinati, primeira mulher a ocupar a presidência do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, diz acreditar que “ capacitando os policiais e elegendo aqueles que têm maior afinidade e conhecimento especializado sobre o tema, o atendimento será de excelência”.

Para Raquel, os problemas enfrentados nas DDMs remontam a uma realidade mais ampla, de desmonte da Polícia Civil . “Com um efetivo muito abaixo do mínimo razoável, a qualidade de investigação e de atendimento à população caem”, explica.

“Isso, sem considerar que muitas delegacias estão sucateadas , sem condições de trabalho. O resultado disso pode ser constatado por qualquer pessoa que vá à uma delegacia: mais de 260 municípios sem delegados, policiais sobrecarregados em escalas exaustivas de plantão e atraso nas investigações”, completa.

Outra questão levantada é o encaminhamento dado às mulheres após o registro da ocorrência. As unidades de atendimento especializado são muito anteriores à Lei Maria da Penha , mas após a aprovação da nova legislatura, os delegados passaram a requerer eles mesmos as medidas protetivas para o juiz.

Maíra explica que com isso, a violência sai da esfera particular , do núcleo da residência, para a esfera pública. E adquire seu curso próprio a partir do momento da denúncia. Mesmo assim, outros aspectos do encaminhamento continuam a ser questionados.

Como resposta, em março de 2013, a então presidente Dilma Rousseff assinou o Decreto Nº 7.958 que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em São Paulo, a SSP afirma que "todos os distritos policiais adotam o Protocolo Único de Atendimento, que estabelece padrão para o acolhimento das vítimas".

Ainda hoje, diversos projetos de lei visam otimizar o atendimento nas delegacias. Um deles, o PL 11/19, apresentado pela deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) em fevereiro de 2019, pretende autorizar a autoridade policial a aplicar provisoriamente algumas das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha.

Pelo texto, o juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 horas e poderá manter ou rever as medidas . Atualmente, apenas o juiz pode fixar medidas protetivas de urgência. Em 2017 o ex-presidente Michel Temer vetou projeto semelhante.

Foto: Reprodução
Apesar de lei modelo no combate à violência doméstica, Brasil é o quinto país com mais casos de feminicídio no mundo




Mesmo com os problemas apresentados, todas as especialistas ressaltam a importância das Delegacias de Defesa da Mulher para o acolhimento da vítima de violência de gênero. Para Maíra, elas são “uma excelente porta de entrada para o combate à violência doméstica”.

“Eu vejo as DDMs como sendo de suma importância pra gente fazer o recebimento, acolhimento e eventualmente a orientação e providências em defesa das mulheres ”, defende.