Violência doméstica aumentou no Brasil no mesmo tempo que políticas voltadas ao combate regrediram
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Violência doméstica aumentou no Brasil no mesmo tempo que políticas voltadas ao combate regrediram


Edilaine Cristina Pereira, 42 anos, viu a morte se aproximar algumas vezes, encomendada pelas mãos de quem lhe prometeu "amor eterno". Na primeira vez que o marido a agrediu , parecia irreal. O ‘conto de fadas’ do casamento se rompeu junto com os fios do seu cabelo, puxados pelas mãos do companheiro momentos depois dela se recusar a fazer sexo. Era apenas o quarto mês da união. E a cena, que foi silenciando sua vida e marcando seu corpo, se repetiu ao longo de 16 anos.

Edilaine foi vítima de violência doméstica
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Edilaine foi vítima de violência doméstica por 16 anos. Com o apoio psicossocial garantido por políticas públicas, conseguiu refazer a vida após a relação abusiva.

Assim como ela, cerca de outras 720 mulheres são agredidas diariamente no Brasil. Enquanto os números de violência doméstica se acentuam, as políticas municipais de proteção à mulheres com histórias parecidas com a de Edilaine regrediram em 10 anos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na última quinzena de setembro deste ano.

"Estupro": esse é o termo dado por uma psicóloga sobre o que aconteceu com o marido e Edilaine, anos depois dos "nãos" que geraram as desculpas para as agressões. Nem pai, nem mãe, tão pouco a igreja a apoiaram quando ela decidiu sair do relacionamento abusivo. E então ela foi ficando, somando-se às estatísticas de mulheres violentadas: são, em média, 180 casos por dia no País, segundo o IBGE.


Redes de fortalecimento

Casa Beth Lobo, localizada em Diadema, em São Paulo, é responsável pelo apoio psicossocial das mulheres vítimas de violência doméstica.
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Casa Beth Lobo, localizada em Diadema, em São Paulo, é responsável pelo apoio psicossocial das mulheres vítimas de violência doméstica.

Não fosse o apoio do Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica - Casa Beth Lobo, localizada no município de Diadema, em São Paulo, Edilaine não teria conseguido refazer a vida com os hematomas físicos e emocionais deixados após o fim da relação violenta. 

“Quando eu estava no processo de separação, meu ‘ex’ me ameaçava muito. Dizia que não ia me deixar nunca e sempre me fazia sentir culpada pelas agressões. Ele queria me convencer de que eu tinha provocado”, comentou Edilaine ao lembrar do contexto em que vivia. “A psicóloga da Beth Lobo me ensinou como reagir a situações na vida. Principalmente, quando ele voltasse para tentar baixar minha autoestima”.

Para a Diretora de Proteção Social Especial da Casa, Valquíria Batista, reconhecer a violência é o primeiro passo para fortalecer a mulher e tirá-la da condição de vítima. “Muitas vezes, a gente trabalha para o rompimento da relação, para o distanciamento. Mas é a mulher que tem que tomar consciência do que ela está passando para conseguir sair da situação de violência”. 

Em 2013, era 27.5% o percentual de municípios com organismo executivo de políticas para mulheres  Em 2018 - último ano divulgado - o percentual caiu para19,9%.

Essas políticas dos organismos são responsáveis por manter vivas as mulheres vítimas de agressão por parte dos companheiros, garantindo apoio psicológico, profissional e, em alguns casos, socioeconômico.

Em Diadema, a Casa Beth Lobo atendeu 839 mulheres em 2018. A violência psicológica é o tipo mais recorrente nos casos atendidos pela unidade, uma vez que também está associada à violência física, moral, patrimonial e sexual contra mulheres, segundo Valquíria Batista. 

Retrocesso

O cenário das políticas públicas voltadas para a defesa das mulheres vítimas de violência apresentam retrocessos de 10 anos. O IBGE aponta que houve uma redução de centros de apoio. Estavam em 2,5% dos municípios em 2013 e em 2018, apenas em 2,4%. Em números reais, 1.221 mulheres e 1.103 crianças foram atendidas pelas casas-abrigo, em um país onde há uma uma mulher agredida a cada quatro minutos, segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde. O que significa dizer que a cada hora, ao menos 15 mulheres sofrem agressão, treze anos após a criação da Lei Maria da Penha.

Diferente da casa-abrigo, a Beth Lobo, que acolheu a história de Edilaine, não tem tempo de atendimento pré-determinado e varia de acordo com a demanda. Os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) é que ficam com a responsabilidade de abrigar mulheres.

Outro fator que acentua o retrocesso consiste no veto de Bolsonaro ao projeto de lei que obriga os hospitais de notificar suspeitas de violência contra a mulher. As estatísticas subnotificadas sobre os crimes contra as mulheres poderiam ser mapeados a partir desse canal com os postos de atendimento, fortalecendo as políticas de combate.

O governo alegou que o veto foi dado porque o projeto contraria o interesse público e foi proposta pela deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP). "No momento em que o Brasil é colocado como um dos mais perigosos do mundo para uma mulher viver, esse veto é um duro golpe na luta contra a violência à mulher. Um verdadeiro desrespeito às brasileiras", comentou a deputada, alegando que o argumento utilizado para sustentar o veto 'não teria lógica' nesse contexto. 

Assim como Edilaine, as vítimas de violência doméstica recuam na hora de denunciar o agressor por diversos motivos. Ameaças posteriores, recaídas na relação e intenção de proteger filhos constam entre os principais motivos, segundo a gestora da Casa Beth Lobo, Valquiria Batista. A maior parte das mulheres, por outro lado, procura um ponto médico para cuidar das lesões. As estatísticas subnotificadas sobre os crimes contra as mulheres poderiam ser mapeados a partir desse canal com os postos de atendimento. 

Ajuda às vítimas

A orientação nacional para proteger as mulheres de violência doméstica consiste na ligação gratuita para o ramal 180. Delegacias da mulher também são responsáveis pelo acolhimento das vítimas. Os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) também estão prontos para acolher as vítimas em conjunto com as Delegacias da Mulher, para o registro do Boletim de Ocorrência (BO). Em casos de municípios sem CREAS, o órgão gestor municipal deverá atender por meio de equipe técnica de referência para Proteção Social Especial.


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